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À espera do Salvador da Pátria
| Foto:

Eles te dão a mão,
Só para empurrar

(Cólera)

 

Não há nada mais incômodo do que a associação “crise econômica+corrupção”. A soma é bombástica, os anseios por mudanças rápidas se tornam bordões, as convocações para ocupar “as ruas” e por impeachment se multiplicam. Tornaremos-nos livres da dominação política?

 A inevitabilidade da política não elimina a dominação e as mudanças significam trocar de dono/ideologia. Então, a grande questão é: que seremos dominados de alguma maneira, como tornar este fardo menos arbitrário?

 Alguns acreditam piamente que só a vinda de um “Salvador da Pátria”, algo como um Guardião do bem-comum, virtuoso, probo e notoriamente sábio, nos salvará. Eis a “guardiania”.

 A “Guardiania”, como modelo político, tem suas raízes no pensamento de Platão e é exemplificada pela “parábola do avião”. Seus defensores comparam o Estado a um avião. Argumentam que esta máquina (o Estado ou o avião) é melhor conduzida por um técnico (piloto) bem formado, responsável e interessado num bom pouso. Logo, não é inteligente eleger dentre os passageiros quem a pilotará.

 Este “ideal” pressupõe que algumas pessoas são aptas para governar, ao passo que outras devem ser governadas.

 A guardiania, nesse sentido, opõe-se à democracia. Não há eleições porque: a) o(s) guardião(ões) é(são) devotado(s) à busca da verdade e do bem comum; b) foram educados para não ter nenhum interesse próprio que seja incompatível com o da pólis; c) são capazes de discernir claramente o que é melhor para comunidade.

Aí está justificação para a formação de monarquias/oligarquias, que se valem de combinações tecnocráticas e/ou militaristas.

A guardiania pode ser de direita ou de esquerda. É de direita quando ampara um regime econômico capitalista, e, de esquerda, quando o regime econômico é socialista. Em ambos os casos, a esfera da política está fechada. E, mesmo num “capitalismo” de aparente liberdade econômica, as proximidades com o(s) Guardião(ões) podem render vantagens.

Ou seja, a guardiania não promove, necessariamente, a igualdade e a liberdade num nível mais amplo. E mesmo que possa oferecer resultados econômicos prósperos, ainda assim, as pessoas comuns [que supostamente não tem a sabedoria, as virtudes e a inteligência equiparável a do(s) Guardião(ões)], continuarão dominadas pelas escolhas do “Salvador da Pátria”.

No plano abstrato, a Guardiania é atraente. Mas, quando olhamos para os candidatos à “Messias” do Brasil, as coisas se tornam preocupantes, seja porque não atendem aos atributos da “guardiania”, seja porque a própria ideia é polêmica.

 Como afirma R. Dahl: “Ás vezes, elas [as guardianias] nos oferecem uma esperança infundada de que uma transformação revolucionária apocalíptica vai nos levar à terra prometida da liberdade perfeita, da autorrealização e da aceitação total do valor igual dos seres humanos;” (DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. p. 443).

 Que esta reflexão inspire os que pretendem sair às ruas nos próximos dias para exigirem reformas institucionais (do modelo político- partidário, do financiamento de campanhas, da economia, etc), que promovam mais liberdade e igualdade, e, não por mais autoritarismo e pelo consequente fechamento da esfera da política para as pessoas comuns.

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