Tantos são os lançamentos, tantas são as inaugurações, tantas são as badalações no segmento da gastronomia que o consumidor imagina estar a cidade inchada de bares e restaurantes. Sem perceber que, quase na mesma proporção, também estão sendo fechados estabelecimentos, alguns deles muito bem conceituados, que, por razões diversas, não conseguiram sobreviver às oscilações do mercado.
Alguns simplesmente fecharam as portas, outros trocaram de donos. Outros, ainda, decidiram por correções de rota, depois de não obterem resultados esperados após o investimento inicial. E assim, o fato é que a roda vai girando, alternando entre os novos investimentos e aqueles que já deram o que tinham de dar.
A ideia desse post surgiu de uma conversa entre amigos do meio, quando constatamos a rotatividade em alta no meio, entre os que abrem, os que mudam e os que fecham. E aí, citando nomes, notamos a alternância bem maior do que imaginávamos.
Sem falar nos que se foram há mais tempo, com o Hotel Rayon, na virada do ano, deixando para trás uma cozinha histórica, já ocupada por chefs de referência, como Alexandre Vicki e Manu Buffara e que fechou suas portas quando Reinaldo Batista era o responsável pela gastronomia. Ou o Gardeno, que nasceu com base em um trabalho de criação do chef Alexandre Bressanelli e depois passou pelas mãos também competentes de Mário Friggi. Sentimos falta do Durski, que o restaurateur Junior Durski anunciou reabrir em pouco tempo, mas ainda não conseguiu, talvez por não encontrar agenda para tal, envolvido em tantas inaugurações do Madero no Brasil e fora dele.
O Edvino foi um caso interessante. Lembro-me de ter ido lá para conhecer as alternativas mais acessíveis que o restaurante estava oferecendo. A proposta era bacana: no cardápio tradicional havia pratos com preços mais baixos (fiz o post aqui), para atrair possíveis clientes que não teriam condições de bancar os preços normalmente praticados. Publiquei a matéria e menos de uma semana depois soube do fechamento. Ali, onde funcionava, será aberto a qualquer momento o C La Vie, forçado a trocar de endereço pela necessidade de negociação do imóvel então ocupado.
Quase na mesma época fecharam o Carmina Bistrô (dos mesmos proprietários do Bar Jacobina, que continua firme, comemorando dez anos) e a Aldeia do Beto, sucessor do Beto Batata, no alto da XV. Mais recentemente o Quaranta Bistrô, delicioso local no Batel; o Gonzales Y Garcia, espanhol que mudou de endereço e não emplacou no novo local e o Alberto Massuda Arte e Gastronomia, que agora é um espaço de rock.
O Atelier Bistrô&Bar, que em março foi o restaurante escolhido pelo chef Claude Troisgros para celebrar seu aniversário de casamento, também não resistiu por muito tempo. Publicou, em maio, um anúncio de fechamento em sua página do Facebook. “Férias prolongadas”, foi o anunciado. Com direito a um coquetel de despedida.
Mas isso tudo já faz algum tempo, alguns meses. Vamos aos casos mais recentes.
Delices de France
Não existe mais a Delices de France, tradicional endereço de pães em Curitiba e que funcionou por 18 anos. Foi referência na cidade e não apenas no bairro Seminário, onde estava estabelecida. O padeiro francês François Fournier foi o pioneiro na confecção de pães de primeira linha, seguindo as normas tão rígidas e respeitadas de seu país. Aos poucos também foi aprimorando sua oferta de doces e a patisseria tornou-se referência na cidade, acumulando os principais prêmios do setor. Aproveitando o embalo, abriu um anexo com mesas, nos quais os clientes eram recebidos para o café da manhã, lanche da tarde (sim, começou a oferecer também quiches e salgados requintados) e até happy hour.
