A crise desencadeada pela greve dos caminhoneiros causou desabastecimento nas cidades e constrangimento no governo. A equipe escalada pelo presidente Michel Temer teve dificuldades para entender a extensão do problema e de assumir uma postura coerente desde o início. Vacilou entre uma oferta modesta de cinco centavos e a capitulação total de 46 centavos, reserva de mercado e tabelamento de preços.
Se Temer não sabe se quer mercados livres ou intervenção estatal para manter a paz nas estradas, o Congresso sabe bem o que quer: caminho livre de problemas até as eleições. A pressão para que o governo resolvesse logo a crise de abastecimento foi intensa em Brasília, com episódios que beiram a revolta – como as declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que anunciou acordos nas redes sociais, colocou para votar o que o governo não queria e depois disse que não haveria alta de impostos enquanto ele fosse presidente.
O projeto de reoneração estava sendo conduzido lentamente pelo Congresso, embora essa receita esteja prevista no Orçamento. Bastou a crise aparecer para ser votado em 24 horas, com uma emenda que zerava o PIS/Cofins do diesel até o fim do ano. Essa segunda parte contrariava o governo, que assumiria o risco de sofrer um questionamento com base na Lei de Responsabilidade Fiscal (na prática, você só pode fazer uma redução dessas se estiver no Orçamento do ano seguinte). Esse conflito com Maia mostra o custo que o governo Temer pode ter de assumir para sobreviver: abdicar aos poucos de governar de fato.
Não bastasse o conflito com o Congresso, Temer conseguiu se cercar de um time que não parece apto para a condução de crises. Em questão de horas, a Petrobras perdeu bilhões de valor de mercado porque a ala política do Palácio queria encontrar uma saída fácil e indolor do ponto de vista fiscal, que é intervir na empresa e baixar os preços na canetada. Ao mesmo tempo, demoraram para buscar a liberação de estradas pela combinação de ordens judiciais e uso de forças de segurança. A negociação feita contra a parede pareceu dar legitimidade à greve, apoiada pela maioria da população apesar de seu efeito negativo sobre o dia a dia das pessoas.
É esse governo que provavelmente terá de lidar com a terceira denúncia contra Temer, que está sendo preparada pelo Ministério Público Federal. A acusação de que um decreto beneficiou empresas do setor portuário que repassaram recursos para Temer, com intermediação de pessoas próximas ao presidente que já foram presas para serem interrogadas, está ficando cada vez mais madura. A circulação de maços de dinheiro vivo está longe de ser explicada e há grandes chances de levar a uma denúncia que terá de ser avaliada pela Câmara ainda antes das eleições.
Nas duas primeiras denúncias, Temer teve condições de negociar com o Congresso, com a liberação de cargos e emendas. Mas um governo que chega ao fim, é impopular e está em atrito com lideranças na Câmara em ano eleitoral terá mais dificuldade. Só há uma coisa que joga a favor do presidente: ninguém quer assumir a bronca por alguns meses até a posse de um novo governo. Por isso, Maia já avisou que não deixa passar nenhum pedido de impeachment para ser avaliado pelo Congresso. É mais incerto o que ele dirá se de fato aparecer a terceira denúncia.
Temos quatro meses ainda até as eleições e já não se pode esperar de Temer mais do que manter seu governo na UTI, torcendo para que nada de grave aconteça até outubro. O presidente se tornou politicamente dispensável porque não ajudará a eleger ninguém e pode ser sacrificado se isso significar uma vantagem para quem está em busca de votos.