Na última terça-feira (25), o presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Valdir Rossoni (PSDB), do alto de seu cargo, se viu com autoridade suficiente para fazer declarações de cunho machista e pessoal a uma mulher que ele não conhece, durante um debate público e importante, não tendo argumentos melhores para se contrapor à parte contrária.
Durante a votação de um projeto de lei (aprovado) que cria a Fundação Estatal de Saúde (Funeas), Rossoni usou o microfone da Assembleia, aquela que representa as quase 4,9 milhões de mulheres do estado, governado pelo partido dele, inclusive, para desqualificar uma mulher. Disse o seguinte a respeito da servidora Elaine Rodella, que tentava debater com ele: “Que nervosinha. Imagina o que essa mulher faz com o marido em casa”.
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A frase, embora desrespeitosa e sem argumentos, não impressiona. Afinal, foi proferida em um lugar ainda majoritariamente masculino, que, em termos de representatividade, está bem longe de expressar o fato de que a maioria da população, e também de eleitores, é feminina. Um local onde as mulheres ainda têm pouco espaço. Tanto que as poucas mulheres que ali estão não proferiram uma só palavra em defesa de Elaine.
A fala de Rossoni expressa muito bem o machismo que existe na sociedade e na política. Mulher não pode ter opinião, nem demonstrá-la de forma incisiva. Mulher tem de ser dócil, ficar calada, esperar que os homens falem por ela. Se ela resolve sair desse quadrado, é tachada de histérica, nervosa, chata. Por que ninguém chama um homem de nervoso quando ele resolve brigar? Muito raro. A não ser que ele saia no tapa, que chegue às vias de fato, vai ser visto como uma pessoa determinada, de opinião, que não tem medo de se expor.
A mulher que tem opinião e resolve pensar por si mesma (e, portanto, sem o auxílio de um homem) também deve ter problemas com os homens, deve maltratá-los. Deve praticar violência doméstica, sair dando bofetadas neles. Afinal, se ela tratasse bem os homens, deixaria os holofotes para eles e ficaria em casa. Não brigaria com os homens do poder, também. Deixaria que eles mandassem e aprovassem leis sem terem de discutir sobre o mérito delas.
A mulher também não pode frequentar espaços públicos, como instâncias de decisão política, caso da Alep. O local dela é o espaço privado. Tanto que, sempre que alguém quer nos criticar, invoca prontamente o espaço doméstico e funções domésticas. Por que, quando se critica uma mulher, se invoca a palavra ‘casa’ ou derivados? E por que, ao se criticar uma mulher, se invocam questões de cunho pessoal, afetivo e/ou sexual? É só uma coincidência?
O desrespeito de Rossoni com a servidora é inadmissível. Já se passou o tempo em que questões de cunho político são resolvidas de forma baixa, rasa, com ataques pessoais. Primeiramente, porque o espaço público não comporta questões de natureza pessoal, que devemos deixar em casa. Segundo, porque as mulheres têm opinião, trabalham, votam, presidem sindicatos e países e não têm de dar satisfação sobre o que fazem ou deixam de fazer. E o que elas fazem no espaço doméstico não é da conta de ninguém, a não ser dos envolvidos diretamente.
E é importante lembrar que não é a primeira vez que Rossoni age desta forma. Em 2010, durante uma discussão com uma estudante no Twitter, o deputado a chamou de “mal-amada”. Também uma declaração de cunho pessoal, sem qualquer argumento racional e bem fundamentado. Depois, se desculpou e disse: “Não sou machista. Não foi esta a intenção da frase. Aliás, a maioria da minha equipe é formada por mulheres, e são extremamente competentes”.
Ao invés de se preocupar com a vida pessoal da servidora e de seu marido (caso ela seja casada), o presidente e seus pares deveriam se preocupar com outros tipos de problemas que de fato ocorrem no espaço privado, mas reverberam no espaço público. A violência doméstica real, por exemplo, que, no ano passado, foi responsável por 68,8% dos assassinatos de mulheres ocorridos no Brasil, segundo o Mapa da Violência de 2012. O Paraná, no caso, foi o 4.º estado que mais teve mulheres mortas, com 6,4 assassinatos para cada 100 mil mulheres. Este sim é um bom debate a ser travado na tribuna da Alep.
Encontro na UEPG
O blog também traz uma boa notícia. Ontem, quarta-feira, o Mulherio participou do ‘3º. Colóquio Mulher e Sociedade – as representações de gênero na contemporaneidade’, promovido pelo curso de pós-graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Os temas foram vários, desde mídia feminista e como fazer jornalismo de gênero até violência obstétrica e parto humanizado. Agradeço às professoras Karina Janz Woitowicz e Paula Melani Rocha, aos alunos e demais participantes pela oportunidade.