Quatorze filhas solteiras pensionistas do Senado Federal recebem o teto constitucional, que hoje é de R$ 33,7 mil. É o mesmo valor do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de deputados e senadores. A mais idosa desse grupo tem 88 anos. No total, 170 dependentes de ex-servidores do Senado recebem o benefício. O gasto anual com as filhas solteiras fica em R$ 32,4 milhões. A pensão mais antiga entre todas as pensionistas, no valor de R$ 28,8 mil, vem sendo paga há 64 anos.
Os dados foram obtidos pelo blog por meio da Lei de Acesso à Informação. Foram considerados como informações públicas, portanto. Até porque quem paga a fatura no final das contas é o contribuinte. O valor médio das pensões fica em R$ 14,7 mil – 2,6 vezes o teto da Previdência Social. A média é relativamente baixa porque 41 ex-servidores tiveram as suas pensões divididas por três (sete deles), quatro e até cinco dependentes. Mas 42 pensionistas têm renda acima de R$ 20 mil, numa média de R$ 30 mil – mais de cinco vezes o teto do INSS.
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A pensão das “filhas solteiras maiores” foi criada pela Lei 3.373, de 1958, numa época em que as mulheres tinham espaço menor no mercado do trabalho e dependiam mais financeiramente do pai ou do marido. Pela lei criada há 60 anos, elas só perdem a mordomia se ingressam no serviço público ou casam. Algumas escondem relações estáveis para manter o benefício durante décadas.
A mais idosa é Vânia Gonçalves Lima, de 88 anos. Ela recebe pensão desde 1989, atualmente no valor do teto constitucional. Maria Cecília da Silva, de 90 anos, que era beneficiada desde 1975, teve a sua pensão cancelada pelo Senado, em fevereiro no ano passado, em razão da “descaracterização da dependência econômica em relação ao instituidor da pensão”, seguindo decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) nos Acórdãos 892/2012 e 2.780/2016.
Júlia Chermont, de 87 anos, teve a sua pensão suspensa em março do ano passado pelos mesmos motivos. Mas a sua pensão, no valor de R$ 33,7 mil, foi restituída pela 17ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Aposentadoria do INSS, união estável, empresas
O Senado cancelou 35 pensões de filhas solteiras no início do ano passado por recomendação do TCU. O tribunal entendeu que pensionistas que tivessem outra renda, como emprego ou empresa na iniciativa privada, ou ainda recebessem benefícios do INSS, não dependeriam mais da pensão para sobreviver. Mas 23 pensionistas recuperaram o benefício na Justiça.
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Com 67 anos, Stella Alvares da Cruz recebe pensão desde 1973, atualmente no valor de R$ 17,5 mil. Ela teve a pensão cancelada em março do ano passado por também receber aposentadoria do INSS. Recuperou o benefício quatro meses mais tarde por decisão da 2ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia (RJ). Renilda Siqueira de Azevedo, de 56 anos, perdeu a pensão pelo mesmo motivo, mas não recuperou o benefício.
Julia Marques da Costa, de 53 anos, perdeu a pensão no mesmo mês porque “conviveu ou convive em regime de união estável”, segundo registra o processo do Senado Federal. Nesse caso, não teve volta porque ela perdeu a condição de “filha solteira”. O mesmo aconteceu com Yara Maria Lacerda, de 67 anos, que teve a pensão cancelada porque mantinha união estável.
O motivo para Josidea Vieira dos Santos, de 63 anos, perder a condição de beneficiária foi outro. Ela tinha renda própria advinda de atividade empresarial. Verônica Cavalcanti de Albuquerque, de 42 anos, teve e pensão cancelada porque era vendedora da empresa “Vinho In Box” e sócia-administradora da empresa “Onex Confecção de Vestuário”, como havia apurado o TCU.
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Já Tatiana Porto Gomes e Sousa, de 45 anos, perdeu o benefício porque ocupou o cargo de conselheiro Tutelar na Prefeitura de Torrinha (SP). Tania Mara Moreira Machado, de 64 anos, tinha duas fontes de renda, além da pensão do Senado. Era sócia da empresa “Cobre & Bronze Comércio de Roupas” e aposentada pelo Regime Geral de Previdência Social. As duas não recuperaram o benefício.
Fachin abriu a brecha
A recuperação da maior parte das pensões suspensas pelo Senado aconteceu a partir de decisão liminar tomada pelo ministro Edson Fachin, do STF, em abril de 2017. O ministro decidiu, basicamente, que o acórdão 2.780/2016 do TCU não pode prevalecer porque estabelece requisitos não previstos em lei.
O processo movido na Justiça por Gisele Castello Branco Portes mostra os argumentos em detalhes. O Senado havia cancelado a pensão, no valor de R$ 9,9 mil, porque ela contava também com renda de atividade empresarial e por conviver em união estável – irregularidades apontadas pelo TCU. Ela recorreu à 17ª Vara da Justiça Federal no Distrito Federal.
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A sua defesa comentou a acusação do TCU relativa à renda própria proveniente de duas pessoas jurídicas em seu nome, bem como a situação de união estável, “tomando como base a declaração de dependência dos filhos da pensionista”. Mas argumentou que esse posicionamento seria contrário ao direito já consolidado, “haja vista ter a requerente dependentes e de não receber nenhuma verba além da aludida pensão, razão pela qual depende economicamente do indigitado benefício. É ilegítima a criação de causa extintiva da pensão com base em interpretação extensiva da lei”.
“Maiores e aptas ao trabalho”
O juiz federal Rodrigo Bentemuller afirmou que, segundo entendimento jurisprudencial, no caso de pensão por morte, “aplica-se o regime jurídico vigente à data do óbito do instituidor. De acordo com a redação legal, a pensão temporária da filha solteira, maior de 21 anos, somente cessará se a beneficiária ocupar cargo público permanente”.
“Verifico que a impetrante é solteira, maior de 21 anos, e não ocupa cargo público permanente. Destarte, não cabe ao TCU inovar nas exigências legais e criar, por interpretação ampliativa, um requisito não previsto na norma jurídica”, relatou o juiz em dezembro do ano passado.
Ele repetiu trechos da decisão de Fachin, que argumentou: “Ainda que a interpretação evolutiva do princípio da isonomia entre homens e mulheres após a Constituição Federal de 1988 inviabilize, em tese, a concessão de pensão às filhas mulheres dos servidores públicos maiores e aptas ao trabalho, as situações jurídicas já consolidadas anteriormente não podem ser interpretadas retroativamente, caso dos presentes autos”.