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Cartórios vagos: um grande negócio que fatura R$ 2 bilhões por ano

Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas (Foto: )

Disputados por concurseiros e interinos, os 4,7 mil cartórios declarados vagos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faturaram R$ 2 bilhões no ano passado. Cada um dos cinco mais rentáveis arrecadou mais de R$ 20 milhões em 2016.

Entenda-se por “vago” a serventia que aguarda a realização de concurso público para preenchimento da titularidade; enquanto isso não ocorre, o cartório segue funcionando com a presença de um cartorário designado. O total faturado pelas serventias vagas representa 14% da arrecadação total dos 12,3 mil cartórios do país – R$ 14 bilhões por ano.

A maioria dos cartórios declarados vagos pelo CNJ a partir de 2010 está em Minas Gerais. São mais de mil. Mas a maior arrecadação vem das 217 serventias vagas no Rio Grande do Sul, um total de R$ 318 milhões por ano. São Paulo tem o maior número de cartórios no país (1.234), mas os vagos são apenas 157, com renda anual de R$ 289 milhões.

Quem mais arrecada vem do 5º Ofício de Registro de Imóveis do Rio de Janeiro, serventia declarada vaga em março de 2013. Foram R$ 28,5 milhões no ano passado (veja lista dos dez maiores cartórios vagos abaixo). Cerca de 8% das serventias vagas no país (385) faturam mais do que R$ 500 mil por ano. Mas o cartório tem despesas com impostos, custeio e salários dos servidores.

Os dados disponíveis no CNJ mostram que a renda dos interinos dos cartórios vagos ficaria em cerca de 10% da arrecadação total. Desde 9 de julho de 2010, no entanto, em decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ficou estabelecido que “nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado dentre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a 90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, em respeito ao artigo 37, XI, da Constituição Federal”.

Atingido o teto remuneratório, o responsável designado pelo respectivo Tribunal de Justiça do Estado para administrar uma serventia até seu provimento por concurso público (que também cabe ao Tribunal de Justiça realizar), deverá passar o excedente de arrecadação para o Tribunal de Justiça do Estado, que fica responsável por administrar tal recurso.

“Deixar pessoas ao desamparo”

A PEC dos Cartórios foi aprovada pela Câmara dos Deputados em primeiro turno em agosto de 2015. Está pronta para votação em segundo turno no plenário. Se for aprovada, passará ainda pelo Senado. O autor da PEC, deputado João Campos (PRB-GO), reconhece que a Constituição exige a aprovação em concurso público para ingresso no cargo, mas destaca que a regulamentação da matéria só ocorreu em novembro de 1994, remetendo para as legislações estaduais as normas dos concursos.

Até a realização dos concursos, os responsáveis pelas serventias permaneceriam no cargo, situação que se estendeu por até 20 anos em alguns casos. “Neste período, várias situações que deveriam ser temporárias se consolidaram no aspecto administrativo, sem que tenham amparo legal definitivo. Por isso, não é justo, no caso de vacância, deixar essas pessoas experimentadas, que estão há anos na qualidade de responsáveis pelas serventias,  ao desamparo”, argumentou Campos.

A PEC dos Cartórios já recebeu manifestações contrárias da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de associações de magistrados, além de associações de aprovados em concursos públicos. Os concurseiros afirmam que a emenda constitucional irá consolidar casos de responsáveis de cartórios que receberam o cargo de familiares, muitas vezes do próprio pai, como mostrou reportagem da Gazeta do Povo.

De pai para filho

No dia 19, o Senado Federal aprovou projeto da Câmara dos Deputados que legaliza a situação de titulares removidos sem concurso de 1988 a 1994 – período entre a promulgação da Constituição e a Lei dos Cartórios. O projeto preserva todas as remoções reguladas por leis estaduais homologadas pelos Tribunais de Justiça.

O texto aprovado resultou no projeto de lei 727/2015, de autoria do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Na justificativa do projeto, o deputado cita como exemplo os casos ocorridos no Paraná. “Na época (antes de 1994), havia uma lei que previa a remoção entre concursados de uma para outra serventia. O que a Constituição Federal dispõe é que deverá haver ingresso por concurso e, se ficar vaga a serventia, prevê concurso para o ingresso ou remoção. Ocorre que as serventias dos concursados, atingidos pelo PL, não ficaram vagas. Enquanto na titularidade obtida por concurso, eles se removeram por permuta”.

Serraglio argumentou que “a permuta entre concursados não é estranha à Constituição Federal. Veja-se que professores concursados, militares, juízes que precisem se remover de um para outro local de trabalho, podem permutar com outro concursado de sua categoria. Respeita-se, para a permuta de serventia, a mesma função e dentro do mesmo estado”, conclui o deputado.

Para a Associação dos Titulares de Cartórios do Paraná, trata-se de um “trem da alegria”. “O projeto perpetua relações espúrias, apadrinhamento e a hereditariedade nos cartórios em confronto com a Constituição. Se não bastasse, o art. 3o. do referido projeto confere eficácia retroativa, para alcançar inclusive aqueles que já perderam seus cartórios e foram substituídos por novos concursados, gerando insegurança jurídica e grave injustiça”, diz nota da entidade.



Nota da Anoreg

A Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg-PR) também se manifestou, em nota, sobre o projeto. Veja a íntegra do texto:

“Sobre o Projeto de Lei nº 80/2015 aprovado pelo Senado Federal, nesta terça-feira (19), que regulariza a situação dos titulares de cartórios extrajudiciais que trocaram de serventia entre os anos de 1988 e 1994 por meio de remoção, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg-PR), apoia a decisão dos senadores, visto que se aplica a casos anteriores a vigência da Lei dos Cartórios.

Diante da não existência de um ordenamento jurídico, no período referente, foram admitidas, pela legislação, casos pontuais. Por isso, não deve-se permitir que direitos já concedidos a pessoas de boa fé, por órgãos com autoridade para tal – como os tribunais de justiça – sejam desrespeitados.

Vale ressaltar que a Anoreg-PR, apesar de apoiar a decisão, é a favor da realização de concurso público para preenchimento do cargo de titular dos ofícios extrajudiciais. O processo concede transparência e oportuniza a participação de qualquer cidadão qualificado neste importante setor da economia brasileira, que contribui com a desjudicialização de procedimentos e na garantia da cidadania.”

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