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Foto: Gabriela Korossy/Agência Câmara
Foto: Gabriela Korossy/Agência Câmara| Foto:

Uma vez eleito presidente, Jair Bolsonaro (PSL) promete fazer sua própria reforma da Previdência. A expectativa é que ele corte privilégios de servidores públicos, mas há dúvidas se irá mexer em um benefício específico: as fabulosas pensões das filhas solteiras. Alguns apoiadores afirmam que sim. O problema é que a maior parte das filhas beneficiadas está nas Forças Armadas.

Em discurso feito na Câmara dos Deputados no início do governo Lula, que ameaçava mexer na previdência militar, Bolsonaro disse publicamente o que pensa sobre o assunto.

Ele começou lembrando o seu voto no ano anterior: “Por oito anos, fiz oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso. Tanto que, no segundo turno, não votei em José Serra. Esperava por mudanças”. As mudanças, no caso, seriam providas por Lula, em quem votou em 2002. Mas avisou: “Estou um tanto quanto apreensivo neste início do governo Lula, principalmente no tocante à previdência militar e à dos servidores públicos”, afirmou o deputado em fevereiro de 2003.

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Bolsonaro temia pelo fim de um privilégio secular: “Militar não desconta para a Previdência. Assim é e sempre foi no Brasil e em qualquer outro país do mundo. Há um contrato unilateral de trabalho, no qual é dito o seguinte ao militar: eu banco sua previdência, você não desconta para ela, mas não terá direito a hora extra e a fundo de garantia, não pode sindicalizar-se, fazer greve, filiar-se a partido político”. Acrescentou que o militar desconta exclusivamente para a pensão militar, destinada a seus dependentes.

“Querem abolir o privilégio”

O deputado entrou, então, na questão das filhas solteiras: “Querem abolir o privilégio, como dizem, da pensão das filhas. Ora, meu Deus do céu, o militar contribui para esse benefício desde que senta praça, até a morte. Paga pensão em nome das filhas, mesmo que não as tenha. Se tiver uma, ela poderá ser beneficiada. Tenho quatro filhos homens e pago pensão militar. No meu caso, não tenho retorno do benefício [na época, ele não tinha filha]”.

E defendeu a manutenção do benefício: “O clima de terror foi novamente instalado no seio militar. A filha que recebe pensão vai continuar a ter esse direito? Há um acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 1995, segundo o qual, para ser deferida a pensão da filha, tem de ser levada em conta a legislação existente na data do óbito do militar, e não na data do óbito da viúva. Ficamos então naquele chamado grupo de risco, relativo à pensão da filha do militar vivo”.

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Bolsonaro se referia às novas regras definidas pela Medida Provisória 2.215-10, de 2001, que extinguiu benefícios previstos na Lei 3.765/60 e criou uma regra de transição. Os militares contribuem com 7,5% do soldo para financiar a pensão de seus dependentes. Com mais 1,5% de desconto nos contracheques, são mantidos os benefícios generosos previstos na legislação anterior, incluindo a pensão vitalícia para filha de qualquer condição. Pensões concedidas até a data da edição da MP foram mantidas e são custeadas pela União.

Benefício caro para o contribuinte

O custo dos inativos e pensionistas do Ministério da Defesa – que reúne Aeronáutica, Exército e Marinha – vai ficar em R$ 23 bilhões neste ano, segundo prevê o Orçamento da União. Como bem lembrou Bolsonaro, os militares não descontam para a Previdência. A contribuição que fazem, no valor de 7,5% do soldo, é para custear as pensões dos seus dependentes.

Mesmo que contribuíssem, haveria outro obstáculo ao equilíbrio de contas da Previdência. A proporção de inativos e pensionistas é muito elevada. Segundo dados do Ministério do Planejamento, a soma dos gastos com servidores civis aposentados e seus pensionistas representa 38% das despesas com pessoal. O restante é gasto com servidores ativos. No caso dos militares, a despesa com os militares de reserva e seus dependentes chega a 63% do total. No Legislativo, esse percentual fica em 42%. No Judiciário, 28%.

O benefício secular da pensão para filhas de militares também custa caro aos cofres públicos. São R$ 6 bilhões por ano – dinheiro suficiente para adquirir 16 dos 36 jatos militares Gripen, fabricados pela empresa sueca Saab. E elas têm um privilégio em relação às filhas dos servidores civis: podem ser solteiras, casadas, viúvas, desquitadas, em união estável. São 87 mil beneficiadas, sendo 66 mil no Exército.

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O curioso é que 45 mil dessas pensionistas são idosas – com mais de 60 anos. Sete mil delas têm mais de 80 anos. O número de beneficiadas com até 21 anos é o mesmo daquelas com mais de 90 anos – cerca de 1,2 mil. Trinta e sete delas são centenárias. Os dados foram levantados pelo blog com base na Lei de Acesso à Informação.

O benefício é tão atraente que gera situações inacreditáveis, inclusive na cúpula das Forças Armadas. O general Emílio Garrastazu Médici, por exemplo – que comandou a ditadura militar no seu período mais violento – adotou a neta Cláudia Candal quando ele tinha 79 anos, um ano e oito meses antes de morrer. Cláudia tinha 21 anos, não residia com o avô e tinha pai vivo com emprego de alta remuneração. Recebe a pensão até hoje.

O general Paulo César de Campos adotou a neta de 24 anos aos 91 anos, quando tinha saúde bastante debilitada, com degeneração senil do cérebro, dificuldade para caminhar e alterações da memória. A neta era formada em Direito. O general ainda casou aos 97 anos e morreu dois anos depois. A pensão da neta foi considerada ilegal pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Justiça, mas o benefício da viúva foi mantido.

Filhas donzelas ou viúvas

A origem da pensão para filhas solteiras remonta ao tempo do Brasil Colônia, no século 18. Em setembro de 1795, foi aprovado o Plano de Montepio dos Oficiais da Armada Real Portuguesa – precursora da Marinha. Os oficiais contribuíam com um dia de soldo para garantir uma renda às viúvas, e, na falta delas, às filhas “donzelas ou viúvas”, que dividiriam igualmente a pensão, mesmo que casassem após a concessão. A pensão militar, portanto, antecede à criação do sistema previdenciário no Brasil, em 1923.

Bem antes disso, em 1823, o Governo Imperial concedeu às viúvas ou órfãs de oficiais do Exército mortos nas lutas pela Independência do Brasil o benefício de meio soldo de seus maridos ou pais. A regulamentação das pensões das filhas pensionistas do Exército veio em 1847, quando o governo estabeleceu que as filhas solteiras continuariam a receber o meio soldo mesmo depois de casadas.

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No ano de 1902, a República estendeu, definitivamente, às filhas casadas o direito à percepção do meio soldo e ao montepio da Marinha. A situação ficou ainda mais definida em 1946, quando um decreto assegurou a pensão às filhas solteiras, viúvas, casadas ou desquitadas. A Lei nº 3.765/60 unificou todos os benefícios em apenas um, conhecido como pensão militar, e consolidou a expressão “filhos de qualquer condição”, que beneficia filhas pensionistas sem qualquer restrição.

Os dados históricos estão registrados no Trabalho de Conclusão de Curso apresentado por Gilson Gomes de Oliveira na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás.

Outro lado

O blog procurou a assessoria parlamentar do deputado Jair Bolsonaro, informou o conteúdo da reportagem e perguntou se o deputado mantém as posições defendidas em fevereiro de 2003, no plenário da Câmara. Não houve resposta até o fechamento da edição.

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