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General adotou neta de 24 anos e casou aos 97 anos. É a farra das pensões militares

Vanderlei Almeida/AFP (Foto: )

O general Paulo César de Campos adotou a neta de 24 anos aos 91 anos, quando tinha saúde bastante debilitada. Casou aos 97 anos e morreu dois anos depois. A pensão da neta foi considerada ilegal pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Justiça, mas o benefício da viúva foi mantido. Os tribunais estão repletos de casos de pensões de filhas solteiras, irmãs solteiras, adoções de netas, casamentos com idade avançada e acúmulo de pensões de militares.

A adoção de Renata de Campos aconteceu quando o general Campos tinha problemas de saúde como degeneração senil do cérebro, dificuldade para caminhar e alterações da memória. A neta já era formada em Direito. Ela alegou ao TCU que a adoção ocorreu “ante o amor e os laços consanguíneos com o militar”. Também argumentou que apresentava quadro de saúde precário que a impossibilita de exercer sua atividade profissional.

O tribunal considerou o argumento frágil e sustentou que “a adoção se deu com o intuito de que, futuramente, se perpetuasse a pensão em seu favor, constituindo renda fixa como se herança fosse, o que é repelido pela jurisprudência”.

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O militar casou com Gilda Ribeiro em janeiro de 2000, com saúde bastante debilitada. Morreu dois anos depois. Nesse caso, o tribunal destacou que o casamento foi “devidamente homologado, não cabendo questionar-se sua validade para fins de direito. Não há documentos que evidenciem que o interessado era incapaz para os atos da vida civil. Assim, não há que se reformar o ato de concessão de pensão em seu favor”.

Gilda recebia integralmente a referida pensão até o ano de 2005, quando foi deferido o pedido de pensão a Renata de Campos, no patamar de 50% do benefício. A neta perdeu a ação na primeira instância da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região e no Superior Tribunal de Justiça, em julgamento definitivo em fevereiro de 2014.

A idade das pensionistas também impressiona. Pela lei que rege as pensões militares, as filhas pensionistas podem ser casadas, divorciadas ou ter união estável. A reportagem “A generosa previdência das ‘vovós solteironas’ do serviço público”, publicada no blog em 7 de fevereiro, revelou que nas Forças Armadas existem 86 mil pensões desse tipo.

São 66 mil filhas pensionistas no Exército, sendo 6 mil com mais de 80 anos. Na Marinha, do total 11 mil pensionistas, 333 superam essa faixa etária. A Aeronáutica conta com 9 mil dessas pensionistas, sendo 137 com idade acima de 80 anos.

União estável aos 14 anos

O ex-servidor do Exército Vicente Cavalcante morreu aos 99 anos, em 2008, e deixou pensão militar para a “companheira” Andressa da Costa, de 18 anos. Na análise do processo, o TCU apurou que a emancipação de Andressa e a declaração de união estável aconteceram em 2007, com apenas três dias de diferença, quando o servidor tinha 97 anos de idade. “Em março de 2005, quando iniciaram a suposta união estável, a beneficiária tinha 14 anos de idade e o instituidor da pensão 95 anos de idade”, diz o relatório do tribunal.

“Em uma situação dessa natureza, é impossível reconhecer que havia união estável, no sentido de relacionamento entre homem e mulher com o objetivo de constituir família. Não havia união estável entre o instituidor e a beneficiária, mas clara intenção de burlar o sistema previdenciário militar”, concluiu o Ministério Público do TCU.

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O tribunal também apurou que o endereço constante da declaração de união estável era o mesmo dos pais, dos irmãos e da avó da beneficiária. A decisão do tribunal pela ilegalidade da pensão, em setembro de 2016, acrescenta que “a beneficiária, estudante na data da declaração de união estável, hoje é advogada”.

Pensão de militar e de ex-combatente

Jussara de Paula Avelino foi habilitada à pensão militar como beneficiária do general ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) Confúcio de Paula Avelino e, cumulativamente, como beneficiária da pensão especial, em cumprimento a decisão judicial transitada em julgado.

Relatório do TCU destaca que “a acumulação da pensão militar com a pensão especial de ex-combatente tende a ser ilegal”, por contrariar a Lei 5.315/1967. Segundo o art. 1º dessa lei, considera-se ex-combatente aquele que tenha participado de operações bélicas na Segunda Guerra Mundial e retornado à vida civil definitivamente.

Na avaliação do tribunal, como o general Confúcio não foi licenciado do serviço militar após a 2ª Guerra Mundial e não retornou à vida civil, não poderia ter instituído a pensão especial de ex-combatente em favor de Jussara. Assim, em janeiro de 2018, o relator do processo, André Luis de Carvalho, entendeu que o TCU deveria considerar ilegal o ato de concessão da pensão, sem determinar a suspensão dos pagamentos, uma vez que amparados em decisão judicial transitada em julgado. A proposta foi acatada pelo plenário.

