Vamos entrar em 2019 com o mercado já rebaixando sua expectativa para os juros. Aos poucos, está se consolidando a tese de que vamos ficar mais um ano sem altas na Selic, que subiria um pouco apenas em 2020. Nunca tivemos juros tão baixos. Nunca juros baixos duraram tanto tempo. O que talvez comprove que o Brasil está se tornando um país mais normal na economia.
O Brasil durante muitos anos foi um ponto totalmente fora da curva com suas taxas de juros altíssimas, sempre entre as duas ou três maiores do mundo em termos reais (descontada a inflação). Vários fatores contribuíam para essa situação: déficit público contínuo, atrofia dos mercados de capitais, intervenção estatal em preços e outras distorções na inflação, além de uma situação cambial desconfortável.
Estamos falando de um problema que ficou visível em 1994, quando foi lançado o Plano Real, e que foi assunto contante na queda de braço entre economistas monetaristas e desenvolvimentistas. A cada decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que mantinha as altas taxas reais de juros, havia uma choradeira institucional (da CUT à Fiesp) e de economistas de linha desenvolvimentista, que acreditavam ser possível reduzir os juros sem outras condições necessárias.
A última recessão parecia ser a repetição dessa história dos juros altos para sempre. A inflação subiu quando o segundo governo de Dilma Rousseff decidiu encerrar a manipulação de preços e orçamento, o que forçou o BC a apertar os juros. A Selic começou a cair quando os índices de preços ficaram comportados, mas o consenso de mercado era o de uma passagem rápida pelo piso de 6,5% que temos hoje.
Temos hoje uma taxa real de juros de 2,3% ao ano, muito próxima à de economias estáveis, e ela pode ficar nesse nível por um bom tempo. As circunstâncias ajudam: a economia continua crescendo pouco e, por isso, ainda há muita ociosidade, o que segura a inflação. Se formos considerar o histórico desde o início do Plano Real, no entanto, podemos esperar que os juros voltarão a subir bastante assim que a economia voltar a crescer perto dos 3% ao ano. Essa é a conta do mercado, que cobra hoje juros pouco acima de 9,5% ao ano em títulos do governo que vencem em 2025.
Mas desta vez pode ser diferente. De forma constante nas últimas décadas, a estrutura da curva de juros se mexeu para baixo. A cada ciclo, o BC vem precisando de juros menores para segurar picos inflacionários (descontando o ciclo 2010-2011, quando a dose foi erradamente menor do que a necessária). Se houver continuidade nos ajustes iniciados pela equipe econômica de Michel Temer, podemos chegar ao ponto de nunca mais encarar uma Selic de dois dígitos.
Um estudo feito pela equipe econômica do banco Itaú corrobora essa visão de que houve uma queda estrutural nos juros refletindo melhoras institucionais no país. Eles notaram esse deslocamento na comparação de dois períodos: 2003-2008 (quando houve crescimento elevado e juros altos) e 2012-2018 (juros e crescimento baixos). A taxa considerada neutra (necessária para a manutenção do crescimento potencial sem inflação) era de 10% no primeiro período e de 3% no segundo.
Essa redução ocorreu por causa de uma combinação expansão do crédito livre, recuperação do mercado de capitais, controle dos gastos públicos e redução de estímulos, como empréstimos do BNDES. Colocando de outra maneira, a estrutura de juros básicos no Brasil se aproximou à de países mais desenvolvidos apesar da política econômica do segundo governo Lula e do primeiro governo Dilma, pois suas políticas de expansão do gasto público foram revertidas a partir de 2015. Ao mesmo tempo, a liberalização dos mercados de capitais e de crédito fez sua parte para tornar a política monetária mais eficiente.
O lado mais promissor do estudo do Itaú é que as políticas que consolidaram a estrutura de juros menores tendem a continuar nos próximos anos. Espera-se que o crédito direcionado, com juros controlados pelo governo, continue a ceder espaço para o crédito livre. Os mercados de capitais devem continuar se recuperando, ao mesmo tempo em que o novo governo promete manter o ajuste fiscal. Essas são algumas das várias medidas necessárias para os juros continuarem baixos no país no longo prazo – o que significa que a política monetária será mais eficiente ou, em outras palavras, que o BC precisa de juros menores para controlar a economia se ela superaquecer.
Há outras coisas que estavam na agenda do país e precisam continuar, como a redução gradativa da meta de inflação e a continuação da desindexação de contratos, em especial de serviços públicos e concessões. Ajudaria se o governo avançasse na desindexação de salários de servidores e outros gastos públicos que vinham crescendo mais do que a receita.
É triste que a mudança na estrutura dos juros não tenha sido reconhecida e resguardada no período 2008-2012. Com a política econômica adequada, essa redução teria sido ainda mais rápida e consistente, elevando nosso potencial de crescimento. Ao invés disso, tivemos de encarar a maior recessão da história para, só depois, entendermos que a intervenção do Estado não pode resolver a composição de juros e crescimento à força.