Taís Araújo disse que no Brasil as pessoas mudam de calçada por causa da cor da pele do seu filho. Antes de dizer isso, ela apostou que seria pior se ele fosse menina, porque mulheres sofrem ainda mais. Antes disso, ela já tinha dito que Lázaro Ramos não dá pitaco no seu corte de cabelo: o cabelo é dela e ele que fique no patriarcal canto dele. Isso dá o tom da crítica, digamos, antropológica de Taís Araújo: ela quer cobrir todas as possibilidades para provar que somos terríveis. Nós. Ela está a salvo do que denuncia.
É claro que esse filho da Taís Araújo é um filho metafórico, um arquétipo platônico do menino que sofre preconceito por ser preto. O filho dela não sofre coisa nenhuma, sabemos. O filho dela não frequenta escolas violentas, não apanha do pai alcoólatra, não é largado pela mãe, não corre sujo e sem camiseta na calçada, nem anda por aí com más companhias. Quem provavelmente sofre é quem tenta se aproximar dela, do filho, da filha, do marido. Não acredito que os seguranças sejam dos mais amigáveis.
Taís Araújo não está errada quando afirma que existe racismo no Brasil. Existe. Brasileiros são seres humanos, seres humanos têm defeitos, preconceito racial é um dos defeitos possíveis, logo, brasileiros têm preconceito racial. Considerada a história ainda recente da escravidão no país, temos o racismo nosso de cada dia. Todo mundo já viu.
No entanto, o que Taís Araújo não parece considerar é que o racismo pode ser um subproduto de outras condições. O preto pobre sofre muito no país. O branco pobre também sofre. Apelar para o “racismo estrutural” e para o “preconceito institucional” é só uma maneira de dizer tudo sem provar nada. Ela precisa que acreditem nisso para que acreditem nela. Militantes vivem de sua militância.
As instituições racistas estão ocupadas por gente que, em tese, também sofreria preconceito. As polícias civil e militar não são exatamente instituições de elite. Da mesma origem são o traficante e o policial. Um era amigo do outro na infância e ambos brincavam de polícia e bandido. Muitas vezes, ambos pretos ou pardos.
O preconceito brasileiro é forte: contra o pobre, contra quem não pode apontar o dedo na cara do outro e berrar a pergunta que é mais afirmação que pergunta: “Você sabe com quem está falando?!” Essa é a frase predileta do brasileiro, frase de afirmação social – quase que de afirmação ontológica – de que fala Roberto DaMatta. Ser respeitado no Brasil não é ser branco ou ser homem: é ser rico e, principalmente, é mandar em alguém. Ser respeitado no Brasil é, por exemplo, ser filho da Taís Araújo. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Taís Araújo pode muito mais do que eu. Os filhos da Taís Araújo poderão muito mais do que eu. Eu queria ser o filhinho da Taís Araújo e correr sujo e sem camiseta numa calçada qualquer do Leblon. Ela é rica, eu não sou. Ela tem poder, eu não tenho. Ela invade a casa de milhões de pessoas por meio das novelas, eu mal sou conhecido por trezentos leitores – que só me ofendem. Ela é branca, eu sou preto. Ela é homem, eu sou mulher. O preconceito, no Brasil, é uma verdade, mas uma verdade cambiante, transitiva: depende de quem a profere, depende de quem a encarna, depende de quem a sofre.
Está aí a ministra Luislinda Valois que não me deixa mentir.
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