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“La dolce vita” dos militares brasileiros que ganham R$ 60 mil por mês no exterior

Vanderlei Almeida/AFP (Foto: )

Em tempos de recessão, com suspensão de reajustes e redução de salários para novos servidores, adidos militares brasileiros vivem la dolce vita no exterior. Os oficiais mais graduados recebem em torno de R$ 60 mil por mês, com pagamento em dólar, incluindo indenização de representação no exterior, auxílio-moradia, ajuda de custo para mudança, passagens aéreas, auxílio-familiar e diárias. Em alguns meses, quando se acumulam indenizações, o pagamento líquido supera os R$ 100 mil. O gasto anual com cerca de 2 mil militares em missão no exterior supera os R$ 600 milhões, incluindo missões de paz.

O pagamento mensal aos coronéis que ocupam a função de adido militar corresponde a duas vezes a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que é de R$ 33,7 mil. Para ficar num exemplo interno, representa três vezes o que recebe um militar com a mesma patente no Brasil – cerca de R$ 18 mil. Um subtenente, com renda em torno de R$ 7 mil no Brasil, chega a receber R$ 30 mil no exterior.

O coronel da Aeronáutica Sérgio Barros de Oliveira, adido na Índia, tem remuneração básica de R$ 34 mil. Sofre um abate-teto de pequeno valor. De janeiro a março, recebeu indenizações em torno de US$ 12,8 mil, ou cerca de R$ 40 mil, o que elevou os seus pagamentos para R$ 74 mil bruto ou R$ 66 mil líquido. Isso ocorre porque as indenizações não entram no cálculo do teto remuneratório.

Em abril, as indenizações somaram US$ 35,5 mil, ou R$ 112 mil. O pagamento bruto foi de R$ 146 mil. Em maio, as indenizações caíram para US$ 5,4 mil, mas o coronel também recebeu US$ 8,1 mil de gratificação natalina e mais US$ 10,2 mil de “outras remunerações eventuais”. A renda bruta caiu para R$ 109 mil, ou R$ 96 mil líquido. Questionada pela reportagem, a Aeronáutica não detalhou as indenizações nem as remunerações eventuais pagas a Oliveira.

Condições peculiares

A remuneração básica é a soma do soldo para o exterior, que varia entre os países, com a gratificação por tempo de serviço. Só essa parte já fica próxima ao teto remuneratório. A indenização de representação no exterior (Irex) é uma parcela fixa, também variável por país, mas é considerada como “indenização” e não como renda, não sendo contabilizada para o teto.

A aplicação do limite remuneratório à remuneração paga aos militares em missão no exterior é regulamentada internamente pelos militares. A Portaria Normativa 2.799/2013 do Ministério da Defesa diz que serão excluídas do cálculo do abate-teto “as parcelas de caráter indenizatório pagas aos militares e servidores”.

A Irex é destinada a “compensar as despesas inerentes à missão de forma compatível com suas responsabilidades e encargos”, como diz a lei que regulamenta as remunerações no exterior. No seu cálculo, são consideradas questões como a importância da missão, o custo de vida e as “condições peculiares” do país.

O orçamento do Exército, Marinha e Aeronáutica destinam R$ 160 milhões para cobrir os gastos com a indenização de representação no exterior neste ano. Pelo que foi executado até o dia 11 de agosto, entretanto, as despesas devem fechar em R$ 114 milhões

La Dolce Vita

O coronel do Exército Hamilton Camillo (foto acima), adido na Itália, trabalha na embaixada brasileira em Roma, na Piazza Navona, distante cerca de mil metros da Fontana di Trevi – cenário natural do clássico de Federico Fellini “La Dolce Vita”, que mostra uma Roma bela e sofisticada. O próprio coronel já postou nas redes sociais uma foto em frente à tradicional fonte. No seu roteiro turístico/cultural, já passou por Pompeia, Montepulciano, na região da Toscana, e Dubai.

Camillo tem remuneração básica de R$ 33 mil, mais indenizações de U$ 8,8 mil, ou R$ 27,8 mil. Seus pagamentos somam R$ 61 mil bruto e R$ 56 mil líquido. A reportagem fez contato com o coronel na embaixada de Roma, via e-mail. Ele aceitou responder perguntas. Questionado sobre o valor de um aluguel em Roma e se os gastos no exterior justificam as quantias pagas aos adidos, encaminhou o assunto para a assessoria de imprensa do Exército.

O tenente coronel da Aeronáutica Paulo César Victor, adido na Rússia, tem remuneração básica de R$ 35 mil, sofrendo um abate-teto de R$ 4,2 mil, mas conta ainda com indenizações regulares de US$ 5,7 mil, ou R$ 18,2 mil. O pagamento bruto  fica em R$ 53,4 mil. Em abril, recebeu indenizações de US$ 25 mil, elevando seus pagamentos para a R$ 114 mil. Em janeiro, com indenizações de US$ 22,7 mil, os pagamentos ficaram em R$ 106 mil. A Aeronáutica não especificou suas indenizações.

