Considerado como uma entidade privada, embora seja mantido quase que totalmente com recursos da União, o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) permite a seus filiados e pensionistas, entre tantas regalias, a possibilidade de acúmulo de rendimentos que resulta no desrespeito do teto remuneratório constitucional. Aposentadorias são somadas a salários, pensões e até mesmo a outras aposentadorias, o que resulta em vencimentos acima de R$ 60 mil. Não há ilegalidade nesses pagamentos.
O ex-presidente José Sarney tem três aposentadorias, num total de R$ 73,7 mil. O ex-deputado e ex-senador Antônio Carlos Kondes Reis (SC), que transitou por Arena e PDS até chegar ao PFL, recebe R$ 33,7 mil do IPC – justamente o teto constitucional. Mas ele conta ainda com a pensão de R$ 30,4 mil por ter sido governador de Santa Catarina durante a ditadura militar.
Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) também estão entre os mais bem remunerados. O vice-presidente do tribunal, ministro José Múcio Monteiro, recebe R$ 26,1 mil do IPC por conta de mandato como deputado federal. Com subsídio de R$ 32 mil no tribunal, recebeu R$ 42 mil brutos em março. A sua assessoria afirma que foi aplicado o abate teto, mas apenas sobre o seu salário. A aposentadoria foi mantida intacta.
O ex-deputado e ministro aposentado do TCU Humberto Souto, ex-líder do governo Collor na Câmara, ganha R$ 27,8 mil do IPC. Em março, contou com mais R$ 37,2 mil brutos da aposentadoria pelo tribunal. O abate teto atingiu apenas o segundo benefício. Ele agora é prefeito de Montes Claros, mas a sua assessoria afirma que ele “abriu mão” do salário.
Público privado
Desde 1993 o TCU entende que o IPC é um instituto de previdência privada porque os parlamentares contribuíam com recursos próprios e o dinheiro era investido. Mas o fato é que o instituto estava quebrado quando foi extinto em 1999 – não tinha dinheiro para cumprir seus compromissos, que passaram a ser bancados pela União. Em 2013, o tribunal decidiu que os benefícios oriundos do IPC estavam excluídos da incidência do teto remuneratório constitucional.
O principal argumento usado no julgamento foi uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que exclui do teto “benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas”. Assim, as aposentadorias do instituto podem ser acumuladas com pensões de ex-governadores, salários de ministros e até aposentadorias de servidores da Câmara ou do Senado.
O deputado Esperidião Amin (PP-SC) conta hoje com uma pensão como ex-governador de Santa Catarina no valor de R$ 30,4 mil. Aposentado pelo IPC, teria direito a mais uma aposentadoria de R$ 17,3 mil. Não recebe porque está no exercício do mandato. Quando retornar à aposentadoria, receberá R$ 19,3 mil pelo instituto mais a pensão de ex-governador, num total de R$ 49,7 mil. Ele afirmou à Gazeta do Povo que apresentou emenda à reforma da Previdência para implantar o “teto efetivo”, válido para políticos, parlamentares, juízes, promotores, enfim, todos os agentes públicos.
“A minha emenda é para que a soma do que sai dos cofres públicos, a qualquer título, não ultrapasse o teto constitucional. O teto existe. Quando eu digo efetivo, é para efetivar”, explica. Lembrado de que tem direito a um a pensão como ex-governador, afirmou: “Eu nunca votei a favor dessa pensão, mas sei que, historicamente, ela tem uma razão presidencialista. Ela está na constituição do meu estado e do Brasil. Não me cabe defendê-la. Eu cobro é que haja o teto efetivo da soma do que o cara ganha”.
Mas ele afirma que não pretende se aposentar: “Não fiz as contas porque não pretendo me aposentar. Na verdade, eu tenho vergonha até de pegar a fila dos idosos. Como eu não tenho cabelo branco [ele é completamente careca], não tenho como comprovar a idade. Cada vez que entro da fila é uma vergonha”, diz ele, em tom de brincadeira.
Governadores
O maior número de casos de estouro do teto remuneratório acontece por conta das pensões pagas a ex-governadores ou seus dependentes no caso de morte – em torno de R$ 30 mil na maioria dos estados. Entre os beneficiários estão os ex-governadores José Sarney (MA), Pedro Simon (RS), Alceu Collares (RS) e Jorge Bornhausen (SC), que têm pensão de R$ 30,4 mil.
