O economista Nouriel Roubini ficou famoso em 2008 por ter sido um dos poucos que previram publicamente a crise global que arrasou o mundo rico depois do estouro da bolha imobiliária americana. Agora, ele faz uma nova previsão: a guerra comercial inciada pelo presidente dos EUA Donald Trump, combinada com seus estímulos internos, está desestruturando a economia global e pode causar uma recessão forte em 2020.
Roubini argumenta que os estímulos fiscais estão levando a um superaquecimento da economia americana, à apreciação do dólar e, com isso, a um aumento do déficit comercial. A reação de Trump não é permitir que as importações continuem fechando o buraco aberto pelo aquecimento da economia, nem que imigrantes entrem no mercado de trabalho para dar conta da demanda crescente, e sim o contrário disso. O efeito dessa aplicação do nacionalismo econômico será mais inflação e juros mais altos, com uma recessão forte como consequência.
O nacionalismo pode ter um aspecto emocional positivo, como um estímulo ao trabalho duro e à civilidade. Mas como política econômica é uma fábrica de besteiras sem limite. A abertura comercial é um dos maiores geradores de riqueza para qualquer nação, fazendo ela ou não “bons negócios”, como diz Trump. Na verdade, os ganhos do comércio ocorrem mesmo se um país baixar unilateralmente suas tarifas de importação, já que terá acesso a produtos melhores e mais baratos.
No Brasil, o discurso da economia nacionalista dos anos 50 continua vivo como nunca. Se o tema fazia sentido no pós-guerra, hoje sabemos que fomos longe demais – a ponto de criarmos um subsídio eterno para fábricas instaladas no meio da Amazônia e atendidas por uma estrada que até agora é intransitável. E, mesmo assim, os governos Lula e Dilma Rousseff insistiram na criação de estatais, no plano de criação de campeãs nacionais e no subsídio de setores que eles acreditavam ser importantes. No mesmo período, o país não avançou um milímetro em abertura comercial. O resultado é que estamos no atoleiro.
Esse viés econômico está presente no debate eleitoral. Se Jair Bolsonaro defende a produção de nióbio, Ciro Gomes quer desfazer a compra da Embraer pela Boeing (por razões de segurança nacional, sempre ela). É comum ainda o discurso de que precisamos de uma política industrial, o que pode até ser correto. O problema está nos detalhes: geralmente essas políticas envolvem subsídio a algum setor, investimento público em alguma área sem retorno (nióbio, talvez) e fechamento comercial.
O setor automotivo, por exemplo, é protegido pela maior tarifa possível de importação (35%) e acabou de arrancar alguns bilhões em benefícios fiscais até 2030. O programa, chamada Rota 2030, tem boas intenções, como estimular a adoção de carros elétricos, mas é uma ilusão acreditarmos que ele vai colocar nossa indústria na vanguarda. Aliás, no Congresso, o programa deve piorar, recebendo emendas que aumentam benefícios em troca de nada (para fábricas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste) e uma ideia genial de se proibirem motores a gasolina e diesel (proposta que só não deve avançar porque não interessa às montadoras). No fim da linha, o argumento é o de que precisamos de uma indústria automotiva nacional, como se as fábricas não estivessem aí desde os anos 50.
O discurso nacionalista também gosta de mostrar força para encarar as multinacionais do mal. É o que pretende Ciro Gomes ao dizer que vai desfazer a compra da Embraer pela Boeing, um “negócio clandestino”, segundo ele, embora tenha sido feito por empresas privadas seguindo as normas do Brasil e dos Estados Unidos. A aquisição recebeu sinal verde do governo brasileiro, como deveria, porque não é uma questão de segurança nacional, e sim de concorrência. Cabe agora aos órgãos antitruste avaliarem o caso e eles, sim, teriam argumentos para imporem restrições ao negócio.
O voluntarismo que deriva dessa visão econômica populista é danoso quando encontra os instrumentos necessários para entrar em prática. O comércio internacional, por exemplo, é uma das poucas áreas em que a retórica de Trump tem a caneta para fazer o que quiser – o que não ocorre em questões de defesa, por exemplo. No Brasil, é fácil para um governo criar uma estatal qualquer (o Congresso sempre gosta de cargos) e quase impossível vendê-la depois. Por mais que isso provoque prejuízos bilionários para o Estado. Infelizmente, muitas ideias mirabolantes podem ir adiante só com uma canetada. E, como lembra Roubini, os efeitos negativos demoram a aparecer.