A torcida do Paraná proporcionou uma noite sem igual na Arena. Coloriu o estádio do rival Atlético da beirada do gramado até o último degrau do segundo andar. Mosaico, faixas, todo o tipo de adereço, uma festa como poucas na centenária história do futebol do estado.
Agora, mais do que cor, a torcida do Tricolor trouxe energia ao Joaquim Américo. Deu vida. Pode parecer só concreto, mas não é. Um estádio é um “organismo” e, para ter saúde, precisa, primordialmente, estar repleto de torcedores.
Só assim ganha algum sentido. Só assim justifica a sua existência. Só assim tem alguma graça. Só assim é possível perceber aquele atmosfera única do esporte: um “bafo” que fica no ar, um “rugido” que se ouve ao longe, uma “tensão” que, alguns dizem, é possível cortar com uma faca.
E não é somente a reunião de pessoas, como citei acima, na capacidade máxima da praça esportiva, que proporciona tudo isso. É preciso alguma liberdade, para se expressar, é necessária alguma mistura, de pessoas, idades, classes sociais. Com ingressos para todos os bolsos, cheios e vazios.
Enfim, tudo aquilo que formou a identidade e a cultura do futebol brasileiro nas arquibancadas. Tudo aquilo que sempre foi natural ao nosso torcedor. Tudo aquilo que, aos poucos, está sendo deixado de lado em nome de uma elitização que, até então, só produz estádios vazios.
Plateia de biblioteca e o caminho de volta
Alguns países já trilharam esse caminho, por diversos motivos. No caso da Inglaterra, por causa da segurança, justificativa mais nobre possível. Entretanto, a mudança provocou um efeito colateral: esfriou os estádios, criou as apelidadas “library crowds” (plateia de biblioteca, na tradução do inglês).
Por causa disso, há uma corrente cada vez mais forte de retorno. As torcidas inglesas passaram a “apanhar” no grito dos visitantes em jogos internacionais. E há um engajamento geral para buscar um equilíbrio, que contenha segurança e ambiente de futebol.
É o que a Arena da Baixada não tem mais. Com tantas restrições, virou um estádio frio, sem o “bafo”, sem o “rugido”, uma versão ultramoderna e ultragelada do espaço que já foi reconhecido como o Caldeirão do Diabo. Um campo que, por si só, metia medo nos adversários.
Com raras exceções, como no jogo com o Flamengo pela Libertadores, a Arena da Copa, ou Catedral da Copa, como alguns preferem dizer, lembrou o velho Joaquim Américo. No espírito, claro. Com tantas imposições da diretoria, e a divisão política que tomou conta dos torcedores, normalmente não há clima.
E, veja bem, antes que alguém apele para a mais tola das explicações, de que é tudo “culpa da torcida organizada Os Fanáticos”, que não soube se comportar e está pagando o preço. É uma análise superficial demais. Explico abaixo.
Primeiro, que violência nunca foi o principal problema para a diretoria do Furacão. Fosse questão fundamental, a chapa vencedora das eleições, CAPGigante, não teria se aliado aos Fanáticos dois anos, repito, dois anos depois da barbárie perpetrada em Joinville por integrantes da organizada.
Depois que, para quem acompanha o Furacão há anos como jornalista, é evidente um movimento por parte do clube de imposição de uma realidade, antes “inglesa”, e agora, “americana” de torcer. O Rubro-Negro quer que seu público consuma, apareça no telão, tenha uma tarde de entretenimento. E só.
É o que atualmente se chama de um comportamento “passivo” do público. Uma plateia que não participa do evento, como sempre foi a marca do futebol, mas apenas o assiste. Não interfere. Só se “diverte”. Não xinga, apenas aplaude (até derrota?). E twita, faz selfie, instagrameia.
Obviamente, é algo que não combina com a cultura brasileira de arquibancada. E que só o Atlético tenta empurrar goela abaixo. Não é assim em várias das novas arenas do país. Não é assim na Alemanha, futebol mais desenvolvido do mundo. Não é assim no Camp Nou, nem no Santiago Bernabeu.
É assim nas arenas americanas da NBA, do MLB, da NFL. Já tive o prazer de conhecer. E é realmente um programaço. Quando você vê, já torrou dezenas de dólares. E o placar? Pouco importa. Mas é o padrão deles, que funciona para a realidade e a história deles.
Descaracterização da torcida do Atlético
O resultado do “projeto” conduzido por Mario Celso Petraglia é a descaracterização completa da torcida rubro-negra. Uma massa que já deu inúmeras demonstrações de que pode ser das mais vibrantes, protagonista do espetáculo. E que, mais recentemente, está tolhida, inibida, dividida. Sem alma. Sem cor.
O que se viu na Arena da Baixada com o Paraná como mandante foi uma lição e tanto. Do que é um estádio de futebol, de como se comporta uma torcida, da cultura brasileira de arquibancada. Será que o Atlético vai aprender? Não acredito.