A greve dos caminhoneiros expôs um belo tiro no pé da política econômica. De 2009 a 2014, a presidente Dilma Rousseff subsidiou o financiamento de caminhões. Empresas e caminhoneiros poderiam renovar ou aumentar a frota pagando 7% de juros ao ano. A aparente benção resultou em maldição.
O preço artificialmente baixo do financiamento fez o número de caminhões passar de 1,4 milhão em 2009 para 1,9 milhão em 2014. A oferta de frete aumentou, mas a demanda, bem – com a crise a partir de 2014, a demanda encolheu.
Por oferta e procura, o preço do frete despencou. Os reajustes diários dos combustíveis foram um terceiro golpe nos caminhoneiros já pressionados pela concorrência.
Há séculos, políticas públicas resultam em tiros no pé como esse. Talvez a mais antiga e conhecida consequência não-intencional seja o “efeito cobra”.
No século 19, as autoridades britânicas que governavam a Índia lançaram um programa para combater a infestação de cobras venenosas no país. Resolveram pagar para quem levasse cobras mortas aos centros de controle de pragas.
A estratégia pareceu dar certo: as cobras sumiram das cidades. Mas em seguida a infestação foi a um nível ainda maior que antes do programa. Como o governo depois viria a descobrir, os indianos passaram a criar cobras venenosas só para matá-las e vendê-las aos britânicos.
Na economia, área em que uma ação pode desencadear diversos resultados imprevisíveis, o perigo de uma boa intenção resultar em inferno é ainda maior.
Leis trabalhistas são o exemplo clássico de boas intenções que produzem um cemitério de consequências não-intencionais. Na tentativa de ajudar os pobres, exigimos que patrões paguem férias, fundo de garantia, décimo-terceiro, multa em caso de demissão sem justa causa e um salário mínimo.
Mas essas “garantias ao trabalhador” acabam aumentando o custo do trabalho. Só ganha um emprego quem é produtivo o suficiente para dar lucro ao empregador depois de tantas taxas e custos. A boa intenção acaba proibindo os pouco produtivos de trabalhar no mercado formal.
Na Europa e nos Estados Unidos, autoridades monetárias discutem um possível tiro no pé da política de juros baixos. Para incentivar gastos de cidadãos e empresas, os bancos centrais zeraram a taxa de juros nos últimos anos. A ideia é que, com um custo menor de dívida, as pessoas tomam coragem para consumir.
Mas o efeito contrário também é possível. Quem poupa para a aposentadoria conta com o rendimento do dinheiro. Se não há rendimento (o juro é zero), o dinheiro no banco não cresce: é preciso conter os gastos no presente e economizar mais para o futuro. A política de juros baixos resultaria, assim, em menos consumo.
Mais exemplos estão no combate às drogas. Quando a polícia prende traficantes, diminui a oferta de drogas. Por oferta e procura, o preço aumenta – criando oportunidades para novos traficantes entrarem no mercado e gerando necessidade de mais repressão policial. E assim o círculo vicioso do combate às drogas leva décadas sem produzir resultados.
Além disso, como os consumidores são geralmente viciados, a demanda por drogas é inelástica – muda pouco se o preço aumenta. Tendo que pagar mais, viciados praticam pequenos furtos e assaltos para conseguir manter o vício.
Como diz Henry Hazlitt em Economia numa Única Lição, “a arte da economia consiste em olhar não apenas para o imediato mas para os efeitos mais longínquos de qualquer ato ou política; consiste em traçar as consequências dessa política não para um grupo, mas para todos os grupos”.
O problema é que políticos são mestres na arte de destacar o efeito imediato de boas intenções. Vendem facilidades – e, quando a dificuldade aparece, ninguém mais se lembra quem criou o problema.