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Como a especulação imobiliária vai demolindo o Cotidiano do Água Verde

Bia Moraes
Aos sábados tem feijoada. Mas quem quiser provar precisa se apressar.

O Cotidiano é um simpático restaurante de comida caseira encravado entre a República Argentina e a via rápida Centro-Portão, no Água Verde. Há 20 anos no bairro, serve um farto e saboroso buffet, durante e semana e, aos sábados, uma das melhores feijoadas da região.

Guilherme Caldas
Alguns dos antigos inquilinos deixaram sua marca no imóvel, construído a partir do final da década de 1940.

Se você quiser provar, corra. O Cotidiano está com os dias contados. Culpa da especulação imobiliária que tomou Curitiba de assalto há coisa de alguns anos.

Ivan e Simone, casal de proprietários do Cotidiano, alugam o prédio onde está o restaurante de uma tradicional família do bairro, dona de quase todo o quarteirão. Há cerca de um ano, surgiram boatos de que o terreno seria vendido a uma construtora. 

Meses atrás, o contrato de aluguel não foi renovado e, há pouco tempo, a sentença final – representantes de uma incorporadora procuraram os donos do restaurante para comunicar que tinham 90 dias para deixar o imóvel.

A ordem de despejo veio acompanhada de uma ação judicial em que a incorporadora pede a saída imediata do restaurante e de alguns vizinhos – uma agência de publicidade, uma escola de dança, uma banca de jornais e até uma igreja.

Reunidos, os inquilinos procuraram um advogado. Com a ação tramitando na Justiça, descobriram que a incorporadora sequer tem o registro legal do terreno – a escritura ainda está em nome dos antigos proprietários. Mas tem pressa. É o progréssio, o progréssio, cantam os entusiasmados!

Os donos do Cotidiano, que construíram vidas, fizeram amigos e clientes naquele imóvel da Professor Guido Straube, não têm esperanças de permanecer no local. Sabem que, na briga entre Davi e Golias dos dias atuais, não têm nenhuma chance contra o poder e o apetite gigantescos das construtoras.

O que Ivan, Simone o resto da família e os inquilinos que ainda estão nos imóveis querem é, ao menos, uma indenização que os ajude a recomeçar a vida. Afinal, se o dono tem todo o direito de vender o terreno quando e para quem quiser, também é verdade que a clientela conquistada e o ponto comercial que souberam construir têm seu valor. Nesse caso, aliás, são tudo o que têm os donos do Cotidiano.

“Temos pesquisado imóveis para o novo ponto. Mas, do jeito que estão custando os aluguéis, não conseguiremos ficar no Água Verde. Aliás, os preços estão altos até em bairros da periferia”, lamenta o casal. Mas, se forem pra longe dali, darão adeus à freguesia que cativaram oferecendo, durante anos, comida boa a preço justo.

O drama vivido pelos donos do Cotidiano e seus vizinhos não é, certamente, inédito na cidade. Muita gente que criou-se em bairros que hoje despertam a cobiça das construtoras está sendo expulsa do lugar em que nasceu e cresceu por não ter dinheiro para fazer frente ao absurdo aumento nos preços dos imóveis e aluguéis na cidade.

Guilherme Caldas
Alguns vestígios do antigo bairro ainda existem. Não por muito tempo.

Isso deixa algumas perguntas que, embora óbvias, permanecem sem resposta: além das construtoras e incorporadoras, quem mais ganha com a especulação imobiliária? De que adianta uma cidade com centenas de imóveis novos se eles custam muito mais do que pode pagar sua população? Desejamos viver numa cidade em que o interesse econômico expulsa os moradores para cada vez mais longe dos bairros centrais?

Convidamos nossos poucos (mas bravos) leitores a pensar nisso. E, também, a fazer uma visita ao Cotidiano, a quem somos, desde sempre, solidários.

Guilherme Caldas
É fácil de encontrar o primeiro toldo na Guido Straube. Ao lado, já se vê um dos tapumes da demolição.

Serviço

Rua Professor Guido Straube, 8, Água Verde, (41) 3019-2019 (veja no Mapa da Baixa Gastronomia).

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