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Menina dos olhos de Bolsonaro, SNI espionou jornalistas mesmo após fim da ditadura militar

Antonio More/Gazeta do Povo (Foto: )

Com o título “Esquerdas controlam matéria jornalística no Congresso Nacional”, um relatório do Serviço Nacional de Informação (SNI), datado de dezembro de 1989, revela que os militares continuavam a monitorar e investigar jornalistas quatro anos após o fim da ditadura. “Um grupo de jornalistas credenciados no Congresso Nacional, tidos como de ‘esquerda’, estariam filtrando, de acordo com suas conveniências político-ideológicas, todas as notícias que são veiculadas pela imprensa escrita e televisada, naquela Casa”, diz o documento.

Os “arapongas”, como eram conhecidos os agentes do SNI, citam como fonte da informação os próprios jornalistas: “Segundo declarações de jornalistas credenciados no Congresso Nacional , ‘as esquerdas’ contam com um fator fundamental naquela Casa Legislativa: ‘o controle das comunicações’, ou seja, toda a notícia que é veiculada através da imprensa escrita e televisada tem a interferência do grupo”. A “infiltração na área jornalística” ocorreria no Congresso e no Palácio do Planalto.

O relatório registra ainda que o jornal Correio Braziliense, “considerado um periódico de linha conservadora, também, estaria sofrendo influência do referido grupo”. Em seguida, há mais um registro: “Obter a relação de jornalistas credenciados no Congresso Nacional e Palácio do Planalto”. Nas dezenas de páginas seguintes, há centenas de nomes de jornalistas, alguns deles com tendência claramente conservadora ou mesmo de direita na época.

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Volta do SNI

O Serviço Nacional de Informações foi um dos órgãos estatais mais atuantes durante a ditadura militar. Era responsável por monitorar atividades consideradas subversivas em empresas, sindicatos, universidades e no próprio governo, reunindo informações e organizando contrainformações no Brasil e no exterior. O SNI foi criado pela Lei nº 4.341, em 13 de junho de 1964 e extinto 26 anos depois, em 1990, pelo presidente Fernando Collor de Mello. O órgão foi substituído pelo Departamento de Inteligência da Secretaria de Assuntos Estratégicos (DI/SAE) da Presidência da República.

No governo de Itamar Franco, o DI foi elevado à condição de Subsecretaria de Inteligência (SSI) e, mais tarde, em 1999, já no governo Fernando Henrique Cardoso, passou a se chamar Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

O SNI voltou a ser notícia recentemente após entrevista do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato a presidente da República, ao site BuzzFeed. Ele defendeu a volta do SNI, nos moldes do que operou durante o regime militar, para “trazer informações concretas e abastecer as autoridades competentes”.

Congresso registrado em fotos

Logo após o fim da ditadura, o SNI também espionou o 21º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em São Paulo, no final de outubro de 1986, com a participação de 300 profissionais, estudantes e observadores. Era o período pré-Constituinte e os jornalistas tinham forte influência na formação da opinião pública.

Relatório de 11 de dezembro registra que, “por ocasião do evento, foi possível registrá-lo por fotografias, através das quais são identificados alguns participantes”. O documento traz cópia de 14 fotos de dirigentes sindicais, jornalistas renomados e outros participantes do congresso. Os “arapongas” relatam que também foram obtidos cartas de encontros estaduais, realizados anteriormente, relatórios das comissões e o documento final do encontro: “Comunicação e Constituinte”.

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O relatório do SNI diz que o Congresso de Jornalistas, “realizado em um período pré-eleitoral, deixa patente o interesse dos participantes em se posicionarem diametralmente contrários a diversas iniciativas governamentais. A dimensão que se procura obter, junto à categoria, de amplitude nacional, permite dizer da existência de um plano capaz de reverter o processo de condução da opinião pública, que até agora se mostra simpática a uma série de medidas adotadas pelas autoridades”.

“Também, surge, de modo significativo, o conjunto de propostas aprovadas no sentido de pressionar os grupos dirigentes dos órgãos de comunicação, tanto em termos de questões salariais, como para evitar o direcionamento dos assuntos a serem tratados nos vários editoriais”, conclui o documento.