O suboficial da Aeronáutica Lars Fjãllgren de Sá, auxiliar adido na Itália, tem remuneração básica regular de R$ 19,1 mil e indenização de US$ 3,5 mil. Em maio, recebeu indenizações de US$ 14,5 mil, elevando o total dos seus pagamentos para R$ 65 mil brutos ou R$ 63 mil líquido.

Embaixada do Brasil em Roma.

Já o coronel do Exército Thiers Lobo Ribeiro, lotado na China, recebeu US$ 10,5 mil de remuneração básica e US$ 11,4 mil de indenizações em abril. Recebeu um total bruto de R$ 69 mil  naquele mês. Em maio, com acréscimo do pagamento de US$ 5,6 mil de férias, o seu pagamento bruto chegou a R$ 87 mil.

Auxílios

O auxílio-moradia no exterior é pago para o custeio de aluguel de residência. É concedido na forma de ressarcimento por despesa comprovada pelo servidor. O orçamento das três armas das Forças Armadas prevê um gasto de R$ 141 milhões com moradia neste ano, mas a execução até o início de agosto aponta para uma despesa de R$ 82 milhões.

O auxílio-familiar cobre despesas de educação e assistência dos dependentes do militar no exterior. É calculado com base na indenização de representação no exterior, na razão de 10% para a “esposa”, e 5% para cada um dos seguintes dependentes: filho menor, filha solteira, mãe viúva, enteado, adotivo, tutelado, curatelado e companheira estável, desde que solteira, desquitada ou viúva.

A ajuda de custo de exterior é a indenização paga adiantadamente ao servidor para custeio das despesas de viagem, de mudança e da nova instalação. O benefício tem o valor de duas vezes a retribuição básica e duas vezes o auxílio-familiar, acrescido de uma indenização de representação no exterior.

Os militares recebem também diárias para custeio das despesas de alimentação, pousada e outras decorrentes do afastamento de sua sede, por motivo de serviço no exterior.

O auxílio-funeral é destinado às despesas com o funeral do servidor em serviço no exterior, em missão permanente ou transitória. Corresponde ao valor da retribuição mensal que o militar recebia normalmente no exterior.

Abate-teto

A Aeronáutica afirmou à reportagem que a remuneração dos militares da instituição no exterior “segue a legislação aplicada a toda a administração pública federal, obedecendo aos limites estabelecidos pelo teto regulatório. A Lei nº 5.809, de 10 de outubro de 1972, citada no Portal da Transparência, e suas alterações dispõem sobre a retribuição e direitos de pessoal civil e militar em serviço da União no exterior”.

“Para fins de cálculo do limite remuneratório, somam-se apenas o soldo com a gratificação de tempo de serviço, sendo automaticamente abatido o montante que ficou acima do teto estabelecido pelo artigo 37, inciso XI, da Constituição, por meio da aplicação do “abate-teto”, diz a nota.

A Marinha disse que “a retribuição auferida no exterior é passível de verificação do teto constitucional, conforme disposto no inciso XI, do art. 37, da Constituição Federal de 1988.
Para sua aplicação, as parcelas percebidas a título de indenização são excluídas do cálculo. A taxa de câmbio utilizada para a verificação do limite remuneratório em questão é divulgada anualmente pelo Ministério das Relações Exteriores”.

O Centro de Comunicação Social do Exército informou que o pagamento dos militares no exterior é constituído de retribuição básica, gratificação de tempo de serviço e indenização de representação. “As indenizações estão fora do cálculo do limite remuneratório, de acordo com o Parágrafo 1º do Art 1º da Portaria Normativa Nr 2.799, de 4 de outubro de 2013, do Ministério da Defesa”.

Missões

O Exército informou que mantém 1.265 militares cumprindo missões em 58 países. Desse total, estão incluídos 768 militares da Missão de Paz no Haiti. Com esse efetivo, o Exército desembolsa mensalmente, US$ 7,33 milhões, com uma média de US$ 5,9 mil por militar – R$ 18,7 mil.

No exterior, o Exército desempenha missões nas representações diplomáticas, organizações militares de ensino ou instrução e organismos internacionais; realização de cursos, estágios, seminários e visitas; treinamentos em conjunto com tropas estrangeiras; participações em missões de paz e humanitárias; compra e venda de produtos de defesa.

O Comando da Aeronáutica dispõe de 227 militares em serviço em 30 países, envolvendo missões técnicas, operacionais, de ensino, de representação e de intercâmbio. O valor médio da remuneração paga mensalmente a cada militar é de US$ 8,47 mil, ou R$ 26,8 mil.

Entre as missões estão as adidâncias militares nas embaixadas brasileiras, representações em organismos internacionais, missões técnicas aeronáuticas, as Comissões Brasileiras em Washington e na Europa, responsáveis por aquisição de produtos e serviços no exterior. O número também inclui os 37 militares que atuam em missões da Organização das Nações Unidas (ONU) – como é o caso do Haiti, Sudão, Sudão do Sul, Saara Ocidental.

A Marinha informou que possui 859 militares em 40 países a um custo mensal de US$ 5,47 milhões. Entre as missões de paz, destacou missão de paz ou a serviço da ONU, cursos de intercâmbios, atuação como adidos, segurança das embaixadas e guarnição da Estação Antártica Comandante Ferraz.

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