Documentos obtidos pela Gazeta do Povo mostram como funcionava a permuta entre titulares de cartórios, que agora poderá ser legalizada por projeto de lei aprovado pelo Congresso nesta semana. O PL 80/2015 legaliza a situação de cartorários que foram removidos sem concurso de 1988 a 1994, entre a promulgação da Constituição Federal e o início da vigência da Lei dos Cartórios.
Após serem aprovados em concurso público para cartórios de pequeno porte, que não despertavam interesse por serem pouco lucrativos, os novos titulares faziam permuta com titulares de serventias de cidades maiores, com faturamento bem superior. Muitas vezes, a troca era feita em família, entre pais e filhos. Com idade já avançada, o pai repassava para o herdeiro o cartório que era mais rentável.
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Assim aconteceu com Renato Pospissil. Em 12 de setembro de 1988, após aprovação em concurso, ele foi nomeado pelo governador para o cargo de escrivão distrital de Alto Amparo, comarca de Tibagi, no Paraná, conforme demonstra o documento abaixo.
Apenas duas semanas mais tarde, em 26 de setembro, ele e o pai, Elbe Pospissil, titular do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição de Curitiba, na capital do estado, solicitaram ao presidente do presidente do Tribunal de Justiça do Paraná a permuta dos cargos que exerciam.
Veja logo abaixo:
Em 24 de janeiro de 2010, o cartório foi declarado vago pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “em decorrência de remoção irregular” por permuta. A titularidade da serventia resultou em disputa judicial, até que, em 27 de janeiro deste ano (2017), o cargo foi assumido por novo titular aprovado em concurso público.
Faturamento milionário
O cartório em disputa teve arrecadação bruta de R$ 3,9 milhões no ano passado. No primeiro semestre deste ano, já faturou R$ 1,5 milhão. A renda média do titular da serventia no país fica em 10% da arrecadação total. Além dos impostos, há despesas de custeio e com o salário de funcionários.
Mas o novo titular corre o risco de perder o cargo se o projeto de lei aprovado na Câmara e no Senado for sancionado pelo presidente Michel Temer. Pelas normas atuais, a remoção exige a realização de concurso público. Mas o PL 80 tem efeito retroativo porque preserva todas as remoções (troca de serventias) reguladas por leis estaduais e homologadas pelos Tribunais de Justiça.
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O projeto, de autoria do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), tem eficácia inclusive para aqueles que, concursados e removidos até a edição da Lei dos Cartórios, de 1994, nos termos da legislação estadual, foram ou forem destituídos da função até a aprovação da nova lei. Isso resultará na exclusão de aprovados em concurso que assumiram cartórios nos últimos anos. Em Curitiba, pelo menos 20 cartórios foram assumidos por concursados recentemente.
Há polêmica quanto ao afastamento dos concursados porque o projeto de lei aprovado pelo Senado na última terça-feira (19) não cita expressamente os casos de permuta, restringindo-se às remoções. Mas titulares de outros cartórios aprovados em concurso entendem que há o risco de legalização das permutas.
A Associação dos Titulares de Cartórios afirmou, em nota à Gazeta do Povo, que “o projeto visa, na verdade, efetivar pessoas que ganharam cartórios de pais, parentes ou por apadrinhamento político e que ainda pretende retirar da função centenas de pessoas que legitimamente foram aprovadas em concurso nos últimos anos”.
A reportagem ligou para o telefone celular de Renato Pospissil e deixou mensagem sobre o conteúdo da apuração, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto.