Responsável pela fiscalização das contas públicas, o Tribunal de Contas da União (TCU) não poupa dinheiro em viagens internacionais dos seus ministros e servidores. O ministro Bruno Dantas, por exemplo, esteve em Roma para fazer um curso na Escola de Verão Democracia Parlamentar da Europa, de 10 a 21 de julho do ano passado. Recebeu 14,5 diárias do tribunal no valor total de R$ 34 mil – pouco mais do que o valor do teto remuneratório do serviço público. Cada diária ficou por R$ 2,35 mil.
O maior gasto, porém, foi com um programa de intercâmbio de quase quatro meses (115 dias) para o auditor Nivaldo Dias Filho em Washington, de 22 de março a 14 de julho do ano passado. O TCU gastou um total de R$ 98 mil com a participação do servidor no Intercâmbio para Auditores do Government Accountability Office, que enfocou “métodos e técnicas de auditoria de desempenho, bem como habilidades de liderança”. O auditor recebeu R$ 38 mil por 30 diárias, mais uma bolsa de R$ 55,5 mil para os 85 dias restantes. O tribunal pagou ainda as passagens de R$ 3,9 mil e o seguro saúde de R$ 687.
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O programa enfocou “métodos e técnicas de auditoria de desempenho, bem como habilidades de liderança”. Como seguiu para Washington no dia 16 de março, Nivaldo dividiu as suas férias em dois períodos – cinco dias antes do intercâmbio e 19 dias após o seu término. As férias encerraram no dia 4 de agosto, uma sexta-feira. Ele aproveitou o final de semana no exterior e retornou no dia 7 de agosto para o Brasil. Em março, havia recebido mais R$ 10,3 mil de um terço de férias e R$ 16,1 mil de antecipação do décimo terceiro.
Em março de 2018, o servidor Carlos Araújo Braga partiu para Washington para fazer o mesmo intercâmbio. Recebeu R$ 40,7 mil por 30 diárias. Receberá ainda mais uma bolsa de R$ 56,6 mil, em três pagamentos de US$ 5,5 mil. Com mais passagem e seguro saúde, as despesas ficarão em R$ 102,8 mil.
R$ 1,7 milhão em viagens internacionais
O curso de verão de Bruno Dantas em Roma foi sobre “Prestação de Contas Parlamentares e Competências Técnicas”. O ministro viajou no dia 8 de julho e retornou no dia 22. O ministro não estava em viagem de representação oficial do tribunal, mas sim participando de curso de capacitação. O TCU afirmou que esses cursos estão previstos nos regulamentos da casa para servidores e autoridades. Bruno Dantas pagou as passagens com recursos próprios, embora as generosas normas do tribunal prevejam o custeio desses deslocamentos.
As 131 viagens de ministros, procuradores e servidores para o exterior custaram R$ 1,7 milhão no ano passado, sendo R$ 1,2 milhão em diárias. Acrescentando as viagens no país, o gasto total ficou em R$ 5,8 milhões, com R$ 3,5 milhões em diárias.
O TCU afirmou que Nivaldo Dias foi aprovado em processo seletivo para participar do intercâmbio nos Estados Unidos. Após o seu retorno, o servidor apresentou artigo científico e um plano de inovação para o tribunal desenvolvido no intercâmbio. Nivaldo integra a Seinfra, secretaria que analisa os casos ligados à Operação Lava Jato.
Procurador recebe R$ 23,3 mil em diárias
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira esteve por 12 dias em Pequim, onde participou da Conferência Anual da Associação Internacional de Procuradores. Recebeu 11,5 diárias num total de R$ 23,3 mil, além das passagens no valor de R$ 6,8 mil. Oliveira se destacou no processo que rejeitou as contas de Dilma Rousseff, em 2015. Ele descobriu os decretos sem número que embasaram o processo de impeachment da ex-presidente.
Mas quem mais gastou em viagens internacionais foi o ministro Augusto Nardes. Em roteiros mais curtos, ele esteve em sete países participando de seminários, conferências, assembleias, reuniões diretivas e visita à corte de contas. A despesa total ficou em R$ 98 mil, sendo R$ 74 mil em diárias. O ministro passou a ser muito demandado para palestras e seminários após ter relatado e proposto a rejeição das contas de Dilma – um fator decisivo no processo de impeachment da ex-presidente.
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Em segundo lugar no ranking dos gastos ficou o ministro Aroldo Cedraz. As despesas ficaram em R$ 82,6 mil, sendo R$ 62,6 mil em diárias. Ele esteve em eventos em Nassau, Lisboa, Viena, Amsterdã, Bogotá e Orlando.
O ministro Walton Alencar Rodrigues esteve por dez dias em Paris e Lisboa. Participou de um grupo de trabalho e do Fórum Global Anticorrupção na capital francesa e de uma reunião técnica no Tribunal de Contas de Portugal. Recebeu 9,5 diárias no valor total de R$ 21,3 mil, mais R$ 6,9 mil para as passagens.
Nas viagens internacionais, a diárias de ministros e do procurador-geral é de US$ 691 (R$ 2,35 mil). A diária do procurador é de US$ 623 (R$ 2,12 mil). A maior diária paga a servidores tem o valor de R$S 440 (R$ 1,5 mil) – o que representa o valor médio das diárias pagas a deputados federais no exterior.
