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Desocupação da faixa pública do lago de Brasília poupa residências oficiais

O projeto Orla Livre, do Governo do Distrito Federal (GDF), derrubou muros, cercas e benfeitorias em áreas públicas na faixa de 30 metros às margens do Lago Paranoá, nos bairros Lago Sul e Lago Norte – áreas nobres de Brasília –, conforme determinação judicial. Mas estranhamente deixou intactas residências oficiais da Câmara, Senado, Marinha e representações diplomáticas da China, Países Baixos e Alemanha, localizadas na Península dos Ministros – símbolo de poder e privacidade na capital federal. A área pública ocupada pela Câmara em frente ao lago, por exemplo, tem 3 mil metros quadrados.

O caso mais grave ocorre na residência da embaixada da China, na QL-12, conjunto zero. O GDF passou o trator nas cercas, churrasqueiras e demais construções às margens do lago nas quatro primeiras casas da quadra. Mas parou no muro da embaixada, que avança sete metros lago adentro (foto acima). Segundo registros do governo local, a representação diplomática conta com propriedade registrada de 1,3 mil metros quadrados naquela área (área marcada em azul na foto abaixo) – distante 55 metros do lago.

Mas a China também ocupa irregularmente uma área pública contígua, num total de 14,7 mil metros quadrados (área marcada em vermelho) – o equivalente a dois campos de futebol. A parte que margeia o Paranoá tem 200 metros de extensão. Há no local um campo de futebol society de 30 por 50 metros. O governo local afirma que não há qualquer autorização para a ocupação dessa área – localizada próxima ao Pontão do Lago Sul, o maior centro de lazer da capital.

No Lago Sul ou em qualquer cidade satélite de Brasília, os moradores de qualquer área nas mesmas condições teriam sido desalojados por tratores e escavadeiras. Questionado por que o GDF não desalojou a embaixada, o secretário adjunto da Casa Civil, Fábio Pereira, respondeu: “A gente não pode criar uma crise diplomática”. Procurada, a embaixada da China não se manifestou.

Pier

A Marinha conta com duas residências oficiais próximas na Península dos Ministros. No conjunto 16 está a casa do comandante do 7º Comando Naval. O terreno da residência, protegido por cerca elétrica, encosta nas margens do lago, não permitindo a passagem de pedestres (veja vídeo abaixo). Segundo levantamento feito pela Gazeta do Povo, a partir de dados do GeoPortal do GDF, a casa ocupa uma área pública de 760 metros quadrados nos fundos do terreno registrado.

No conjunto 14, há outra residência oficial da Marinha, igualmente com terreno fechado por cerca que vai até a margem do lago. Uma faixa de um metro de largura, em média, permite a passagem de uma pessoa por vez. Um portão dá acesso dos moradores da casa até o pequeno cais de madeira, que avança na água por cerca de 20 metros (foto abaixo). Pelos registros do GDF, a área pública ocupada nos fundos do terreno registrado é de 875 metros quadrados. A distância média do terreno escriturado até o lago é de 15 metros.

Um militar que vistoriava o serviço de manutenção da casa na semana passada afirmou que a cerca não será deslocada para trás. “Aqui é propriedade da Marinha. Se quiserem, que façam um píer sobre a água para a passagem de pedestres”, afirmou.

A Marinha afirma que o recuo das cercas dos lotes pertencentes às embaixadas e às instituições federais “foi discutido plenamente no âmbito da Câmara de Conciliação, entre todas as partes envolvidas, objetivando estabelecer uma decisão de forma a atender os interesses de ambos os entes federativos envolvidos. A conciliação foi instalada em 2015 e se encontra em negociação”.

Fábio Pereira afirma já foi feito um acordo e a solução encontrada será exatamente essa: a construção de um píer de madeira em frente a cada uma das casas, permitindo assim o livre trânsito em todo o Parque Ecológico Península Sul. O custo da obra, já licitada, ficou em R$ 1 milhão. As áreas públicas invadidas em frente aos dois terrenos da Marinha são utilizadas pelo parque.

O secretário adjunto disse que a Marinha alegou normas de segurança para manter as residências no local onde estão. “Eles precisam de uma certa distância por questões de segurança. Você sabe, nós estamos preparados para a paz, eles estão preparados para a guerra. Pensam em garantir a segurança da própria família”.

Câmara

Nos fundos das residências oficiais da Câmara e do Senado, a faixa livre entre o muro e o lago é de aproximadamente 15 metros. A ciclovia já passa por ali (foto abaixo). O secretário adjunto da Casa Civil relatou que as duas instituições também alegaram questões de segurança para manter a área reservada.

