Em tempos de crise fiscal da União, os deputados federais viajam pelo mundo em “missões oficiais” nem sempre necessárias. Muitas das viagens têm caráter de turismo religioso. Há também visitas a feira de show aéreo e cassinos interessados na regulamentação de jogos de azar no país.
Apenas em diárias, as despesas ficaram em R$ 1,86 milhão no ano passado. Foram pagas 1.312 diárias a um total de 184 deputados.
Em alguns eventos, a comitiva chega a ter 10 deputados. Foram feitas 100 viagens para Nova Iorque, 23 para Lisboa, 17 para Jerusalém, 16 para Roma e 16 para Cidade do Panamá, entre outros destinos. Uma das comitivas mais caras foi para a missão Pequim, Xangai, Macau e Hong Kong. Foram pagas 40 diárias a oito deputados, ao custo total de R$ 63 mil. O valor das passagens não é divulgado pela página de “transparência” da Câmara dos Deputados.
No final de outubro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), carregou nove deputados num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em visitas a Israel, Palestina, Itália e Portugal. A passagem pelo Oriente Médio teve um caráter mais turístico-religioso, com encontros rápidos e protocolares com autoridades locais, como o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.
A comitiva visitou o Museu do Holocausto, em Israel, e esteve em Jerusalém Leste e na Basílica da Natividade, em Belém. Na Itália, visitaram o Monumento Votivo Militar, em homenagem aos soldados brasileiros mortos na 2ª Guerra Mundial. Em Lisboa, participaram apenas da cerimônia de encerramento do 4º Seminário Internacional de Direito do Trabalho.
Não houve despesas com passagens aéreas, mas a Câmara pagou 43 diárias no valor de R$ 2 mil a unidade. Um custo total de R$ 88 mil. As despesas aumentaram em janeiro deste ano. Ao assumir interinamente a Presidência da República, Maia editou medida provisória para doar R$ 792 mil ao Estado da Palestina para a restauração da Basílica da Natividade, construída no local onde teria nascido Jesus.
Roteiro turístico-religioso com guias espirituais
Em maio, o deputado João Fernando Coutinho (PROS-PE) foi a Roma participar das solenidades em comemoração aos 50 anos do Movimento Carismático Católico. Lá, seguiu mais um roteiro turístico-religioso. Fez uma visita ao Museu do Vaticano, acompanhado por guias espirituais. Esteve ainda na Capela Sistina e na Catacumba de Calisto, além de participar de missa na Basílica de São Pedro e da Vigília de Pentecostes. No Circo Massimo, assistiram a show com os padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo. O deputado recebeu cinco diárias no valor total de R$ 7,5 mil.
Sete deputados participaram, em outubro, da missa solene de canonização dos mártires do Engenho Cunhaú e da Comunidade Uruaçu (RN), na Cidade do Vaticano. Na missa em ação de graças presidida pelo papa Francisco havia muitos brasileiros. O deputado Felipe Maia (DEM-RN) destacou no relatório de viagem que o Rio Grande do Norte “é o único estado a ter 30 santos declarados pela Igreja Católica, tornando-se uma das atrações mundiais para o turismo religioso”.
Paris Air Show
Os deputados Vanderlei Macris (PSDB-SP), Pedro Vilela (PSDB-AL) e Claudio Cajado (PP-BA) estiveram na França em junho para participar do Paris Air Show, uma das maiores feiras aeroespaciais do mundo, conhecida pelo volume de negócios e pelo show aéreo que realiza. No seu relatório de viagem, Macris relata que lá conheceu o novo jato comercial E195-E2 e o cargueiro militar KC-390 da Embraer, no stand da empresa brasileira.
Cajado relatou que os deputados foram conduzidos, em veículo da embaixada do Brasil na França até o local da feira, em Le Bourget. No stand da Embraer, tiveram “longas explicações técnicas do diferenciador mercadológico das três aeronaves e da importância do apoio do governo na aquisição e apoio de política pública do setor aeroespacial”.
Vilela registrou a reunião com o embaixador do Brasil na França, Paulo Cesar Campos, “para falar sobre a política francesa”; o encontro com o vice-presidente de Relações Institucionais da Embraer; um almoço/seminário Brasil-França para “discutir assuntos de interesse comum”; e dois dias de “visitação livre” à feira. Os três deputados receberam um total de 13 diárias ao custo de R$ 22 mil.