Contra o imperialismo mundial

A “Carta de São Paulo”, com as conclusões do encontro, foi registrada pelos militares. O documento tinha realmente uma tendência e uma linguagem de esquerda: “No plano internacional, exigimos que o Brasil se contraponha firmemente aos interesses políticos e econômicos do imperialismo mundial, sobretudo norte-americano. Reiteramos, também, o repúdio às ditaduras do Terceiro Mundo e manifestamos nossa total solidariedade aos povos do Chile e do Paraguai, que lutam contra a opressão em seus países”.

“No plano nacional, reivindicamos a completa remoção do entulho autoritário – a Lei de Segurança Nacional , a Lei de Greve, a Lei de Imprensa e demais instrumentos repressivos – e exigimos eleições diretas em todos os níveis; não pagamento da divida externa e reforma agrária sob controle dos trabalhadores”.

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A Carta destaca que “a mobilização popular na campanha das Diretas Já, que tinha por objetivo a derrubada da ditadura, foi em grande parte frustrada pelas forças reacionárias do governo e da maioria do Parlamento que, para favorecer os interesses das classes dominantes, substituíram as aspirações de transformações por uma transição conciliadora. Nesse sentido, essas forças traíram os anseios por uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana. Em seu lugar, convocaram um Congresso com poderes constituintes, que limita a participação popular, retira-lhe a soberania e fere a democracia”.

Tancredo no Colégio Eleitoral ou Diretas Já

Dois anos antes, já no final do governo militar, o SNI havia registrado em detalhes o 20º Congresso Nacional dos Jornalistas, de 16 a 20 de setembro, em Salvador, com cerca de 600 participantes. O tema mais importante do encontro não foi nenhuma questão profissional, mas sim se Tancredo Neves deveria ou não participar do Colégio Eleitoral, em janeiro do ano seguinte.

O relatório do SNI registrou que, das propostas que passaram pelas comissões, duas “mereceram maior atenção dos congressistas”: “engajamento da classe jornalística em favor de Tancredo Neves (proposta dos representantes dos sindicatos do Rio de Janeiro e de São Paulo) e Luta pelas Diretas Já, com repúdio ao Colégio Eleitoral (proposta de elementos que se declararam adeptos do Partido dos Trabalhadores-PT), propostas antagônicas, mas que haviam recebido expressiva e equilibrada aceitação”, diz o documento dos militares.

O jornalista Audálio Dantas, cita o relatório, “criticou o governo pelo comportamento durante a votação da Emenda Dante de Oliveira e, em particular, a atuação do general Newton Cruz, citando uma ‘invasão’ que a entidade teria sofrido (sem citar data), como um dos resultados da ‘pressão militar’ então desencadeada”.

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“Crise imposta pela força das armas”

Com relação ao momento político, o relatório informa que os jornalistas reafirmaram sua disposição de continuar lutando pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, “entendendo que elas são o caminho mais fácil, menos doloroso e menos traumático de se promover as transformações reclamadas pela Nação, para tirar o país da crise imposta pela força das armas em 1964”.

Disseram, também, que diante do não restabelecimento das eleições diretas, não poderiam se omitir da luta política concreta, “contribuindo, pela omissão, para a eleição do candidato oficial Paulo Maluf”. Nesse sentido, manifestaram sua disposição de “travar todas as batalhas políticas que se fizerem necessárias para derrotar o atual regime autoritário e o seu candidato; e estabelecer um Governo de transição democrática”.

Os “arapongas’ observaram que nas diversas atividades “foi notada a preocupação de evitar posições exageradamente radicais ou que pudessem descambar para discussões violentas. Notou-se, também, clara preocupação em se evitar pronunciamentos capazes de identificar iniciativas de partidos políticos ou organizações subversivas, embora elas fossem admitidas, mas de forma sub-reptícia [dissimulada]. Segundo jornalistas participantes, essas medidas foram aceitas para evitar que os estudantes baderneiros do PT fizessem suas descabidas reivindicações e que o Congresso se voltasse para a luta política entre o PT e o PMDB”.

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