Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), obtido com exclusividade pelo blog, aponta “prática de tráfico de influência e ato de improbidade administrativa” pelo ex-secretário municipal de Saúde de Campo Grande, Luiz Henrique Mandetta. Ele teria recebido “vantagem indevida de empresa preparada única e exclusivamente para a contratação de convênio”, entre o Ministério da Saúde e a Prefeitura de Campo Grande (MS), para implantação de um prontuário eletrônico, no valor de R$ 8,9 milhões, em 2009.
Indicado para o cargo de ministro da Saúde no governo Bolsonaro, Mandetta responde a inquérito criminal que apura as irregularidades apontadas pela CGU. O inquérito 3.949/DF foi aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em decorrência da prerrogativa de foro, por se tratar de um parlamentar – Mandetta é deputado federal pelo DEM. Mas foi enviado à Justiça Federal do Mato Grosso do Sul, em 23 de agosto deste ano, porque o STF havia decidido, em maio, que o foro por prerrogativa de função de deputados e senadores abrange apenas crimes ocorridos durante o mandato e relacionados ao seu exercício.
LEIA TAMBÉM: Contrato que gerou investigação de ministro de Bolsonaro deixou dívida de R$ 19 milhões, diz Ministério da Saúde
O relatório da CGU, de 2014, concluiu que Mandetta realizou viagem a Portugal, no período de 13 a 17 de janeiro de 2010, para visitar a sede da empresa Alert Serviços de Informática, que foi subcontratada, 17 meses mais tarde, pela empresa líder do consórcio que venceu a concorrência em 2009, a Telemídia & Technology International. As passagens aéreas para Lisboa foram pagas pela Telemídia.
Segundo a CGU, o ex-secretário municipal de Saúde teria realizado viagens domésticas durante o período de sua campanha eleitoral à vaga de deputado federal (pleito de 2010) com passagens aéreas pagas pela empresa Beydoun International, pertencente a um sócio da empresa líder do consórcio contratado pela Prefeitura de Campo Grande.
Tráfico de influência
“Como justificar a viagem para supostamente conhecer a sede da executora do contrato se a referida empresa é nacional e não possui qualquer filial ou sucursal no exterior. Caso o ex-secretário se refira à empresa Alert Life Sciences Computing, sediada em Portugal e matriz da empresa ilegalmente subcontratada pela Telemídia, a viagem não se justificaria, pois a solicitação para sua subcontratação somente foi formalizada pela Telemídia em 27/06/2011”, diz o relatório.
LEIA TAMBÉM: Vencedor de licitação feita por ministro de Bolsonaro apresentou carta de fiança e endereços falsos, diz CGU
A Controladoria concluiu que foi configurada a prática de ato de improbidade administrativa e de tráfico de influência, “em virtude do recebimento indevido e imoral de benefício (viagens aéreas nacionais e internacionais), custeado por uma empresa contratada pela administração municipal em um certame licitatório eivado de vícios insanáveis que direcionaram a adjudicação do objeto licitado e acarretaram em pagamentos indevidos sem a plena execução dos serviços contratados”.
A CGU condenou a “aprovação indevida”, pelo Ministério da Saúde, das prestações de contas apresentadas pela Prefeitura de Campo Grande/MS, “permitindo a continuidade da execução do ajuste, com prejuízo ao erário decorrente de pagamentos indevidos por serviços não executados”.
“Pagamentos indevidos”
Os auditores apuraram que foram efetuados pagamentos indevidos pela Prefeitura de Campo Grande à Telemídia & Technology International, com prejuízo ao erário estimado em R$ 6,8 milhões (71,28% dos R$ 9,6 milhões gastos), a partir da emissão de documentos fiscais em valores superiores ao quantitativo efetivamente desenvolvido, implantado e em funcionamento do sistema de gestão contratado – sistema GISA.
Foi apurada também restrição ao caráter competitivo da licitação, “mediante a inclusão de cláusulas exorbitantes no edital da concorrência nº 025/2009, restritivas ao caráter competitivo da licitação e violadoras dos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da igualdade”.
Teria ocorrido, também, fraude documental ocorrida no processo licitatório, mediante a apresentação de documentos financeiros forjados por parte do consórcio contratado pela prefeitura, como garantia da execução do objeto do contrato.
“Ficou evidenciada ainda a completa ausência de capacitação técnica aventada pelas empresas que integravam o consórcio Contisis no ato de habilitação à Concorrência nº 025/2009, haja vista a necessidade de uma empresa alheia ao consórcio para a supostamente garantir a conclusão do sistema que deveria ser entregue”, diz o relatório.
“Só um questionamento?”
Entrevistado pelo blog, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) disse que ouviu a seguinte pergunta de Jair Bolsonaro quando mostrou a investigação que havia contra ele: “Você nem réu é. Pra você ficar seis anos como secretário de Saúde e ter só um questionamento…”. O deputado disse para o presidente eleito consultar a sua equipe e ficar à vontade para escolher outro nome, se achasse necessário. Mas Bolsonaro bancou o seu nome como ministro.
Mandetta relatou todo o processo do convênio que originou o inquérito contra ele e comentou até mesmo a viagem a Portugal. Contou que o projeto começou em 2008, mas o contrato foi assinado em setembro de 2009. “Em março de 2010, saí da secretaria com 0,15% do contrato executado”.
Ele relata, então, como surgiu a subcontratação da Alert: “No último mês, na Feira Hospitalar Brasileira, surgiu o sistema de informática Alert, de Portugal, dois meses após o contrato assinado. E ela se apresentava com a linguagem assumida pelo Ministério da Saúde. O consórcio que havia sido formado. Eu disse a eles, esse programa aqui é muito forte, entrou no sistema de saúde da Inglaterra, da França, da Espanha e está entrando no Brasil. Considerado melhor sistema em saúde do mundo. E o ministério estava interessado que esse sistema viesse para o SUS. O sistema estava entrando [nos hospitais] da Beneficência Portuguesa e no Einsten”.
“Então, o consórcio falou, nós vamos até Portugal para conhecer. Eu fui, e eles pagaram a passagem, a hospedagem. Eles já eram contratados, isso sempre foi público. Então, surgiu isso, se eles podiam ou não entrar no consórcio. Sai da secretaria com essa discussão em andamento. A Procuradoria Jurídica concordou com isso. E foram desenvolver o sistema. Passou 2011, 2012. Esse sistema teve seis auditorias do Datasus”, afirma Mandetta.
“Em 2013, eles utilizam um deputado do PT na Assembleia Legislativa que faz um relatório e diz que não podia ter entrado. E manda para todos os órgãos. A CGU faz o mesmo parecer, são gêmeos, e havia muito mais uma briga política. O alvo era o ex-prefeito, o Nelson Trad Filho. E o MP mandou para Brasília. A PGR pede para o ministro investigar, ele autoriza e, até hoje, não sou réu em nenhum desses processos”, comenta.
LEIA TAMBÉM: Móveis de luxo, hidromassagem e mármore: a reforma milionária que a Câmara tirou do papel
“Agora, temos que aguardar porque, infelizmente, a Justiça tem um tempo próprio. A gente fica numa situação desconfortável. Isso é muito ruim. Agora, vamos lutar”, comentou.
Sobre as viagens pagas pela empresa líder do consórcio, afirmou: “Nunca me questionaram nada daquilo. Tem que aguardar. Pode ser que nesses momentos de Brasil extremamente judicializado, pode ser que isso seja um problema, eu disse a ele [Bolsonaro]. Pode ser que outros nomes possam lhe ajudar mais do que eu. ‘Tem que aguardar’, é o que disse o presidente”.