Como Sarney recebe mais R$ 29 mil pelo IPC e R$ 14,2 mil como servidor aposentado do Tribunal de Justiça do Maranhão, tem tenda total de R$ 73,7 mil. Decisão tomada pela juíza federal Cristiane Pederzolli, de Brasília, no início de abril, determina que o ex-presidente devolva aos cofres públicos o dinheiro que recebeu acima do teto constitucional nos últimos cinco anos. Sarney recorreu da decisão.
Simon tem aposentadoria pelo IPC no valor de R$ 17,5 mil. Ele suspendeu a pensão como governador enquanto estava no Senado e tinha salário de R$ 33,7 mil. Mas voltou a receber o benefício quando ficou apenas com a verba do IPC. Bornhausen tem aposentadoria de R$ 13,1 mil pelo IPC.
Roberto Requião (PR), Edison Lobão (MA) e Esperidião Amin (SC) estão com a aposentadoria do IPC suspensa porque foram reeleitos. Mas elas retornarão ainda mais gordas quando eles concluírem o mandato. Por enquanto, eles somam ao seu salário a pensão de ex-governador.
Algumas viúvas de ex-governadores chegam a ter duas e até três pensões. Arlete Richa, viúva de José Richa e mãe do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), recebe R$ 13,3 mil do IPC pelos mandatos do senador e mais R$ 30,4 mil do governo do Paraná. Viúva de Leonel Brizola, Guilhermina Pinheiro conta com R$ 12,8 mil do instituto de previdência, mais R$ 21,8 mil da pensão paga pelo governo do Rio de Janeiro e R$ 30,4 mil do governo gaúcho – um total de R$ 65 mil.
A decisão do TCU tornou possível mais um tipo de acúmulo: aposentadoria de servidor da Câmara com aposentadoria de parlamentar. A ex-deputada Lúcia Braga (PMDB-PB) exerceu três mandatos na Câmara, de 1987 a 2007. Antes disso, em abril de 1979, começou a trabalhar como servidora da Câmara. Três anos mais tarde, retornou à Paraíba para assumir a Fundação Social do Trabalho, criada pelo governador e seu marido, Wilson Braga. O trabalho social impulsionou o início da sua carreira parlamentar. Licenciou-se da Câmara em 1986 para se candidatar a deputada.
Em 1995, aposentou-se pelo IPC, mas voltou ao mandato em 2003. Hoje, recebe aposentadoria de R$ 12,6 mil do instituto. Mas aposentou-se também como servidora da Câmara, recebendo benefício de R$ 31,2 mil, mais R$7,4 mil pelo exercício de um cargo de confiança (CNE-7) e R$ 8,8 mil de vantagens pessoais. Com a aplicação do redutor constitucional, recebe líquido R$ 23,7 mil.
A Câmara explica o malabarismo funcional feito pela servidora para conseguir a aposentadoria. Lúcia Braga averbou 17 anos de trabalho na área pública antes de ingressar na Câmara. Com mais “13 anos de trabalho na instituição, cumpriu a exigência de 30 anos de serviço”. A assessoria acrescenta que a aposentadoria da servidora foi concedida com base no que determinava, na época, a redação original do art. 40 da Constituição Federal.
O deputado Freitas Diniz (MDB-MA) exerceu três mandatos de 1967 a 1983, quando se aposentou pelo IPC, com benefício de R$ 13 mil. Mais tarde, aposentou-se como servidor da Câmara. Tem hoje remuneração fixa de R$ 28,6 mil, mais R$ 9,2 mil de vantagens pessoais e R$ 7,4 mil por um cargo de confiança (CNE-7). Com a aplicação do redutor constitucional, recebe R$ 23,6 mil líquidos.
A Câmara afirma que o caso de Freitas enquadra-se no Acórdão 3.632/2013, do TCU, que decidiu que os benefícios do extinto IPC estão excluídos do cálculo do teto salarial.
Sarney
Advogado responsável pelo caso do presidente José Sarney, Eduardo Espínola Araújo, afirma que, em recente decisão (RE’s n. 602.043/MS e n. 612975/MS), o Supremo Tribunal Federal julgou que o teto constitucional não incide “nos casos autorizados, constitucionalmente, de acumulação de cargos, empregos e funções”, ao entendimento de que devem ser considerados cada um dos vínculos formalizados. “Esperamos que, no julgamento do recurso de apelação interposto, seja aplicado o mesmo entendimento ao caso do Presidente José Sarney”, disse Araújo.