Foi aí que veio o passo a mais que talvez tenha comprometido o empreendimento. Acostumado a servir pratos ocasionais (um cassoulet no inverno, por exemplo) Fournier transformou a vitoriosa padaria em um bistrô, primeiro se associando ao chef Junior Costa (com ótimos resultados de sabor, diga-se) e depois sozinho mesmo, acumulando as funções de padeiro e chef de cozinha. Houve aí a descaracterização da casa, os investimentos foram pesados e o retorno parece não ter sido compensador, o serviço de bistrô foi deixado para trás na tentativa de recuperar a padaria, mas já não havia mais volta. Ainda mais pela inauguração de uma tradicional padaria curitibana a meia quadra, com mais agilidade de serviço e mais oferta de produtos, o que contribuiu para o esvaziamento do Delices de France. Dias atrás as portas não se abriram mais, encerrando uma saborosa tradição de quase duas décadas.
Perguntei a Fournier sobre o acontecido e ele só me respondeu assim: “Estou com um velho projeto social meu, de formação profissional, e logo volto com a distribuição de meus produtos. Sustentabilidade, Educação e Gastronomia eco-social em Piraquara. Os tempos mudarem. É o momento de mudar nossos modos de produção e comercialização. Estou montando uma escola de formação com uma associação e desenvolvendo com a PUC e o Instituto Renault um projeto de desenvolvimento de local. Logo voltaremos o mercado de Curitiba.”
É o que todos nós esperamos. E com o mesmo sucesso que marcou seu nome na cidade.
Trattoria do Victor
Semanas atrás o Francisco Urban me disse: “vamos trocar de nome na Praça da Espanha. A Trattoria do Victor não vai mais existir, lá vai ser outro Bar do Victor”.
Lembrei-me de conversas que tive, tempos atrás, com o próspero empresário e restaurateur – responsável pelo crescimento do grupo Pier do Victor a partir de um único e pequeno bar no São Lourenço -, que hoje conta com cinco estabelecimentos em Curitiba. A novidade seria a linha do restaurante, cozinha italiana, saindo do segmento de frutos do mar, que tanto sucesso faz nas outras casas e com a marca.
Para tanto, Urban enviou para a Itália o competente chef Paulino da Costa, um dos 5 Estrelas da Bom Gourmet de então. Objetivo: ficar por um bom tempo convivendo com cozinheiros, chefs e frequentadores de bons restaurantes toscanos e deles extraindo o máximo possível para implantar o novo estabelecimento. Que seria uma osteria, uma trattoria ou algo assim. “Do Victor”, do nome ninguém abriria mão. E foi aí que argumentei, meio que perguntando, se a associação do nome Victor não levaria o cliente a imaginar ter ali o mesmo cardápio baseado em frutos do mar dos outros restaurantes. Poderia ser, digamos, Trattoria della Piazza, ou algo assim, com a assinatura de “um restaurante do grupo Pier do Victor”. Ou, forçando a barra, “de Vittorio”.
Não que eu fosse um oráculo, era apenas um palpiteiro (talvez inconveniente, sei lá) a traduzir possível reação do consumidor curitibano. E não deu outra. As primeiras manifestações nas redes sociais foram de espanto, de gente que imaginava poder comer a moqueca, o camarão à grega, a maionese de camarão, a casquinha de siri e as demais estrelas do cardápio tradicional do Bar do Victor e, em vez disso, encontrava no menu variações de massa, cordeiro, vitelo e incríveis combinações de sobremesas italianas com o toque brasileiro (paraense) do chef, como um Semifreddo de cupuaçu e castanha do Pará que deu o que falar.
Era tudo muito saboroso, mas não o que o cliente habitual do grupo gostaria de encontrar – ou imaginaria encontrar. E aqueles que talvez pudessem apreciar não iam arriscar, justamente por imaginarem encontrar frutos do mar na base do cardápio.
Houve mudança de chef, de gestão, de cardápio, entrou o almoço executivo, entraram pratos de peixe no rol, mas não teve jeito. Eram apenas emendas ao que já não dava mais certo. Tanto assim que veio o veredicto definitivo, decretando o fim da trattoria. E o anúncio oficial foi feito pelo próprio Chico Urban, em vídeo publicado no site aqui do Bom Gourmet (confira o vídeo). E desde a semana passada já está funcionando no local o Bar do Victor, com o cardápio um pouco reduzido em relação ao restaurante original, o cabeça da rede. Na fachada, imponente, o novo letreiro: Bar do Victor Praça da Espanha.