Pais e irmã solteira

Morto em 2011, Jefferson de Albuquerque Silva deixou pensão militar para os pais, Josué e Rejane Silva. Mas o TCU considerou o benefício ilegal, em dezembro do ano passado, por contrariar a Lei 3765/60, alterada pela MP 2.215-10/2001, que impõe uma restrição: que os pais não recebam remuneração. O tribunal apurou que Josué é servidor público do Ministério da Saúde em Pernambuco, com renda de R$ 5 mil; enquanto Rejane é servidora aposentada da Secretaria de Educação do Estado, com renda de R$ 1,9 mil – fatos que descaracterizam a dependência econômica.

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André Pontes Santos deixou pensão em favor de Cristina Pontes Santos, na condição de “irmã solteira”. Mas o TCU decidiu pela ilegalidade da pensão, em junho do ano passado, por entender que existem indícios suficientes de que a beneficiária mantinha união estável à época do falecimento do irmão, em 1994.

“O fato da beneficiária ser mãe de dois jovens, nascidos em 1992 e 1999, e residir com o pai de seus filhos, comprovam que, na data do óbito do militar, já não era solteira, pois a união estável descaracteriza essa condição para fins de percebimento de pensão”, diz o relatório aprovado pelo plenário do tribunal.

Acúmulo de pensões

Regina Moriama foi contemplada com pensão militar deixada por Alberto Moriama. Mas o TCU constatou que a pensionista recebia outros dois benefícios do Regime Geral de Previdência Social: pensão civil, em decorrência do óbito de Alberto; e proventos de aposentadoria por idade.

“Diante da impossibilidade de percepção cumulativa dos três benefícios, a concessão em referência deve ser considerada ilegal. Cabe salientar, no entanto, que a Sra. Regina Moriama poderá optar pelo recebimento dos proventos relativos à pensão militar, contanto que escolha apenas os benefícios acumuláveis legalmente”, diz o relatório aprovado pelo tribunal em novembro do ano passado.

Maria da Soledade Sampaio dos Santos foi beneficiada com pensão de ex-combatente instituída por Jaime Elias dos Santos. Mas ele recebia outras duas: pensão civil com base no cargo de agente da Polícia Federal exercido pelo ex-esposo, falecido em 2001; e pensão militar instituída pela mãe, Aracy Arnaud Sampaio, falecida em 2008, no posto de capitão.

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O TCU considerou ilegal a pensão de ex-combatente, em agosto do ano passado, mas salientou que Maria da Soledade poderia optar pelo recebimento dos proventos relativos à pensão especial, desde que escolhesse apenas os benefícios acumuláveis legalmente.

Milton Ferreira Lima deixou pensão militar para Leda e Leny Ferreira Lima. O TCU apurou que Leda recebia também aposentadoria por tempo de contribuição pelo Regime Geral de Previdência; pensão pelo Regime Geral de Previdência, em razão do óbito de Rubens Rocha; e vencimentos do cargo de auxiliar de enfermagem na Fundação Municipal de Saúde de Petrópolis.

Leny Ferreira Lima, além da pensão militar, recebia proventos de aposentadoria como policial rodoviária federal e pensão estatutária relativamente ao óbito do esposo Flávio Corpas, policial rodoviário federal, a partir de abril de 2014. O tribunal destacou, em novembro de 2016, que as duas poderiam optar pelo recebimento da pensão militar, escolhendo apenas os benefícios acumuláveis legalmente.

Mãe adotiva recebia pensão de filha solteira

Na condição de tutora da sobrinha menor de idade T.P.C., Cleide Correia recebeu pensão militar deixada pelo sargento da Aeronáutica Carlos Alberto Corrêa, de maio de 1996 a junho de 2008, no valor total de R$ 225 mil. O TCU apurou, no entanto, que a filha biológica do sargento fora legalmente adotada por Cleide e Walmir Rodrigues da Silva em abril de 1995 – antes da morte do sargento, portanto. Em setembro daquele ano, foi emitida nova certidão de nascimento, com o nome dos pais adotivos e o novo nome da adotada, T.B.S.

O processo demonstrou que Cleide Batista Correia, ocultando ser mãe adotiva da menor, requereu o benefício previdenciário, na falsa qualidade de representante legal (tutora), apresentando certidão de nascimento original, que já havia sido cancelada em razão da adoção.

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O sargento Corrêa, após ter dado a filha em adoção, declarou, em outubro de 1995, que T.P.C., com grau de parentesco de filha solteira, era beneficiária para fins de habilitação à eventual pensão militar.

Em outubro de 2001, a mãe biológica de T.P.C., Claudinéia de Oliveira, pediu a anulação da tutela no Juizado da Infância e Juventude de Anápolis. Em dezembro de 2016, o juiz declarou nula a tutela da menor concedida a sua mãe adotiva, determinando que fosse comunicado o órgão previdenciário para fins de cancelamento do benefício.

Em novembro de 2014, o TCU aplicou multa de R$ 42 mil a Cleide e Walmir. Na esfera penal, os réus foram condenados à pena mínima de dois anos de reclusão pelo crime de estelionato previsto no Código Penal Militar.

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