Além do salário-base que vai de R$ 27,5 mil a R$ 30,5 mil, juízes e desembargadores do país contam com penduricalhos como auxílio-alimentação que chega a R$ 3 mil, pagamentos retroativos de até R$ 90 mil e auxílio-mudança de R$ 62 mil. Há ainda as indenizações por férias não gozadas. E casos de venda dos dois meses de férias no mesmo ano.
No Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS), 102 magistrados receberam um total de R$ 4 milhões em pagamentos retroativos. O maior valor foi R$ 90 mil, pago ao desembargador Claudionor Abss Duarte. A média ficou em R$ 42 mil.
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o desembargador Nicolino Francisco Del Sasso recebeu R$ 66,4 mil em retroativos. Outros dez magistrados receberam R$ 21 mil cada. No total, foram R$ 16,9 milhões pagos a 660 magistrados.
Em Minas Gerais, 822 magistrados do Tribunal de Justiça (TJ-MG) receberam um total de R$ 11,3 milhões desses pagamentos, numa média de R$ 13,7 mil por magistrado. O maior valor pago foi de R$ 25,8 mil.
Levantamento da Gazeta do Povo em 15 tribunais, a partir da base de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostra que apenas os retroativos renderam R$ 37 milhões aos magistrados em novembro – cerca de 10% da folha de pagamento. No Amazonas, o gasto ficou em R$ 1 milhão. No Espírito Santo, um pouco mais, R$ 1,6 milhão. No Acre, chegou a R$ 1,9 milhão.
Fartura nas verbas para alimentação e moradia
A juíza federal Simone Karagulian, do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), recebeu em novembro R$ 62 mil no item auxílio-moradia. Segundo informou o tribunal, na verdade, trata-se de um auxílio-mudança, por ela ter mudado de sede. Como a juíza tem mais de três dependentes, recebeu o valor de três remunerações básicas.
O auxílio-alimentação consumiu R$ 6,2 milhões nos 15 tribunais avaliados pela reportagem. O valor varia de estado para estado. Na maioria dos casos, fica em R$ 884 para cada magistrado, mas chega a R$ 1,6 mil no Amazonas, R$ 1,9 mil no Espírito Santo, R$ 2,3 mil no TRF3 e a R$ 3 mil no Amapá.
O valor do auxílio-moradia também varia. Parte de R$ 4,3 mil na maioria dos estados, mas chega a R$ 6 mil no TJ-MS e R$ 7,4 mil no TRF3. A grande vantagem é que os magistrados têm direito ao benefício mesmo tendo imóvel de sua propriedade na vara onde está lotado. Quando asseguraram o direito a essa “indenização”, receberam ainda vultosos pagamentos retroativos.
Indenizações de férias. E duas férias por ano
Os juízes, desembargadores e ministros de cortes superiores contam com mais uma regalia: dois meses de férias ao ano – direito também concedido aos procuradores. Como nem sempre conseguem usufruir desse descanso por motivo de serviço, muitos deles são indenizados pelas férias não gozadas.
As indenizações de férias custaram R$ 8,3 milhões aos cofres públicos nos 15 tribunais em novembro. No TJ-MG, 225 magistrados receberam um total de R$ 3,2 milhões, numa média de R$ 14,2 mil por magistrado. Em São Paulo, 262 magistrados do Tribunal de Justiça receberam um total de R$ 4,3 milhões em indenizações de férias em novembro, numa média de R$ 16 mil.
Em alguns casos, os magistrados recebem indenização de até 60 dias por ano, algumas vezes por até três anos seguidos. Como também é pago o adicional de um terço do salário, a indenização pelos 60 dias fica em R$ 80 mil. Por se tratar de indenização, o magistrado não paga Imposto de Renda nem contribuição previdenciária sobre esse valor, que também não conta para o cálculo do teto constitucional.
Levantamento feito em julho deste ano pela Gazeta do Povo no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) revelou que foram indenizados 492 períodos de férias de 141 magistrados – quase um quarto dos quadros daquela região – entre 2009 e 2015. Considerando o salário atual, essa despesa ficaria em R$ 16,8 milhões.
Exercício cumulativo de cargos rende mais dinheiro
O exercício cumulativo de jurisdição também rende um extra para os magistrados. No Tribunal Regional do Trabalho da 5.ª Região (TRT5), na Bahia, 54 magistrados receberam um total de R$ 414 mil de gratificação por exercício cumulativo em novembro deste ano, com valores que chegam a R$ 10 mil, R$ 16 mil.
No Superior Tribunal Militar também há acúmulo. Em novembro, 38 integrantes receberam um total de R$ 179 mil dessa gratificação, alguns no valor de R$ 12 mil.
O TRT5, em nota enviada à reportagem, afirmou que a Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição (GECJ) “é devida ao magistrado em razão de acúmulo de acervo de processos, mais de 1,5 mil por ano, ou de jurisdição, conforme dispõem a Lei 13.095/2015, Resolução CSJT 155/2015 e Resolução TRT5 035/2015”.
“No TRT5 os desembargadores que atuam na jurisdição recebem mais de 1.500 processos, além de acúmulo de jurisdição, como por exemplo: Turma e Órgão Especial, ou Seção Especializada, ou Juízo de Conciliação, ou Precatório, ou Recurso de Revista, dentre outros. Enquanto que no Primeiro Grau existem 27 Varas que possuem mais de 1.500 processos”.
O tribunal destacou que a GECJ “tem natureza remuneratória, portanto qualquer valor que ultrapasse o teto constitucional de R$ 33.763,00 é automaticamente abatido visando garantir que não exista percepção mensal acima desse valor, conforme demonstrado na própria planilha de remuneração dos magistrados. Foi lançado desconto de abatimento teto no valor de R$167.904,01, portanto o valor pago pelo TRT5 no mês de novembro referente à GECJ foi de R$ 246.848,41, sendo que o corpo total de magistrado do regional é de 214. Vale ressaltar que os valores acima de R$ 10.157,04, referem-se a pagamento de crédito de meses anteriores devidos”.
O que dizem os tribunais: “Está previsto na lei”
O TJ-MG afirmou em nota à Gazeta que “a indenização de férias-prêmio não gozadas está prevista na Lei Complementar 59 e é um direito pago, atualmente, no momento da aposentadoria. As dificuldades financeiras que o país atravessa são reais e o Tribunal de Justiça tem feito seus pagamentos de acordo com sua disponibilidade orçamentária e financeira”.
O tribunal acrescentou que o vencimento básico “não extrapola o teto legal. A aplicação do limite constitucional no âmbito do Poder Judiciário é regulamentada pelas Resoluções 13 e 14 do CNJ. Já os auxílios recebidos pelos magistrados do TJ-MG são restritos a moradia, saúde e alimentação. O Tribunal aplica estritamente o que está previsto em resoluções do CNJ e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional”.
Questionado sobre os pagamentos retroativos, o Tribunal de Justiça do Amazonas afirmou que “existem verbas de natureza indenizatória, como a Parcela Autônoma de Equivalência (PAE) – paga em cumprimento à decisão judicial, assim como acontece em todos os Tribunais do país – que não entram no cálculo previsto para o teto, conforme Resolução do CNJ, bem como a Lei da Magistratura Nacional. Portanto, trata-se, tão somente, de cumprimento de decisões judiciais”. O tribunal disse ainda que seus magistrados recebem seus vencimentos dentro do teto constitucional.
Procurados, os demais tribunais não se manifestaram até o fechamento da edição desta reportagem.
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