Os militares contam com generosas regras de aposentadoria. Não pagam contribuição previdenciária nem participam do sistema previdenciário. Suas aposentadorias são integralmente bancadas pela União. Na ativa, contam com os mesmos penduricalhos pagos aos servidores civis e outros próprios de militares. Só os benefícios fixos – auxílio-alimentação e transporte, assistência médica e pré-escolar – custam R$ 3,4 bilhões por ano aos cofres públicos. Já as despesas com remuneração, aposentadorias e pensões somam R$ 64,7 bilhões anuais.
Mesmo que pagassem contribuição, a previdência dos militares seria deficitária. A despesa com aposentados (na reserva) e seus dependentes representa 65% da folha de pagamento das Forças Armadas, segundo dados do Ministério de Planejamento. Entre os servidores civis, esses gastos ficam em 39% da folha.
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Os 160 mil militares aposentados recebem R$ 21,8 bilhões por ano (dados de 2017), com uma média mensal de remuneração de R$ 11,3 mil. Mais do que o dobro dos militares da ativa (373 mil), que têm média salarial de R$ 5,2 mil, gerando uma despesa anual de R$ 23,3 bilhões.
Mas ainda tem 126 mil “instituidores de pensão” – militares que morreram e deixaram pensões para 205 mil dependentes. O custo anual desses benefícios fica em R$ 19,6 bilhões. Média mensal de R$ 13 mil considerando os instituidores, ou R$ 8 mil considerando os pensionistas. Mesmo os pensionistas têm média superior aos militares da ativa. Isso se explica, em parte, pelo elevado número de marinheiros, soldados e recrutas (154 mil) na ativa, que recebem em média R$ 1,8 mil.
“Sempre foi assim”
Em pronunciamento feito na Câmara em fevereiro de 2003, o deputado Jair Bolsonaro, hoje presidente eleito, defendeu o financiamento da previdência dos militares pela União. “Militar não desconta para a Previdência. Assim é e sempre foi no Brasil e em qualquer outro país do mundo. Há um contrato unilateral de trabalho, no qual é dito o seguinte ao militar: eu banco sua previdência, você não desconta para ela, mas não terá direito a hora extra e a fundo de garantia, não pode sindicalizar-se, fazer greve, filiar-se a partido político”.
Os militares contribuem para o Sistema de Proteção Social, que pode chegar a 12,5% da remuneração bruta, mas essa verba não vai para suas aposentadorias. Descontam 7,5% da sua renda para custear a pensão militar, destinada a seus dependentes. Mais 3,5% custeiam a sua assistência médico-hospitalar e social. Também bancam 20% das despesas com tratamento médico próprio e de seus dependentes. Militares que ingressaram na carreira antes de 2001 também tiveram a opção de pagar mais 1,5% para deixar pensão para as filhas maiores.
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Além da previdência, outros benefícios oferecidos aos militares são custeados pela União. O auxílio-alimentação custa R$ 1,5 bilhão por ano, sendo 15% em dinheiro e o restante “em rancho” – alimentação servida nos quartéis. O auxílio pré-escolar soma R$ 272 milhões por ano. O auxílio-transporte, mais R$ 518 milhões. A assistência médica e odontológica fica por mais R$ 1 bilhão, beneficiando também dependentes de militares e ex-combatentes.
A legislação que regulamenta a remuneração dos militares prevê ainda outros direitos como diárias, ajuda de custo para locomoção e instalação nas mudanças de sede, auxílio-fardamento, auxílio-natalidade, auxílio-invalidez, auxílio-funeral, adicionais de férias e natalino. Despesa com transporte é paga em dinheiro quando não for realizado por conta da União, para custear despesas nas movimentações por interesse do serviço, incluindo passagem, bagagem, para si e seus dependentes, para a localidade onde o militar fixará residência no território nacional.
“Não significa privilégio”
Seguindo a linha de Bolsonaro, o Comando do Exército afirma que não há “privilégios” para os militares. “As peculiaridades da carreira sempre levaram os militares a terem um tratamento diferenciado, o que não significa privilégio. Os militares não usufruem de uma série de direitos de um trabalhador em geral ou de um servidor público. Aos militares, por exemplo, não é permitido receber horas-extras, adicional noturno, adicional de periculosidade e FGTS”.
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Sobre o fato de os militares não pagarem contribuição previdenciária, o Comando respondeu: “Os militares das Forças Armadas nunca tiveram e não têm um regime previdenciário estatuído, seja no âmbito constitucional, seja na esfera da legislação ordinária. Assim define a Constituição Federal. Historicamente, por mais de uma vez, o Congresso Nacional refutou essa existência. Em 1996, por exemplo, Comissão Especial rejeitou as sugestões de referências explícitas a regimes previdenciários próprios dos militares. As Emendas Constitucionais 18 e 20, ambas de 1998, consolidaram a separação dos militares das Forças Armadas em relação aos servidores públicos, inclusive em matéria previdenciária”.
A Marinha também respondeu questionamentos sobre o não pagamento da contribuição previdenciária: “Os militares não contribuem nem fazem parte de qualquer regime de Previdência Social. Eles possuem um sistema de proteção social específico, custeado pelo Estado, que lhes garante os proventos quando não mais estão no serviço ativo”.
A Aeronáutica afirmou que o Sistema de Proteção Social dos Militares “é constituído por um conjunto integrado de instrumentos legais e ações afirmativas de pagamento de pessoal, saúde e assistência integrada ao pessoal, que visam assegurar o amparo e a dignidade aos militares das Forças Armadas e seus dependentes, haja vista as peculiaridades da profissão militar”.
“Militar não se aposenta”
Após a publicação desta reportagem, a Marinha enviou nota contestando algumas afirmações. com esclarecimentos sobre o ingresso dos militares na “reserva”. “Inicialmente, cumpre lembrar que o militar das Forças Armadas, conforme estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil, não está enquadrado em nenhum regime de previdência. O militar não se aposenta, ele ingressa na reserva mantendo o vínculo com a profissão militar, podendo ser mobilizado a qualquer momento e permanecendo sujeito aos códigos e regulamentos militares”.
“Na verdade, na ausência de um regime previdenciário, para que não fique desamparado, o militar das Forças Armadas tem um Sistema de Proteção Social que é constituído por um conjunto integrado de instrumentos legais e ações permanentes voltadas para o pagamento de pessoal, saúde e assistência integrada ao pessoal, que visam assegurar o amparo e a dignidade aos militares das Forças Armadas e seus dependentes, haja vista as peculiaridades da profissão militar. Nesse contexto, o militar contribui para a Pensão Militar por toda a sua vida”.
A reportagem informou que os militares contribuem para o Sistema de Proteção Social, que pode chegar a 12,5% da remuneração bruta, mas acrescentou que “essa verba não vai para suas aposentadorias”, e sim para o custeio da pensão de seus dependentes e para assistência médica.
A Marinha respondeu que, “diferentemente do que foi afirmado na parte introdutória do questionamento, os militares não contribuem com 12,5% ‘para assegurar sua aposentadoria/reserva’. Primeiro, porque o militar não se aposenta, o que impede a utilização de tal termo; segundo, porque a remuneração do militar inativo é um encargo financeiro da União (e não um regime previdenciário), não havendo, portanto, necessidade de contribuições para tal fim. O militar da Marinha do Brasil contribui com até 12,5% (da sua remuneração bruta) para pensão militar e para o Fundo de Saúde da Marinha”.