Foto: Divulgação/UFC
Genética privilegiada
Com 1,57 m de altura, Jéssica não é das atletas mais altas para o peso-palha. Porém, com seu estilo ‘compacto’, compensa qualquer desvantagem com muita força física.
Característica que veio da mãe, também baixinha e forçuda. E não foi a única herança materna. “A Jéssica tem muito mais força que eu. Eu só tenho força de coragem”, garante Neuza, que se define como briguenta na infância e adolescência.
Fã dos filmes de Bruce Lee, a agricultora recorda que aos 18 anos precisou enfrentar uma garota para defender sua irmã. Mesma confiança que não falta à filha.
“Ela chegou perto de mim, eu peguei as costas dela e fiquei ‘carcando’ golpes. Ela caiu, eu dei uns tapas e depois levantei. Falei que não queria mais brigar. Quando dei as costas, ela voou pra cima de mim. Eu só me abaixei, a joguei no chão e ela acabou quebrando o braço”, narra.
Fernando Andrade, irmão mais velho da lutadora, também já sofreu com a força de Jéssica. “Era difícil ter um dia que a gente não brigasse. Algumas vezes eu batia, mas ela ganhava a maioria. Mesmo três anos mais velho, ela já era mais forte. Se duvidar, daqui a pouco a caçula Nicoli já está me batendo também”, brinca.
A virada
2013 foi o ano que mudou a vida da lutadora. Em janeiro, a paranaense conseguiu mais uma vitória em um torneio de pequena expressão, já no Rio de Janeiro. Três meses depois, sua próxima luta já aconteceria em outro patamar, na Rússia, no ProFC 47. A adversária local, Milana Dudieva, vinha de oito triunfos seguidos.
Gilliard Paraná não teve dúvida em escalar Jéssica, ainda crua, em uma disputa tão importante. “Nego fala que é botar em fria. Mas se o atleta estiver bem treinado, pega a fria e esquenta. Sou conhecido por isso. Em uma equipe maior dificilmente iriam acredita nela naquele ponto da carreira”, afirma o líder da PRVT.
“Não teria nada do que tenho hoje sem o mestre. Quem apostaria em uma menina faixa-azul que não sabia nada e lutava só na vontade. Ele sempre insistiu. Nunca tive técnica e aprendi muita coisa com ele. Ele me colocou em lutas que ninguém colocaria”, reforça Jéssica.
Depois de finalizar Dudieva, ainda no hotel em Rostov, eles ouviram do empresário Tiago Okamura que o Invicta FC, principal evento exclusivamente feminino, havia mandado um contrato. Queriam contratá-la de imediato.
Paraná aconselhou a esperar por três meses. E foi exatamente nesse intervalo que apareceu o UFC.
Primeira brasileira no UFC
No fim de julho, Bate-Estaca pisava no octógono do Ultimate pela primeira vez — e também foi a primeira brasileira competir no maior evento do mundo. Na categoria galo (até 61 kg), foi derrotava por Liz Carmouche. Nocaute técnico no segundo round.
Prova de que o nível de competição era mesmo diferente. “Ela era muito crua quando comecei a treiná-la. Mandava dar um jab e dava um cruzado. Ela aprendeu a lutar mesmo foi no UFC. Fomos moldando ela lá”, ressalta o treinador.
Nessa mesma divisão, a paranaense emendou três vitórias seguidas. Depois, perdeu para Marion Reneau, derrotou Sarah Moras e foi derrotada na revanche com Raquel Pennington.
Descida para cima
Foi aí que Paraná teve outro estalo. “Vamos descer de divisão”, avisou.
Jéssica concordou de prontidão. Se já conseguia bater em adversárias maiores, teria uma vantagem interessante diante de rivais teoricamente mais fracas. Outro benefício seria aumentar seu gás. Mas para funcionar, ela teria de mudar sua atitude.
“Antes era só McDonalds. Não era bem profissional. Hoje ela é, tem uma vida mais saudável e bate o peso com tranquilidade”, garante o treinador.
A tática deu tão certo que depois de passar por Jessica Penne e Joanne Calderwood, a brasileira recebeu a chance de disputar o cinturão.
Oferta recusada. A decisão foi por ganhar mais experiência e se preparar melhor. Em fevereiro de 2017, veio o triunfo por decisão unânime sobre Angella Hill.
Agora Jéssica estava pronta.
Pai e filha
A relação entre Jéssica e Gilliard extrapolou o convívio de professor e aluna. Não é clichê dizer que ele virou um segundo pai para a lutadora. “Chamo ela de filhota. As outras atletas ficam até com ciúmes”, revela o mestre, que dos quase cinco anos de convívio até aqui, dividiram casa por quase quatro.
“Até pouco tempo atrás eu metia nas decisões pessoais dela. Agora que está mais madura que não estou mais”, prossegue.
Como lutadora, a paranaense é pura raça — não desiste nunca e tem muita autoconfiança. No lado pessoal, o coração da garota é o que mais chama atenção do ‘segundo pai’.
“É uma menina 100%. Ela sempre ajuda as pessoas, compra comida, remédios. Na última Páscoa, foi até o banco e sacou diversas notas de R$ 50. Entrou no alojamento da academia e colocou em baixo do travesseiro de cada uma das meninas que treinam aqui com um bilhete. Um coração enorme”, elogia.
Futura campeã
Bate-Estaca tem muita confiança de que será a segunda brasileira campeã do UFC — a baiana Amanda Nunes foi a primeira, no ano passado. “Eu já vejo esse cinturão na minha cintura. A Fernanda [esposa] diz que só estou indo buscar”, fala a lutadora de Umuarama.
“Eu quero vencer. Vou dar meu máximo. Se não conseguir, sei que vou ter outra oportunidade. Sou nova. Mas todo mundo que me conhece sabe que sou confiante. Já entro com o pensamento que serei campeã. Sei que a Joanna é perigosa, mas penso que posso ser mais perigosa ainda. Isso faz uma grande diferença”, atesta.
Paraná admite que a rival polonesa, ainda invicta na carreira, é favorita. O trabalho deles é surpreender.
Afinal, não passaram por tanta coisa por nada. “A Jéssica nasceu uma campeã. Ela ainda é uma atleta intermediária, não chegou no ápice, e já está disputando o cinturão. A maioria das atletas do UFC já está em 80%, 90% de seu desenvolvimento. Ela não chegou na metade e tem grande chance de vencer com seu vigor e a patada que tem nas mãos. O favoritismo da Joanna não é sinônimo de vitória”, prevê.