E aqui uma ironia. A Trattoria do Victor poderia ter sido o restaurante italiano sucessor do La Pasta Gialla (franquia do chef Sergio Arno, um dos melhores italianos da cidade), que marcou território durante muito tempo no local e recentemente fechou a unidade, para manter aberta somente a do Shopping Barigui. Outra perda que quase me passava despercebida.
A mudança vai dar certo, claro. Primeiro, pela competência de um empresário que só soube crescer no mundo da gastronomia. Depois, porque o Bar do Victor é a grande referência em pescados que se tem por aqui. E Urban, que enxerga longe, agora traz esse prazer gastronômico para bem próximo do centro, atingindo exatamente aqueles que procuravam pela opção na antiga trattoria.
Alfredo’s Gallery
Foi com muita pompa a inauguração do Alfredo’s Gallery Alla Scrofa – Roma, em novembro de 2012. Afinal de contas, estava em Curitiba um dos mais famosos restaurantes da Itália, frequentado por artistas e celebridades do mundo inteiro. Com a nova casa veio também o Fettuccine Alfredo, feito somente com manteiga e queijo e que tem sabor inigualável, além de todo um ritual no preparo à frente do cliente.
O ponto não foi escolhido por acaso, ficava apenas a alguns metros da Trattoria Barolo, que talvez seja o italiano preferido da maioria dos curitibanos, principalmente pelo volume de seus pratos, que, conforme for, podem ser divididos em até três pessoas.
E o Alfredo chegava ali com a proposta do menu à italiana, com entrada, primeiro prato, segundo prato e sobremesa. Mas com uma estratégia bem feita. A soma do valor dos dois pratos principais equivalia ao do prato único do Barolo e isso, a princípio, atraiu curiosos, pois a cidade tem boa fama de novidadeira, lotando tudo o que abre. Só que o cliente chegava e pedia a massa imaginando estar no concorrente e, mesmo sabendo que custava a metade do preço, reclamava da porção, que também era a metade da outra que ele conhecia (talvez sem o exagero de molho). Ficava naquilo, não pedia o outro prato principal e ia embora insatisfeito.
Isso ao primeiro contato, pois houve quem tivesse voltado justamente para praticar a experiência proposta pela casa, saindo satisfeito com os dois pratos pelo preço de um ali do vizinho. E seria, então, uma questão de tempo todos se acostumarem com a ideia, pois a cozinha estava entregue a um chef muito competente e criativo – Marcelo Oliveira – e, com a insistência e mais um retorno, todos perceberiam que daria na mesma em termos de quantidade e de valor.
Mas o restaurante cedeu antes e aumentou o tamanho dos pratos. E os preços também, claro. E aí perdeu a mão, pois os clientes que haviam aprovado o sistema de primeiro e segundo pratos ficaram sem opções, sendo obrigados a escolher entre um e outro. Vieram aí algumas variações de almoços executivos, outras promoções, mas o futuro da casa estava comprometido. Não havia mais, a não ser no nome, o Alfredo’s Gallery como ele teria sido concebido.
Daí para o fechamento foi apenas uma contagem regressiva. O restaurante foi vendido e, na porta principal, o aviso de que a nova casa será aberta no próximo dia 15. Com o cartaz ao lado (com erros de português) explicando tratar-se de um restaurante chamado Montecristo, com “o melhor da culinária argentina e italiana”.
Foi uma perda considerável e agora só resta aguardar para conferir que proposta será essa a ser apresentada nos próximos dias.
Bistrô Duchamp
O texto já estava publicado quando veio a informação do próprio Marcelo Pires, proprietário do Bistrô Duchamp. O restaurante não atende mais regularmente e agora só trabalha com eventos. “Mudamos para não fechar. Hoje fazer a conta fechar em um restaurante independente do tipo ou preços está complicado. Fizemos o Duchamp do nada, do zero há 15 anos. Não foi fácil a decisão, mas com os eventos ainda estamos no jogo” – foi o que me disse, consternado.
Bordignon Bar Restô
O Bordignon Bar Restô também não resistiu. Está à venda, conforme anúncio publicado em sua página do Facebook.
Portanto, mais um na lista.
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