Com as contas públicas ainda no vermelho, a maioria dos candidatos ao Palácio do Planalto já jogou a toalha do negacionismo e admite que algo precisa ser feito para tirar o Brasil da bancarrota fiscal. O diabo está nos detalhes das ideias que estão aparecendo por aí. Muitas delas são uma tentativa de mostrar boas intenções e não servem nem como uma má ideia para compor o debate.
O orçamento da União prevê que o país terá um déficit primário de R$ 159 bilhões neste ano, o quarto ano seguido nesse nível. O mercado espera algo um pouco melhor do que isso, em torno de R$ 130 bilhões. Esse é o quanto o governo precisa tomar emprestado no mercado para pagar suas contas, sem levar em consideração os juros da dívida contraída no passado. O que significa que a dívida pública continua crescendo em ritmo acelerado – é hoje a maior entre países emergentes e deve chegar a 90% do PIB nos próximos cinco anos.
O efeito do estado das contas públicas é uma combinação de juros altos e clima ruim geral na economia, já que muitas vezes episódios longos de dívida pública crescente levam à alta da inflação e, no extremo, calotes da dívida pública.
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O Brasil está há quatro anos se enrolando para fazer um ajuste crível. O mais perto que chegou disso foi com a aprovação do teto de gastos que, sozinho, não soluciona o problema. Na verdade, o teto vai ser um dos desafios do próximo governo, que terá de acomodar todos os gastos que hoje crescem mais do que o PIB em um orçamento que é corrigido só pela inflação.
O ganho com um ajuste crível é que os agentes econômicos antecipam a provável melhora fiscal com uma redução dos juros de longo prazo e retomam investimentos. Países que seguiram essa abordagem na última crise global, como Irlanda e Portugal, hoje já estão no caminho do crescimento estável. Outro caso para o qual o Brasil deveria olhar é o da Suécia, que passou por problema parecido nos anos 90.
Poucos candidatos hoje estão sendo coerentes ao dizer como vão enfrentar o problema. Há poucos dias, Ciro Gomes (PDT) deu uma entrevista dizendo que vai zerar o déficit em dois anos. Esse é um exemplo de desinformação. Primeiro, porque pode dar a impressão de que fala do déficit total e não do primário – caso no qual precisaria de um esforço de 2% do PIB em dois anos e não resolveria o problema porque é preciso construir um superávit primário ao longo dos próximos anos. Ao mesmo tempo, ele diz que vai revogar o teto de gastos, instrumento construído justamente para fazer o país voltar a ter superávit primário de forma gradual. Há uma contradição no discurso, portanto.
Outra proposta nessa linha é a promessa de corte de 10% nos gastos públicos trazida pelo candidato Alvaro Dias (Podemos). Isso é um corte de gastos públicos de 2% do PIB, um enorme esforço fiscal que na prática significaria cortar toda a despesa não obrigatória. Não haveria dinheiro para pagar a conta de luz das repartições. Dias fala em criar um limitador de despesas para fazer esse corte em apenas um ano, contornando talvez limitações como a obrigação de gastos em educação e saúde. Mas tal medida não teria impacto sobre a Previdência, que é hoje pouco mais de 50% da despesa federal, nem sobre o funcionalismo. Na prática, o corte teria de atingir educação, saúde e outros gastos sociais, algo politicamente delicado.
Em outra frente, Guilherme Boulos (PSOL) fala em cortar privilégios. Por mais sensato que pareça acabar com gastos socialmente indefensáveis, como o auxílio-moradia e os tantos penduricalhos que existem no setor público, essa medida seria pequena demais diante do problema. O auxílio-moradia de juízes, por exemplo, custa R$ 800 milhões por ano. Uma panaceia contábil, embora desejável do ponto de vista de justiça social. Ele também fala em aumentar impostos dos mais ricos, ao mesmo tempo em que reduziria a carga tributária sobre o consumo. Do ponto de vista fiscal, estamos falando de uma mexida que deve ser neutra, sem fazer diferença também no resultado consolidado das contas públicas.
Geraldo Alckmin (PSDB), para citar só mais um exemplo, diz que sabe cortar gastos e que vai mexer nos impostos. Um pouco como Alvaro Dias, sua proposta parte do princípio de que é possível cortar muitos gastos (com uma super desvinculação das receitas), ao mesmo tempo em que sua reforma tributária poderá ser neutra como a de Boulos (ele fala em diminuir impostos corporativos e aumentar a tributação sobre dividendos, o que não aumentaria a arrecadação).
Trago esses exemplos com o objetivo de mostrar que o debate eleitoral tende a se afastar da solução de longo prazo para as contas públicas. Os dois maiores gastos da União são Previdência e pessoal. Embora muitos candidatos se comprometam em enviar alguma reforma da Previdência para o Congresso, não falam dessa proposta em termos de ajuste fiscal. Para não melindrar o funcionalismo, há pouca clareza no que poderia ser uma reforma nos gastos com salários e outros benefícios. O curioso é que algumas das propostas imediatas para lidar com o déficit são muito mais duras do que o necessário no curto prazo – tirar 2% ou 3% do PIB de gastos públicos em uma tacada teria efeito recessivo e tiraria recursos de serviços essenciais – e muito ineficientes no longo prazo. Ao mesmo tempo, aumentar a eficiência da máquina pública demora muito mais do que uma simples canetada que torna o gasto impossível.
Talvez bastasse uma combinação de reformas de longo prazo na Previdência e no funcionalismo com outros consertos pontuais para recuperar o superávit primário em um horizonte de quatro anos. É possível fazer o ajuste com uma alta de impostos suportável, como a proposta que a atual equipe econômica tem para tributar fundos especiais, uma rodada de reavaliação de benefícios fiscais (lembrando que o maior deles é o Simples e sua extinção jamais passaria no Congresso), e um programa voltado para ganhos de eficiência na aplicação de recursos públicos.
O Brasil não precisa de nenhuma promessa megalomaníaca de zerar déficit ou arrochar gasto, mas sim encarar o que de fato pressiona as contas públicas no longo prazo: Previdência e funcionalismo.