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A vida mansa dos pensionistas do Judiciário que ganham mais que ministro do STF

Gil Ferreira/Agência CNJ (Foto: )

Candidatos a presidente da República têm defendido o corte de privilégios no serviço público. O começo poderia ser pelo fim do acúmulo de pensões e aposentadorias de dependentes da cúpula do Judiciário, que chegam a somar R$ 67 mil – o equivalente a dois tetos constitucionais. Isso acontece porque não há um banco de dados que unifique as informações, a interpretação da lei varia entre os tribunais e decisões administrativas mais austeras são derrubadas pela própria Justiça.

A pensionista Maria da Paz Abreu Madeira, por exemplo, recebe pensão de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal (STF) como viúva do ex-ministro Carlos Alberto Madeira, mais R$ 33,7 mil pelo chamado Montepio Civil da União, que foi criado como fundo de pensão privado, mas atualmente é bancado pela União, ou seja, com o seu dinheiro.

Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou ilegal a concessão da pensão do Montepio devido ao pagamento cumulativo com pensão civil do STF em valor superior ao teto remuneratório. Mas o TCU dispensou a devolução dos valores indevidamente recebidos até a data da decisão. O ex-ministro morreu há 20 anos.

Apesar da decisão da corte de contas, Maria da Paz continua recebendo a pensão pelo Montepio. O STF informou ao blog que a pensionista “está amparada por decisão liminar [da Justiça Federal no Maranhão] que impede o cumprimento da decisão do TCU pelo Ministério da Fazenda”.

O teto constitucional é definido pelo valor do salário de um ministro do STF, que hoje é de R$ 33,7 mil.

Em tese, nenhum servidor público ativo ou inativo pode ganhar mais do que membros da Suprema Corte. Mas não é o que se vê na prática. Existe uma regra chamada abate-teto, que incide sobre o salário bruto do servidor com a aplicação de um redutor na remuneração. Porém, muitos penduricalhos que engordam o salário-base hoje são isentos da tesoura do abate-teto.

“Financiados pelos cofres públicos”

A pensionista Alda Villas Boas recebe duas remunerações do Supremo – pensão civil no valor de R$ 33,3 mil e aposentadoria como analista judiciária no valor de R$ 34,3 mil. Um total de R$ 67,6 mil, com abate-teto de R$ 6,8 mil. O STF afirmou que é “legítima” a acumulação de aposentadoria de servidor público com pensão por morte de cônjuge servidor público. Assim, “o teto constitucional deve incidir isoladamente sobre cada uma destas verbas a partir da interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal”, argumenta o STF, com base em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do TCU.

Alda também tem direito a mais uma pensão do Montepio Civil, na condição de filha do ex-ministro Antônio Villas Boas. Seriam mais R$ 33,7 mil na sua conta, mas ela teve uma surpresa em maio de 2015. Ao verificar o contracheque, percebeu que havia sido aplicado o abate-teto ao somatório dos seus rendimentos – um total de R$ 94 mil. Ela recorreu à Justiça Federal no Distrito Federal para suspender o redutor constitucional, mas o juiz Charles de Morais afirmou que o pedido ia contra a finalidade do teto remuneratório, que “pretendeu pôr fim ao pagamento de vultuosos valores financiados pelos cofres públicos”.

Fazenda aguarda declaração de renda externa

As pensionistas Maria Lúcia Rangel de Alckmin e Maria Ayla Furtado de Vasconcelos, filhas dos ex-ministros José Geraldo de Alckmin e Abner de Vasconcellos, recebem pensão de R$ 33,7 mil pelo STF, como noticiou o blog no dia 26 de julho. Informação prestada pelo Ministério da Fazenda, por meio da Lei de Acesso à Informação, revela que as duas também recebem pensão no mesmo valor pelo Montepio Civil da União.

Procurado pelo blog, o Supremo afirmou seguir entendimento do TCU, que aceita a acumulação da pensão civil com a outra do Montepio Civil da União. “Contudo, o TCU determina ao Ministério da Fazenda que seja aplicado o abate-teto. O julgamento foi em relação ao Montepio, portanto, cabe ao Ministério da Fazenda a aplicação do abate-teto”. O episódio mostra a desarticulação da máquina pública federal na aplicação do teto constitucional.

Questionado por que não aplica o abate-teto nesses dois casos, o Ministério da Fazenda afirmou que os beneficiários de pensão da União devem fornecer os comprovantes de rendimentos ao órgão de origem. “Todavia, até o presente momento, as pensionistas citadas não apresentaram ao Ministério da Fazenda comprovantes de rendimento de outra fonte pagadora, portanto não seria possível obter informações de outros rendimentos, uma vez que a unidade pagadora não utiliza o mesmo sistema de pessoal. Confirmada a necessidade de aplicação do abate-teto nas pensões mencionadas, efetuaremos os ajustes de imediato”.