A grandiosidade do evento pode ser conferida nesse vídeo promocional da fabricante de aeronaves Airbus:
Reuniões com grupos que controlam os cassinos
A promoção do turismo foi motivo da viagem de três deputados – Paulo Azi (DEM-BA), Efraim Filho (DEM-PB) e José Carlos Aleluia (DEM-BA) – a Londres e Lisboa em novembro. Na Inglaterra, participaram da World Trade Market (WTM), uma das maiores feiras de multiprodutos do setor do turismo no mundo.
Em Lisboa, a comitiva teve reuniões técnicas sobre regulamentação de jogos com representantes do Grupo Estoril Sol e fez visita técnica a cassinos de propriedade daquela empresa, como o Casino Lisboa.
No relatório de viagem, Paulo Azi, informou que “foi possível realizar uma série de reuniões técnicas com os grupos que controlam e regulamentam os cassinos naquele país, de forma a obter subsídios valiosos para estabelecer uma correta tributação da atividade de jogos em sua reabertura no Brasil”.
Na viagem de um grupo de oito deputados à China, além da visita ao Porto de Xangai e a uma estação de tratamento de água pra reuso, a comitiva teve reunião com a Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos (DICJ), órgão responsável pela definição e execução da politica econômica nos domínios da indústria da exploração dos jogos de fortuna ou azar.
Visita mudou conceito para regulamentação
A reportagem questionou o deputado Azi sobre o motivo da visita a grupos que controlam os jogos, que obviamente teriam o interesse na implantação da atividade no Brasil. O chefe de gabinete do parlamentar, Paulo Kauffmann, firmou que Azi, como presidente da Comissão de Turismo e relator do PL 2.724/2015, que prevê “a liberação dos jogos de cassino em resorts integrados no Brasil, aceitou um convite do grupo Estoril para conhecer e compreender as peculiaridades da legislação lusa a respeito dos jogos”.
Acrescentou que, as reuniões ocorridas em Lisboa tiverem não só a participação de representantes dos cassinos locais, como também de autoridades da administração portuguesa, ocasião em que foram colhidas informações sobre impactos econômicos, tributação e combate à lavagem de dinheiro: “Não se foi lá para saber a opinião local sobre se seria recomendável ou não liberar o jogo no Brasil, mas sim de como funcionava em Portugal”.
Em suma, concluiu Kauffmann, “as informações colhidas em Portugal permitiram concluir o parecer onde se procurou liberar os jogos no Brasil, não mais de forma generalizada como se pensava, liberando jogo do bicho, bingo, máquinas caça-níqueis em qualquer lugar e cassinos em qualquer empreendimento”.
“Concluiu-se que os jogos, para serem liberados no Brasil, de forma a serem eficazmente fiscalizados, só poderia ser feito em um número muito limitado de estabelecimentos e em resorts integrados, com centros de convenção, shoppings centers, restaurantes, parques temáticos e grande infraestrutura, de forma que a área de cassino não ultrapassasse a 10% da área do estabelecimento. Um projeto, portanto, para promover o turismo no Brasil, com forte atrativo à captação do turista internacional, promovendo forte geração de emprego e renda internamente”.
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Intercâmbio e cooperação
O deputado Macris afirmou que esteve na 52ª International Paris Air Show representando a presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, deputada Bruna Furlan (PSDB-SP).
“Brasil e França têm relações estratégicas, com ampla agenda de intercâmbio e cooperação. O Plano de Ação da Parceria Estratégica franco-brasileira centra-se no diálogo político e governança internacional, bem como nas relações econômicas e comerciais; cooperação nas áreas de defesa, energia nuclear, desenvolvimento sustentável; domínios da educação, línguas, ciência e tecnologia; transfronteiriços; entre outros. Desta maneira, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados participou do evento francês pelo compromisso vigente entre as duas nações, onde abrange a Feira Aeronáutica em questão”.
O deputado também relatou as reuniões que manteve na França: “No período em que lá estive participei, juntamente com o então ministro da Defesa, Raul Jungmann, do Seminário França-Brasil, na Paris Air Show; de reuniões com o Embaixador do Brasil na França, Paulo Cesar de Oliveira Campos, na sede da representação; e no Ministério das Forças Armadas, sobre orçamento e o Livro Branco de Defesa Nacional”.