O problema maior do Montepio Civil da União não está no acúmulo de suas pensões com outras fontes previdenciárias – o que gera pagamentos acima do teto remuneratório. A conta é mais pesada. Os 374 pensionistas desse fundo de pensão geram uma despesa anual de R$ 72 milhões aos cofres públicos. A concessão de novas pensões foi suspensa, mas os contribuintes continuam pagando os benefícios concedidos há décadas a um restrito e privilegiado grupo de dependentes de autoridades do Judiciário e servidores do Ministério da Fazenda.
A maior pensão é devida a Alice Cavalcanti Filgueiras, filha de um ex-servidor da Fazenda – R$ 52,3 mil. Ela sofre um abate-teto de R$ 19,5 mil, mas complementa a sua renda com a aposentadoria de R$ 39,8 mil paga pela Câmara dos Deputados, como analista legislativa, com redutor constitucional de R$ 6 mil. A Fazenda chegou a fazer um corte maior na sua renda, mas ela recorreu à Justiça no final do ano passado.
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Sua defesa alegou que, “sem nenhum aviso, ela teve descontada de seu montepio civil, a quantia de R$ 45 mil”. O Ministério da Fazenda argumentou que a soma dos valores da pensão e do montepio ultrapassa o limite constitucional. A juíza federal Luciana de Moura decidiu com rapidez porque a pensionista tem mais de 80 anos.
Argumentou que o montepio é “uma espécie de previdência complementar privada, apesar de ser pago e administrado pela União, uma vez que a participação era facultativa, restrita e o pagamento era feito utilizando-se o valor das contribuições vertidas”. A juíza impediu a aplicação do teto remuneratório ao somatório da aposentadoria pela Câmara.
Pensionista e subprocuradora
No ano passado, chegou ao Tribunal de Contas da União (TCU) o processo de Ivana Mendonça Santos, que se habilitou como pensionista – na condição de filha solteira – do ex-ministro Ursulino Santos, aposentado nos cargos de procurador federal e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O TCU verificou que Ivana era também detentora de cargo público – subprocuradora-geral do Trabalho. O tribunal concluiu que ela não poderia ser beneficiária do montepio, uma vez que é ocupante de cargo público efetivo. Hoje, ela não recebe a pensão do montepio, permanecendo com a renda de subprocuradora.
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Na Fazenda, 182 pensionistas recebem um total de R$ 3,1 milhões do montepio por mês – média de R$ 17 mil. Os dependentes de ministros e desembargadores do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal Militar (STM), Tribunais Regionais do Trabalho e TST custam mais R$ 1,8 milhão por mês aos cofres públicos. A despesa com pensionistas do TCU e do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) fica em R$ 506 mil mensais.
Reportagem publicada neste blog mostra que os acúmulos de pensões e aposentadorias chegam a somar R$ 67 mil. Em alguns casos, pensionistas de tribunais acabam sofrendo o abate-teto no Montepio, mas há que consiga retomar o benefício por meio de decisões judiciais.
União arca com os pagamentos
Criado pelo presidente Marechal Deodoro da Fonseca em 1890 – sim, no século 19 –, o Montepio Civil foi exterminado por decisões da Advocacia Geral da União (AGU) e do TCU. Em outubro de 2013, o tribunal determinou ao governo federal a suspensão imediata das contribuições ao montepio e a supressão de novas pensões, uma vez que a AGU havia emitido parecer que “desconhece a legalidade do instituto”.
Na sua decisão, o TCU argumentou que, apesar das contribuições cobradas (4% dos subsídios), o montepio vinha sendo mantido com parcela de recursos públicos. “São parcelas muito substanciais, e não há justificativas constitucionais ou legais para tais gastos. O montepio outorga ao beneficiário uma renda vitalícia. Cálculos feitos com base em estimativas do IBGE dão conta de gastos públicos de grande monta, sem contrapartida”.
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O tribunal acrescentou que não havia uma relação atuarial nem previsão de tempo mínimo de contribuição. E mais: “Não há acúmulo de fundo para pagamento de benefício futuro, não há custeio direto para pagamento de benefício atual. Resumidamente, a União é quem arca com os pagamentos”.
Mas o TCU não foi assim tão duro na sua decisão. Num fundo de previdência privado falido, o prejuízo seria dos segurados. No caso do montepio bancado com recursos públicos, o tribunal recomendou que deveriam “ser respeitadas situações pretéritas já consolidadas porque a boa fé nas relações com a Administração deve prevalecer”.
Assim, concluiu que o Poder Executivo, responsável pela administração do montepio, manteria as pensões dos dependentes dos instituidores falecidos até um dia antes da publicação do parecer da AGU – 4 de abril de 2012.
Muitos dependentes
O Montepio Civil beneficia um grupo restrito de autoridades e um extenso quadro de beneficiários de pensões. Têm direito à pensão a viúva, os filhos menores, as filhas solteiras, as filhas viúvas “desamparadas”, a mãe viúva ou solteira, o pai inválido ou decrépito, as irmãs solteiras e viúvas e os filhos “varões” maiores inválidos ou interditos, como previa decreto de 1933. Outro decreto, de 1946, dispôs que a filha que casasse só perderia a pensão se coubesse à viúva a reversão do benefício.
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O montepio foi criado para os empregados do Ministério da Fazenda em outubro de 1890. Mas foi inchando aos poucos. A partir de 1927, permitiu o ingresso dos ministros do STF. Em 1956, o direito foi estendido aos desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, aos ministros do TCU e do Tribunal Federal de Recursos (TFR) – a segunda instância da Justiça Federal na época. Em 1966, juízes federais foram admitidos no montepio.
A partir de 1979, também podiam ser contribuintes os juízes do trabalho, desembargadores e juízes do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Mais um ano e foram admitidos os ministros do STM, juízes militares e auditores do TCDF e do TCU.
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