O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou em uma entrevista ao Estadão que pretende enviar ao Senado uma proposta de emenda constitucional (PEC) com um novo pacto federativo, incluindo uma grande desvinculação orçamentária. Ele diz que, com isso, o orçamento vai voltar para as mãos dos políticos, em uma sinalização de que está disposto a ceder poder no processo.
A reação dos mercados nesta segunda foi positiva, com os juros caindo e a bolsa subindo. Talvez tenha pesado o otimismo do ministro, que também afirmou que não cede de conseguir uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos com a reforma da Previdência, que agora estaria também complementada pela PEC do pacto federativo. No mundo ideal, os dois projetos juntos poderiam levar a uma aceleração no ajuste fiscal de médio prazo.
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Guedes dobrou a aposta e, como todo apostador, assumiu riscos maiores. A reforma da Previdência é a espinha dorsal do ajuste fiscal por uma combinação de dois fatores: os gastos previdenciários são os maiores do orçamento e respondem por mais da metade da despesa; esse gasto tende a crescer por uma questão demográfica que é inevitável. Somente com novas regras valendo rapidamente o gasto previdenciário será manejável.
A questão do pacto federativo e da vinculação de receitas é de outra natureza. Tem a ver com a harmonização de interesses dentro da sociedade. Por uma combinação de leis, a começar pela Constituição, o Brasil criou um orçamento altamente engessado e concentrado na União. Estima-se que pouco mais de 90% da despesa primária do governo federal seja obrigatória. A margem para realocações e cortes recai sobre 7% ou 8% do orçamento.
Além disso, a União recolhe mais da metade da carga tributária total, repassando aos estados e municípios recursos através de transferências. Isso concentrou poder nas mãos do governo federal, o que tem efeitos positivos e negativos. O sistema de transferências pode ser um indutor poderoso, capaz de melhorar e padronizar serviços públicos em regiões sem densidade arrecadatória. E também enfraquece a relação entre eleitores e representantes locais. As decisões são tomadas em Brasília e não onde o problema precisa ser resolvido, abrindo mais brechas para a corrupção.
Esse é um projeto caro a Guedes, que fala em restringir o poder da União e aumentar a proximidade entre eleitores e a decisão sobre gastos, duas pautas liberais que seriam positivas para o Brasil. O ministro tem outros temas dessa linha na agenda, alguns deles integrados à reforma da Previdência, que traz em seu texto a previsão da capitalização previdenciária e possibilita a redução de algumas amarras trabalhistas (com menos encargos e custos de contrato). Ele ainda tem na manga a ideia da carteira de trabalho verde e amarela, que por enquanto não deve ser apresentada.
Acelerar esses debates além da reforma simples da Previdência, como tentou o governo Michel Temer, tem a ver com o tempo do governo. O capital político do presidente Jair Bolsonaro vai se desgastar se não houver evolução na economia e o tempo para reformas é curto. O Congresso tende a não fazer votações importantes em anos eleitorais, o que poderia empurrar algumas discussões para 2021, tarde demais para se sentir efeitos antes de 2022.
O problema é que o Congresso também tende a não tocar muitas discussões profundas ao mesmo tempo. O governo Temer conseguiu escalonar as discussões, partindo do teto de gastos, passando pela reforma trabalhista e chegando à da Previdência, que empacou quando surgiram as gravações de conversas do ex-presidente com o empresário Joesley Batista. Outras pautas com reformas menos complexas foram tocadas em paralelo quase de forma ininterrupta.
Guedes parece acreditar que é possível fazer grandes reformas em um mesmo momento e, por isso, trouxe à tona o que ele disse há alguns meses que seria seu plano B caso a reforma da Previdência não seja aprovada. Uma desvinculação total do orçamento faz com que o governo consiga retirar recursos de áreas cujos gastos hoje são obrigatórios e os direcione para outros pagamentos. Não ficou claro como se daria o novo pacto na distribuição dos recursos entre União, estados e municípios, mas a situação na maioria deles é tão caótica que qualquer melhoria de arrecadação será aceita. A princípio, o governo federal também não pode abrir mão de nenhum tostão, o que pode gerar um impasse difícil de contornar.
Essa agenda cheia só vai funcionar se o governo encontrar uma forma eficiente de se relacionar com o Congresso, inclusive com o esforço de Bolsonaro. Embora todas as reformas econômicas interessem aos estados, seu poder de influência sobre as bancadas estaduais é limitado – poucas delas, aliás, jogam de forma unida quando os assuntos são polêmicos. As bancadas podem comprar a ideia do pacto federativo e, ao mesmo tempo, derreter a reforma da Previdência.
O pacto federativo, mesmo com a desvinculação do orçamento, não substitui a reforma da Previdência. Mas a reforma, por sua vez, abriria espaço fiscal para o andamento do pacto. Se em algum momento precisar escolher uma pauta prioritária, o governo precisará ter isso em mente.