A reportagem procurou a Câmara e perguntou por que é importante manter a área hoje ocupada. A Câmara respondeu que, no início da discussão sobre o projeto, foi feito um estudo técnico conjunto entre Câmara e Senado e produzido um laudo técnico que definiu a área de 30 metros como área de segurança, inclusive em analogia com o Palácio da Alvorada.

O Senado afirmou em nota que a manutenção da área hoje ocupada pela residência oficial do presidente da Casa, às margens do Lago Paranoá, “se dá estritamente por razões de segurança, tendo em vista que há a probabilidade de intrusão do local por pessoas estranhas, caso a área seja liberada. Isso ocorre para preservação da integridade física e moral do chefe do Poder Legislativo brasileiro, assim como ocorre com o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República”.

Pelos dados do GeoPortal do GDF, o terreno registrado da Câmara fica distante 46 metros da cerca de proteção e 70 metros do lago. A área pública ocupada em frente ao Paranoá é de 3 mil metros quadrados. Metade da piscina está em área pública. No caso do Senado, a distância do terreno registrado até a cerca é de 30 metros e até o lago, de 50 metros.

A Casa Civil do GDF considera que o paço livre hoje existente entre o lago e as cercas das duas residências é suficiente para o trânsito de pedestres.

Países Baixos

No caso da residência da embaixada do Reino dos Países Baixos (foto abaixo), o GDF também considera satisfatório o acordo fechado: a casa ficará exatamente onde está, distante poucos metros do lago. Mas foi possível construir uma ciclovia no local. No canto da residência, o espaço para passagem do público tem apenas quatro metros de largura.

O governo local poderia desapropriar parte da residência, deixando uma área maior na beira do lado, mas seriam sacrificadas a piscina e a churrasqueira. A Casa Civil descarta desapropriações.

Em nota enviada à Gazeta do Povo, a embaixada afirma que, após ser informada pelo GDF sobre a iniciativa de liberar o acesso ao lago, “ofereceu sua plena cooperação” e chegou a um acordo com o governo local, o Ibama e a Advocacia Geral da União (AGU) sobre uma nova marcação. “A embaixada colocou uma cerca para garantir a segurança dos moradores e está satisfeita com a nova situação. Agora todos têm acesso para passear, correr e andar de bicicleta no terreno que foi devolvido”.

Com a implantação da cerca, a residência ocupa uma área pública de 250 metros quadrados de frente para o lago.

A embaixada da Alemanha conta com um terreno no mesmo conjunto, com área de 3,2 mil metros quadrados, sem área construída. Um dos cantos do terreno chega ao Paranoá. Como há uma área pública contígua livre ao lado, a embaixada propôs que o seu lote escriturado fosse afastado alguns metros para dentro, deixando a orla livre. Acordo fechado.

Acordo sigiloso

Quando iniciou a implantação do projeto Orla Livre, atendendo a uma decisão judicial, no segundo semestre de 2015, o GDF constatou a existências das residências oficiais da União e de representações diplomáticas na Península dos Ministros, todas elas coladas ou muito próximas ao lago. As instituições federais e países envolvidos decidiram, então, buscar uma solução negociada com o governo local na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal, coordenada pela AGU.

Ficou decidido que o GDF não adotaria “qualquer ato material de execução dos termos do acordo parcial”, nas residências oficiais e de embaixadas enquanto o tema estivesse submetido à Câmara de Conciliação. Nesse período, nenhuma das entidades envolvidas ingressaria em juízo. Ficou estabelecido o prazo de 10 dias para o início dos trabalhos e 30 dias, prorrogáveis pelo mesmo período, para a sua conclusão. O termo de acordo extrajudicial foi assinado em 21 de agosto de 2015. Até hoje os trabalhos não foram concluídos. A AGU não se manifestou porque alega que o caso está sob sigilo. A Gazeta teve acesso ao termo de acordo extrajudicial.

Projeto Orla

A decisão judicial que determina a desocupação de áreas públicas às margens do Lago Paranoá atinge uma extensão de 38 quilômetros. O projeto Orla Livre já realizou obras de urbanização em cinco quilômetros. Até o final do ano, serão entregues mais 14 quilômetros, a um custo de R$ 3 milhões.

Fábio Pereira informa que a desocupação só ocorre em área pública. “Como o governo não pretende fazer qualquer desapropriação, as áreas pertencentes a unidades imobiliárias registradas em cartório não podem ser objeto de remoção”, diz nota da Casa Civil.

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