Às 22h30 de segunda-feira (13), um assessor da deputada Aline Sleutjes (PSL) demonstrava preocupação com a informação que estava sendo publicada em blogs e nas redes sociais de que a deputada não havia comparecido – e nem justificado sua ausência – a uma reunião da bancada paranaense com o reitor da Universidade Federal do Paraná. O assessor fez questão de esclarecer a jornalistas que a parlamentar não foi ao encontro por estar em missão oficial na China e de que ela não era insensível ao contingenciamento do orçamento da instituição.
Sleutjes é filiada ao PSL e bolsonarista de quatro costados. Poderia facilmente embarcar nos ataques à universidade pública que têm sido patrocinados por alas do governo e seus apoiadores. Foi curioso, portanto, o esforço da assessoria para que a deputada não fosse vista como omissa ou como inimiga da UFPR.
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O comportamento da parlamentar parece mostrar que mesmo bolsonaristas sabem que ao pisar na reitoria e olhar para a universidade com as lentes da realidade as acusações feitas de gabinetes em Brasília, redes sociais e grupos de WhatsApp não se sustentam. De perto, os moinhos de vento são só moinhos de vento, não inimigos ameaçadores.
Se o contingenciamento orçamentário determinado pelo Ministério da Educação é justificável e recorrente diante da conjuntura fiscal, a narrativa que busca transformar professores e alunos em parasitas imorais e improdutivos não encontra respaldo na realidade nem ataca os problemas reais das universidades. Há, por exemplo, o excesso de burocratização do trabalho dos professores, a falta de preparo de docentes para cargos de gestão e o baixo impacto mundial das pesquisas nacionais.
Ataques levianos à UFPR não passam despercebidos mesmo em um momento de desprezo total às instituições. Com 33 mil alunos atualmente e mais umas centenas de milhares em seu histórico centenário, a universidade é íntima do povo do estado.
Enquanto o embate narrativo insiste em balbúrdias e imoralidades, curitibanos e paranaenses se orgulham da instituição que há 40 anos realizou, pelas mãos dos médicos Ricardo Pasquini e Eurípedes Ferreira, o primeiro transplante de medula óssea do país e que, desde então, é destino de pacientes que depositam suas esperanças de vida nas mãos dos profissionais do Hospital de Clínicas.
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Sem a universidade, nós, os paranaenses, saberíamos muito menos sobre nossa trajetória e a terra em que vivemos. As pesquisas de Reinhard Maack, Riad Salamuni, João José Bigarella, Ygor Chmyz, Oldemar Blasi, Cecília Westphalen, entre outros, nos apresentaram à nossa história e a um Paraná desconhecido. E foi olhando para o nosso solo que esses pesquisadores trilharam carreiras de reconhecimento internacional.
Centenária, a Universidade consolidou áreas de pesquisa que geração após geração acolhem pesquisadores destacados. Os estudos de química e bioquímica, por exemplo, por onde passaram Metry Bacila e Glaci Zancan seguem sendo referência atualmente por pesquisadores como a jovem Elisa Orth, que investiga problemas decorrentes do uso de agrotóxicos.
Da faculdade de Direito – sediada no prédio histórico da Praça Santos Andrade – saíram juristas que de alguma forma ajudaram a moldar a história recente do país: René Dotti, Luiz Edson Fachin, Sergio Moro e Deltan Dallagnol são alguns dos exemplos.
No curso de Letras, do Setor de Ciências Humanas – o inimigo público número um – a UFPR também tem alimento para nosso orgulho paranista. Dali saiu há pouco tempo o escritor Cristóvão Tezza, um dos mais relevantes romancistas brasileiros da atualidade, e ali estão tradutores que têm feito trabalhos de destaque: Caetano Galindo, com suas traduções de James Joyce e Guilherme Gontijo Flores, que não só traduz os clássicos do latim e do grego como faz o esforço de popularizá-los com o grupo Pecora Loca, que toca e canta poesia clássica.
Contingenciamentos de recursos são amargos reflexos de políticas econômicas desastradas, mas fazer isso sob um discurso que busca ridicularizar a universidade pública é uma afronta a todos nós, íntimos e orgulhosos da Universidade Federal do Paraná.
P.S.: Newton Freire-Maia, Belmiro Valverde Jobim Casto, Enedina Alves Marques, Carlos Antunes, Carlos Alberto Faraco, Bento Munhoz da Rocha Neto, Maria Falce de Macedo, Adalice Araújo…
*A pesquisa da jornalista Maria Isabel Miqueletto sobre mulheres na ciência serviu de fonte para este texto.
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