Portaria do Ministério da Defesa publicada nesta segunda-feira (6) proíbe a utilização de serviços de taifeiros (cozinheiros e copeiros) das Forças Armadas em atividades particulares nas residências ocupadas por oficiais-generais. No mês passado, este blog mostrou as humilhações a que taifeiros eram submetidos, como servir comida para cachorros e lavar roupas íntimas das esposas de generais.
A Portaria nº 29 (leia abaixo) determina que o serviço de taifa nas residências ocupadas por autoridades militares que exerçam função de natureza política, direção ou comando deve ser empregado apenas em situações de cunho representativo. A norma diz que o serviço prestado em residências oficiais possui natureza não regular e compreende as atividades de cozinha e copa em organização de eventos oficiais.
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Ação civil pública movida pelo Ministério Público Militar em Santa Maria (RS) revelou casos de desvio de função e abuso de poder por parte de oficiais-generais. Os taifeiros eram obrigados a preparar jantares para familiares e amigos de autoridades militares, servir café da manhã para familiares, organizar eventos como bingos e rifas para esposas de oficiais-generais, buscar amigos no aeroporto e lavar roupas dos militares e de suas esposas.
Levantamento feito pelo blog, a partir de dados oficiais dos três Comandos Militares, mostrou que o custo anual com os taifeiros atinge R$ 35 milhões atualmente. São 292 na ativa, 135 na reserva e 436 pensionistas. O quadro está em extinção na Marinha e no Exército, mas continua ativo na Aeronáutica.
Briga na Justiça
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deve decidir nas próximas sessões sobre uma ação que pede o fim da utilização dos taifeiros em eventos particulares na casa dos oficiais-generais. A Justiça Federal proibiu essa prática, em 2013, em primeira instância. O TRF-4 inicialmente confirmou, mas depois reformou a decisão. Como houve recurso, haverá novo julgamento no tribunal a qualquer momento. Mas o Ministério da Defesa se antecipou com a Portaria 29 e acabou com o uso de taifeiros em eventos particulares.
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O depoimento mais completo sobre as humilhações foi prestado pelo sargento da Aeronáutica Victor Hugo Briones, no Rio de Janeiro. Em 30 de julho de 2012, ele afirmou que, em muitas ocasiões, os taifeiros desempenham tarefas para “servir aos caprichos e proporcionar bem-estar aos familiares e amigos do oficial ou ainda aos amigos dos familiares do oficial”. Citou o exemplo de um militar que teve problemas porque questionou o brigadeiro sobre o fato de ter que levar uma empregada doméstica para fazer faxina numa residência de praia, localizada em outro município, no veículo particular do próprio taifeiro.
“Algumas vezes, dirigia o carro da família para recolher pessoas familiares e hóspedes no aeroporto. Também era solicitado para tomar conta de idosos, crianças e animais domésticos. Eu e o soldado lavávamos os carros da família. O da filha do general era um Renault Clio; e da esposa um New Civic. Além disso, lavei banheiro e limpei a casa. Várias vezes, saímos às 3h da manhã da residência do general, depois de preparar jantar para seus amigos íntimos, ou amigos da pós-graduação da filha do general. Inúmeras vezes, saímos depois do horário do expediente para organizar eventos como bingo para a esposa desse general juntamente com as esposas de outros generais e de oficiais superiores”, relatou Briones.
Limpar fezes de cachorros
Ele descreveu em detalhes a maior humilhação sofrida: “Ao chegar, tínhamos que limpar as fezes e urina dos cachorros deixados no quarto e no banheiro em que trocávamos roupa. Após lavar a louça, praticamente todos os dias, preparava a mistura, colocada por mim ou pelo sargento De Paula, para os três cachorros – Baruk, Vanile e Speedy – comerem no horário do almoço. Essa mistura consistia em pedaços de frango desfiado, carne moída ou coração em pedaços, com algum legume ralado ou talo de verdura picado”.
Em depoimentos feitos em Brasília, taifeiros relataram os serviços que executavam em casas de generais: “As tarefas são limpar banheiro de general, lavar roupa. A roupa do general, da madame, dos filhos que moram com eles, com netos que moram. Taifeiro lava e passa. Outra coisa: elas não arrumam cama. Quem arruma são os taifeiros. Também vamos ao supermercado, empurrar carrinho da madame”, contou ele.
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Outro taifeiro relatou um fato que considerou humilhante. “Sou o copeiro, mas fazia o serviço pesado da casa, limpeza das residências, a arrumação de móveis. Lavava cinco banheiros. Mas o que mais me chocou foi uma situação humilhante. Uma madame pegou as calcinhas dela, me colocou nas mãos e disse que era para eu lavar. Eu tirava do banheiro as calcinhas dela, as cuecas do general. Tinha coleção de cuecas, de calcinhas, pretas, amarelas, brancas, de renda”.
A partir desses depoimentos, a juíza federal Gianni Konzen conclui que a utilização de servidores militares como empregados domésticos nas residências de oficiais-generais, “fere não somente a legalidade, como a moralidade e a impessoalidade e, de forma direta e frontal, em muitos casos, a dignidade da pessoa humana, na figura dos militares sujeitos a tratamento não condizente com a sua condição de cidadão e servidores públicos”.
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