Servidores do tribunal
Os servidores Ângelo Lopes da Silva e Giuseppe Antonaci viajaram para Marraquexe, no Marrocos, no dia 1º de julho do ano passado, para participar da Escola de Verão do OPHI sobre Análise Multidimensional da Pobreza, de 3 a 15 daquele mês. Ângelo retornou no dia 17, enquanto Giuseppe voltou a Brasília apenas em 1º de agosto. Cada um deles recebeu 16,5 diárias no valor total de R$ 20,8 mil, mais a passagem de R$ 10,2 mil.
Nivaldo Dias, que passou quase quatro meses nos Estados Unidos, também viajou para Arusha, na Tanzânia, em setembro, onde participou da 11ª Reunião do Grupo de Trabalho de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro da Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai). O servidor recebeu mais 6,5 diárias num total de R$ 8,8 mil e a passagem de R$ 11,8 mil.
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Fernando Silveira Camargo viajou para Pequim, de 6 a 17 de setembro, para participar da Conferência Anual da Associação Internacional de Procuradores – o mesmo evento que teve a presença do procurador Júlio Marcelo. Recebeu 11,5 diárias no valor de R$ 20,9 mil, além da passagem de R$ 8,2 mil.
As maiores despesas com viagens foram feitas por Rafael Lopes Torres – um total de R$ 101 mil, sendo R$ 37 mil em passagens e R$ 64 mil em diárias. Ele esteve em Washington, Ottawa, Luxemburgo, Guatemala e Graz, na Áustria.
Victor Lahiri Hart recebeu R$ 23,3 mil em passagens e R$ 49 mil em diárias. Esteve em Luxemburgo, Quito, Lima, Viena e Washington. Acompanhou Rafael Torres no evento Reunião dos Goal Chairs, em Luxemburgo, onde cada um recebeu cerca de R$ 12 mil em diárias.
Mais despesas em 2018
As despesas do TCU com viagens continuam elevadas em 2018. Em quatro meses, os ministros e procuradores já gastaram mais R$ 192 mil com diárias e passagens – R$ 146 mil apenas com diárias. Houve algumas viagens em que os ministros foram acompanhados por servidores, o que aumentou as despesas.
A ministra Ana Arraes, por exemplo, esteve em Washington e Nova York, de 17 a 29 de abril, para participar da Reunião do Grupo de Trabalho em Grandes Bases de Dados e do comitê de Experts em Administração Pública da ONU. Recebeu 12,5 diárias no valor total de R$ 30,4 mil. Foi acompanhada da servidora Tatiana Galvão, que recebeu R$ 27 mil em diárias. No total, incluindo passagens, as despesas das duas bateram em R$ 70 mil.
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O procurador Sérgio Caribé participou do Congresso Internacional de Direito na Lusofonia (entre países de língua portuguesa) e fez visita técnica em Lisboa, de 16 a 23 de março. Recebeu 10,5 diárias no valor de R$ 21,4 mil. Estava acompanhado do servidor Leonardo Pereira, que recebeu o mesmo valor em diárias. Incluindo passagens, as despesas ficaram em R$ 53 mil.
A participação do ministro Vital do Rego e do servidor Eduardo Machado Filho no Encontro Anual da Internacional de Instituições Superiores de Contas (Intosai), em Pequim, de 23 de março a 8 de abril, custou R$ 48 mil.
O ministro Nardes esteve em Sidney, de 14 a 23 de abril, para reunião do Grupo de Trabalho da Intosai. Recebeu R$ 25 mil em diárias, mais a passagem de R$ 14,9 mil.
TCU diz que procura reduzir gastos
Questionado sobre os elevados gastos com diárias e passagens internacionais, o TCU respondeu que tem buscado “reduzir e otimizar seus gastos com participação em eventos internacionais, sem que isso gere retrocessos nos benefícios decorrentes da cooperação. A cooperação internacional possibilita a realização de auditorias cooperativas, intercâmbios e benchmarking, além de capacitações em temas de vanguarda que permitam que o TCU continue avançando, aumentando a qualificação e a produtividade dos seus servidores, em benefício da sociedade brasileira”.
A reportagem solicitou esclarecimentos ao TCU sobre as viagens mais dispendiosas. Sem citar cada caso, o tribunal afirmou que a participação de autoridades e servidores do TCU em eventos internacionais “ocorre em consequência de compromissos assumidos, que refletem a prioridade atribuída à internalização de conhecimentos e ao fortalecimento de capacidades”.
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Acrescentou que participa de vários organismos internacionais de contas. Preside o Comitê de Normas Profissionais (PSC) da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), o Comitê de Criação de Capacidades (CCC) e a Comissão de Auditoria Ambiental (Comtema) da Organização Latino-americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Olacefs). O ministro Augusto Nardes é responsável pela presidência do CCC/Olacefs.
“Essa ampla agenda de cooperação internacional tem sido indutora da modernização e fortalecimento técnico do TCU. A maioria das grandes evoluções metodológicas das últimas décadas teve origem ou sustentação no intercâmbio internacional – entre elas, a implementação de auditorias operacionais e financeiras, combate à fraude, comunicação mais efetiva com a sociedade, planejamento estratégico, auto avaliação institucional e o aperfeiçoamento do exame das contas do Governo”, diz nota do tribunal.