Acúmulo “encontra amparo” no CNJ

Servidora aposentada do STJ, Norma Cunha de Mello recebe R$ 34 mil de proventos mais R$ 32 mil de pensão civil como dependente do ex-ministro Djalma Cunha Mello. Ela também está na lista das pensionistas do Montepio Civil, com renda de R$ 32 mil, mas está sofrendo um abate-teto no mesmo valor.

O STJ afirmou ao blog que a acumulação de pensão estatutária com aposentadorias sem aplicação do redutor de teto constitucional “encontra amparo” nas Resoluções 13 e 14 de 2006, que determinam que esses benefícios “sejam considerados individualmente para fins de aplicação do referido teto”.

Ana Maria de Carvalho Coelho, dependente do ex-ministro Lopo de Carvalho Coelho, recebe duas pensões de R$ 32 mil, uma pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e outra pelo Montepio Civil da União. O STJ afirma que mantém a pensão civil de Ana Maria “por força de tutela provisória de urgência concedida em decisão do TRF da 2ª Região (SP)”.

O TST acrescenta que o CNJ, em decisão tomada em 2007, entendeu que a parcela de 60% do Montepio Civil da União, “por ser de natureza privada e decorrente de contribuições voluntárias, não deveria ser considerada para efeitos de limitação do teto remuneratório constitucional (abate-teto)”.

Acúmulo de pensões chega ao TCU

Dependentes de ex-ministros do TCU que recebem pensão pelo tribunal estão sofrendo o abate-teto na pensão do Montepio Civil, como mostra a folha de pagamento daquele instituto. Sônia Balsini Ghisi, por exemplo, viúva do ex-ministro Adhemar Ghisi, tem o corte integral da pensão de R$ 19 mil. Mas ela recebe pensão civil de R$ 31 mil do TCU, mais R$ 12 mil de pensão parlamentar do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) e outros R$ 20,2 mil de pensão pelo Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina (Iprev). No total, são R$ 63,5 mil.

Adhemar Ghisi foi ministro do TCU por 15 anos, deputado federal por quatro legislaturas e meia e deputado estadual por duas legislaturas. Por onde passou, deixou pensões para seus dependentes.

Martha Zaiden dos Santos, dependente do ex-ministro Homero Santos, também sobre o abate-teto de R$ 19 mil na pensão do Montepio. Mas recebe pensão do tribunal no valor de R$ 32,8 mil, além de R$ 12,2 mil de pensão parlamentar e R$ 26,3 mil como servidora aposentada da Câmara dos Deputados. Homero Santos foi deputado federal por cinco legislaturas, deputado estadual e vereador de Uberlândia. Sem o redutor constitucional, receberia um total de R$ 69,3 mil.

Dependente do ex-ministro-substituto Jurandyr Coelho, Marlete Peixoto Coelho também chegaria a uma renda de R$ 69 mil. Ela recebe pensão civil de R$ 32 mil, mais aposentadoria de R$ 18 mil como servidora aposentada do TCU. Teve cortada a sua pensão do Montepio.

Previdência privada com dinheiro público

O TCU foi questionado pela reportagem sobre o acúmulo de diversas rendas pelos seus dependentes. O tribunal afirmou que a sua jurisprudência considera legal a acumulação de pensão civil com a pensão do montepio civil. Mas acrescentou que “a soma das pensões deve observar o teto constitucional. A jurisprudência desta Casa firmou-se no sentido de que é indevido o pagamento cumulativo de pensões civis estatutárias com a do montepio civil facultativo que exceda o subsídio mensal”.

O tribunal sustentou também que é legal o acúmulo das duas pensões com a pensão do IPC, “tendo em vista a natureza de previdência privada, deixando inclusive assente que os valores pagos estão excluídos da incidência do teto remuneratório”.

Criado em 1964, o IPC foi extinto em 1999, mas as pensões dos dependentes de ex-deputados e senadores passaram a ser pagas pela União, com dinheiro público, portanto.

Finalmente, o TCU entende que não incide o abate-teto sobre o pagamento cumulativo de pensão civil com proventos de aposentadoria, “por se tratarem de benefícios cujos fatos geradores são distintos. Portanto, as práticas administrativas adotadas pela Administração do TCU observam as normas e a jurisprudência vigente sobre o tema, no sentido da possibilidade de acumulação de pensão civil, proventos de aposentadoria e pensão do extinto IPC. Além disso, o teto constitucional se aplica individualmente no caso dos dois primeiros benefícios”, conclui nota ao tribunal enviada ao blog.

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