O sistema tributário brasileiro tem diversas distorções que o tornam regressivo, ou seja, com uma carga maior sobre os mais pobres. Um exemplo disso é o Imposto de Renda. Dados da Receita Federal referentes a 2016 analisados pelo pesquisador do Ipea Sérgio Gobetti mostram como o topo da pirâmide paga bem menos imposto do que a classe média. Isso acontece porque existem isenções que tornam a alíquota menor para os super-ricos. É verdade que a base da pirâmide de renda, neste caso, é poupada do tributo, que acaba sendo mais alto para quem ganha entre 10 e 60 salários mínimos.
O debate sobre o Imposto de renda andou pouco nos últimos anos, apesar dessa constatação sobre a sua regressividade. Mesmo nos momentos mais duros da crise fiscal, o governo não se arriscou a propor um projeto de lei tributando dividendos e outras rendas que tornam mais baixa a tributação sobre os mais ricos.
Ao mesmo tempo, estudos mostram que, mesmo isentos do Imposto de Renda, os brasileiros mais pobres enfrentam uma carga tributária maior, já que a tributação do consumo é bastante alta no Brasil.
Os dados sobre o Imposto de Renda pago no Brasil permitiram que Gobetti calculasse a alíquota efetiva do IR (ou seja, o percentual pago sobre todas as rendas, inclusive as isentas) e o aumento da renda média no período da crise entre 2013 e 2016. Os super-ricos se saíram muito bem, com alíquota relativamente baixa e aumento médio da renda em uma fase na qual a renda média dos brasileiros caiu. A análise desses números nos permite enxergar quatro lições sobre o Imposto de Renda.
1. Os super-ricos pagam menos
A alíquota efetiva do Imposto de Renda forma um gráfico no formato de onda. Em um extremo estão os brasileiros com renda mensal de até 10 salários mínimos e que pagam em média 2,9% de imposto. Na faixa seguinte, de 10 a 20 salários, a alíquota sobe a 9,9%. Passa para 12% para quem tem renda de 20 a 30 salários, 12,1% para quem está na faixa de 30 a 40, e em seguida passa a cair, até chegar a 9,8 % para renda de 60 a 80 salários, 8,1% para quem tem renda de 80 a 160 salários, e incríveis 6,1% para quem ganha mais de 160 salários mínimos por mês.
É isso mesmo: quem ganha mais de 60 salários mínimos por mês paga menos IR de quem ganha de 10 a 20. E a menor alíquota é para os mais ricos dos ricos.
2. Santos dividendos
A grande razão para essa discrepância é que o Brasil tributa pouco ganhos com investimentos e dividendos. Muitos investimentos têm tributação exclusiva na fonte (o que significa que sobre eles pode incidir uma alíquota de 15% a 22,5% e não a máxima de 27,5%), ou são isentos. Na segunda categoria, há títulos, como letras de crédito do agronegócio e imobiliárias (LCAs e LCIs) e os dividendos. A maioria dos super-ricos são sócios de empresas e recebem sua renda como dividendos. Por isso a alíquota tão baixa.
Para se ter uma ideia, a renda média tributável dos super-ricos foi de R$ 677 mil. Não parece muito quando comparada à dos ricos com renda, digamos, entre 30 e 40 salários mínimos (R$ 203 mil). A diferença está nos itens de tributação exclusiva (R$ 1,390 milhão, contra R$ 44,5 mil) e isentos (R$ 3,8 milhões, contra R$ 122 mil).
3. Ricos são poucos e muito ricos
Existem no Brasil 67,9 mil super-ricos com renda acima de 160 salários mínimos por ano. Eles formam uma categoria à parte, com renda anual média de R$ 5,8 milhões. E pagam em média R$ 356 mil em Imposto de Renda. É uma bagatela quando se compara ao que paga o grupo com maior alíquota, as pessoas com renda entre 30 e 40 salários. Nesse caso, a renda média é de R$ 370 mil e o imposto pago de R$ 44,6 mil. Fazendo as contas, a renda dos super-ricos é 15,9 vezes maior do que desse grupo intermediário, mas o imposto pago é só oito vezes superior.
4. E sofreram menos na crise
Os dados do Imposto de Renda mostram que o Brasil perdeu super-ricos na crise. Eles eram 71,4 mil contribuintes em 2013 e passaram a ser 67,9 mil em 2016. Ficaram nesse grupo os ricaços com finanças mais saudáveis. A renda per capita de quem está entre os mais ricos cresceu 7,5% em termos reais de 2013 até 2016. Entre todos os declarantes de IR no país, houve uma queda na renda per capita de 3%.
Isso significa que os mais ricos, na média, conseguiram proteger melhor seus ganhos durante a crise, já que não dependem exclusivamente da renda do trabalho e estão quase imunes ao desemprego. Ao mesmo tempo, eles conseguiram aproveitar melhor oportunidades de rendimentos que eventualmente apareceram na crise, como juros maiores em aplicações financeiras.