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No governo do PT, o sal grosso nos deixou mais pobres

Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo (Foto: )

Foi entre o fim do segundo mandato de Lula e o primeiro mandato de Dilma Rousseff que o Brasil inverteu a tendência de abertura de sua economia e passou a figurar entre as nações que mais criavam barreiras à importação. Esse processo deixou o país menos exposto à concorrência, prejudicou o aumento da produtividade e nos deixou mais pobres.

Na comparação com outros países, o Brasil é muito fechado e o trabalho para se fazer a abertura será longo. No último ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, o país estava na 136ª colocação no item “prevalência de proteções não-tarifárias” e na 125ª colocação no item “tarifas sobre o comércio”. O ranking tem 140 países e não existe nenhuma nação tão fechada entre as economias mais desenvolvidas.

Um dos melhores exemplos que encontrei sobre os erros na proteção do mercado interno é o sal grosso. É um produto para o qual nenhum cidadão liga. Usamos eventualmente em um churrasco e o seu preço é tão baixo que não importa muito o que o governo faz com ele. Mas esse é um insumo importante para a indústria, que é quem realmente consome sal grosso em grandes quantidades. Não é estranho, portanto, que em torno dele tenha se criado uma disputa comercial que levou quase uma década.

Em 2011, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu que a indústria chilena de sal estava praticando dumping, vendendo seu produto abaixo do preço de mercado no Brasil. Por isso, decidiu estipular uma sobretaxa de 35,4%. Na mesma resolução uma empresa chilena conseguiu trocar a sobretaxa por um acordo de preço mínimo. A partir daquele momento, o consumidor brasileiro de todos os produtos feitos a partir do sal (cloro é um exemplo) estava dando um dinheiro extra para o governo ou para uma empresa estrangeira.

O pedido de sobretaxa foi feito pela indústria brasileira de sal. Ela é bastante concentrada, com 95% de sua produção feita no Rio Grande do Norte, onde desfruta de benefícios fiscais generosos. O argumento na época era o de que havia dano à indústria nacional, que havia perdido alguns pontos de participação de mercado no fim dos anos 2000.

O que se viu depois foi que a medida não tirou os chilenos do mercado, já que havia demanda para o produto. Ao mesmo tempo, mais empresas do Chile assinaram acordos de preço mínimo. E, quando isso acontece, o comprador brasileiro simplesmente tem que pagar mais caro, apesar de o vendedor ter um preço mais em conta. É transferência internacional de renda.

No período de vigência das medidas não-tarifárias, o volume de sal importado do Chile ficou estável, com uma participação de aproximadamente 50% do mercado – em linha com a demanda interna, que também oscilou pouco. O resto do mercado era dividido por empresas nacionais que estavam sendo investigadas por cartel. Em outras palavras, o governo aceitou proteger empresas brasileiras que estavam manipulando o preço e diziam que o problema eram os exportadores chilenos. No ano passado, o Cade condenou 18 empresas pela formação de cartel na venda de sal marinho entre 1984 e 2012. Houve, portanto, transferência de renda também dos consumidores para empresas mal intencionadas. A multa foi de pouco mais de R$ 200 milhões.

Dois meses depois da decisão do Cade, em julho do ano passado, a Camex suspendeu as medidas contra o sal chileno. A resolução levou em conta argumentos do Ministério da Fazenda, que apontava a distorção do mercado doméstico. Diz o documento: “pode-se dizer que a medida criou um mecanismo de transferência de renda da sociedade brasileira para o produtor chileno, como resultado de um preço mínimo superior ao que seria praticado segundo o contrato vigente entre aquele e uma empresa responsável por parcela significativa do consumo nacional de sal grosso químico”. O governo admitiu que errou.

Quanto isso custou ao consumidor? Também está na resolução: o preço do cloro ficou quase 2% acima do que seria sem a medida; o da soda cáustica 1,9%. A Sabesp, distribuidora de água de São Paulo, teve uma alta de 0,42% em seus custos por causa da proteção de mercado, o que fez com que ela gastasse R$ 4 milhões a mais do que aconteceria sem a proteção. Isso chegou à conta de água do consumidor, claro.

De acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil tem em vigor 172 medidas antidumping, número maior do que o da maioria dos emergentes. Só um país desenvolvido, os Estados Unidos (347) – uma excepcionalidade por seu tamanho no comércio internacional – , e dois em desenvolvimento, Índia (278) e Turquia (192), superam essa marca.

O caso do sal certamente não é o único em que se uniram alguns dos piores fenômenos econômicos: cartelização, lobby e transferência de renda. É por causa deles que a defesa da competição no Brasil é uma das tarefas mais difíceis na pauta da equipe do ministro da Economia Paulo Guedes. Ele propõe fazer mais pela abertura comercial e redução de benefícios setoriais. Talvez ajude fazer uma simpatia com o sal do Chile, o país modelo do ministro.

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