O argumento dos juízes federais para manter o auxílio-moradia é que esse seria o único “penduricalho” que recebem, além do salário base. Argumento falho. A folha de pagamento de janeiro mostra que o total de indenizações e vantagens pessoais e eventuais é mais do que o dobro do valor do auxílio-moradia. Tem auxílio-alimentação, pré-escolar, saúde, indenizações de férias, gratificações diversas, retroativos, quintos, décimos e uma infinidade de direitos assegurados por decisões judiciais, ou seja, por decisões tomadas por juízes.
Nesta quinta-feira (15), os juízes federais paralisam as suas atividades para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a não acabar com o seu auxílio-moradia. Todos eles recebem, incluindo quem tem residência própria no local onde trabalha. É o caso do juiz federal Sergio Moro, que recebe o auxílio de R$ 4.378 mesmo sendo proprietário de um apartamento com 256 m² em Curitiba.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, apresentou seu argumento: “Todas as carreiras recebem auxílio-moradia. A magistratura federal não tem penduricalhos. Nós só temos o auxílio-moradia. Vai cair só para a Justiça Federal?”.
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Na folha de janeiro, o auxílio-moradia para juízes federais custou R$ 8,3 milhões, o que projeta um gasto de R$ 100 milhões em 2018. A soma de todos os penduricalhos ficou em R$ 10,2 milhões no mês, ou R$ 123 milhões até o final do ano. O segundo maior gasto foi com a gratificação com exercício cumulativo de funções – R$ 6,2 milhões no mês, ou R$ 74 milhões na projeção anual. O auxílio-alimentação custou mais R$ 1,7 milhão em janeiro (veja a tabela completa abaixo no final desse post).
Não estão incluídos nesses valores vantagens eventuais como 13º salário, antecipação de férias e o terço de férias – direitos que são extensivos a todos os trabalhadores.
Folha de pagamento poderá ser maior
Mas o gasto anual deverá ser ainda maior, como mostra a folha de pagamento de dezembro do ano passado. Naquele mês, a despesa com a gratificação por exercício cumulativo chegou a R$ 12,5 milhões – o dobro do valor pago em janeiro. As indenizações de férias ficaram em R$ 168 mil em janeiro, mas alcançaram R$ 1,1 milhão em dezembro. Esses dados mostram que há meses atípicos, com pagamentos mais elevados.
As gratificações por substituições chegaram a R$ 554 mil em dezembro, contra R$ 238 mil em janeiro. As gratificações por encargo ou curso somaram R$ 992 mil em dezembro, mas não passaram de R$ 50 mil em janeiro. Só na 4ª Região da Justiça Federal, os gastos com essas gratificações somaram R$ 500 mil. Um juiz recebeu gratificação de R$ 59 mil. Houve ainda um gasto extra em dezembro – R$ 267 mil em ajuda de custo. Novamente na 4ª Região, a ajuda de custo para um juiz ficou em R$ 87 mil.
No total, a folha de pagamento dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) chegou a R$ 26,8 milhões em dezembro, contra R$ 18,5 milhões em janeiro.
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Aos poucos, as folhas de pagamento dos TRFs vão revelando penduricalhos pouco conhecidos. Os juízes também foram favorecidos com decisões judiciais que resultaram em pagamentos relativos a quintos, décimos, vantagens pessoais nominalmente identificadas (VPNI), gratificação por localidade, abono de férias, devolução do Imposto de Renda do abono permanência.
Férias de 60 dias geram as indenizações
As indenizações de férias são resultado, em parte, do direito de dois meses de férias por ano – outra regalia dos magistrados, incluindo os juízes federais. O pagamento em dinheiro acontece quando o juiz não pode tirar férias “por necessidade de serviço”, como diz a norma legal. Há muitos exemplos de magistrados indenizados pelos 60 dias em um ano. Ele também recebe o dinheiro relativo ao terço de férias. Como é considerado uma “indenização”, o dinheiro chega à sua conta bancária sem os descontos do Imposto de Renda e da Previdência.
Levantamento feito pela Gazeta do Povo, a partir de informações oficiais obtidas no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por meio da Lei de Acesso à Informação, 141 magistrados foram indenizados por 492 períodos de férias de 2009 a 2015. Foram 13.118 dias de férias não gozadas – o equivalente a 36 anos. O custo desses pagamentos, considerando a remuneração atual, ficaria em R$ 16,8 milhões.
O presidente da Ajufe também justifica esse direito: “Nós não temos FGTS, não temos licença prêmio. Quando falo com os colegas sobre o assunto, eles dizem: ‘Vamos fazer a troca, então! Nós entregamos os 30 dias de férias e eles nos dão o FGTS’. As férias de 60 dias são justificadas porque os juízes não têm direito a hora-extra. Se existe uma grande operação, eu tenho que ficar no fórum até 10 horas da noite, 11 horas da noite. Tenho que ir ao fórum sábado, domingo, despachar um processo urgente. Não vou ser remunerado por essas horas”.
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“O Executivo gastou mais”
O presidente da Ajufe quer ampliar a abrangência da decisão que será tomada pelo Supremo. “Nós estamos querendo que o Supremo decida a questão remuneratória do serviço público em geral. No Legislativo, a imprensa noticiou vários casos de parlamentares que têm imóvel funcional e estão recebendo auxílio-moradia. Até ministro do Supremo já foi noticiado. Então, tem que decidir para todo mundo”, argumenta Veloso.
Num primeiro momento, porém, a decisão do STF terá repercussão apenas no Judiciário. Como mostrou este blog, o gasto anual com o benefício para 17 mil magistrados chega a R$ 920 milhões – dinheiro suficiente para construir 25 mil casas populares. Levantamento feito pela reportagem mostrou que 88% dos magistrados recebem o auxílio.
Como também são considerados “indenização”, os R$ 4.378 do auxílio-moradia não sofrem desconto do Imposto de Renda. Para quem tem imóvel, funciona na prática como um reforço salarial. Essa foi a intenção dos juízes federais: aumentar a renda, num momento em que afirmavam haver perdas salariais acumuladas por cinco anos.
A Ajufe foi a autora da ação que estendeu o auxílio-moradia a todos os magistrados, e não apenas para aqueles transferidos para localidades que não dispõem de imóvel funcional. Mas o direito foi assegurado provisoriamente, por decisão liminar concedida pelo ministro do STF Luiz Fux, em setembro de 2014. No dia seguinte, ele estendeu o auxílio a magistrados da Justiça do Trabalho, Justiça Militar e Justiça de nove estados.
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