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“Investimento anjo ainda é uma grande panela”, diz investidor que criou rede de anjos em Curitiba

Foto: Celso Pilatti (Foto: )

Leonardo Jianoti é figura conhecida no ecossistema de empreendedorismo e inovação de Curitiba. Nos últimos cinco anos desde que entrou definitivamente no universo do investimento anjo da capital, ajudou muitos empreendedores a transformar ideias em negócio. Mas não fez isso sozinho. Jianoti ajudou a criar uma rede de investidores-anjo na cidade e hoje é CEO na CWB Capital e investidor-anjo na Curitiba Angels. No portfólio de empresas em que aportou dinheiro e conhecimento, há nomes conhecidos como as startups Contabilizei e James Delivery, vendida recentemente para o Grupo Pão de Açúcar.

Embora pareça um tema já consolidado, ele garante que há muita diferença entre a teoria e a prática do investimento anjo no país. A verdade é que, “para quem olha de fora, ainda é uma grande panela”, diz Jianoti, em entrevista à Gazeta do Povo. Por isso, para ajudar a aumentar e qualificar essa rede, ele vai ministrar um Bootcamp sobre investimento anjo na How Education em maio.

Como começou sua relação com o investimento anjo?
Eu sempre fui gestor de investimentos. Fiz minha carreira toda em consultorias internacionais e depois trabalhei alguns anos como gestor de patrimônios de algumas famílias curitibanas. O investimento anjo aconteceu porque as propostas vinham de negócios altamente inovadores, mas nos quais o risco era grande, muito além do que as famílias estavam dispostas a assumir. Eram negócios muito arriscados, muito imaturos ainda, então, não era um risco acessível para as famílias, mas para mim como pessoa física fazia muito sentido. O desafio de desenvolver era muito alto, mas ao mesmo tempo o ticket não era tão grande, então eu consegui assumir esse risco na minha pessoa física. Isso foi há cinco anos.

O risco continua sendo inerente nesse tipo de investimento?
Sim. Eu acabei me acostumando e entendendo que na regra e movimento do negócio você tem estágios diferentes. É a mesma regra, por exemplo, quando eu olho uma companhia de capital aberto na bolsa, ela só está alguns estágios a frente e, por isso, com um grau de risco menor, mas ela um dia foi um negócio embrionário. Até entender essa questão, que o risco só é uma questão de desenvolvimento, foi duro, mas hoje eu sei que é um processo único de crescimento dessa companhia. Quanto mais embrionário é o negócio, maior o risco dele, mais dúvidas você tem. Quanto mais maduro seu negócio for, mais respostas ele já encontrou. Para mim isso foi ficando mais claro com o tempo. Quando você pega 10 das maiores empresas do mundo hoje, ao menos quatro delas foram startups Isso ajuda a corroborar com o movimento.

O medo de arriscar também permanece ou a mentalidade mudou desde que você começou?
O medo inicial ainda existe, mas é um medo com mais informação, embasamento. Já é possível ver que existe sentido nessa história de investimento anjo. O risco não mudou, afinal de contas continuam sendo negócios embrionários, mas o ambiente é mais propício, mais positivo. Acho que isso muda um pouco a perspectiva para o investidor.

O que você fazia antes de virar investidor-anjo?
Sou economista de formação e me especializei em avaliação de empresas. Por algum motivo eu sempre me impressionei por investimentos não tradicionais. Trabalhei com investimentos imobiliários, energia renovável, empresas de impacto social.  Todos investimentos econômicos, mas com alguns leques diferentes. Quando a inovação e a tecnologia chegaram,  eu estava com a cabeça um pouco mais aberta para falar de investimento não tão tradicionais. Eu acho que isso ajudou, mas a minha formação técnica é bem dura, na economia tradicional, o que foi muito difícil no começo. Tive que rasgar alguns manuais.

Qual a importância do investimento anjo para novos negócios?
Eu divido em duas grandes frentes. O capital vai construir alguns atalhos no crescimento da empresa. Você vai poder contratar pessoas que seu fluxo de caixa não permitia antes, vai poder comprar equipamentos que naturalmente a companhia não teria dinheiro para comprar. Então, nesse momento você acelera o desenvolvimento da empresa. Por outro lado, o conhecimento do investidor-anjo ajuda o empreendedor a não cair em armadilhas que ele cairia normalmente numa das fases mais delicadas do negócio, que é o início. O investidor tende a ser uma pessoa mais experiente, seja como executivo, como empreendedor, seja como alguém que já esteve na sua cadeira como tomador de decisão.  Tem alguns desafios no crescimento da empresa que talvez sejam mortais. Essa mentoria junto com o dinheiro acaba qualificando muito o início do negócio.

Principalmente no começo, que é um momento delicado para qualquer empreendedor …
Exato. Não dá para perder tempo, a margem de erro é muito pequena e você tem tudo correndo contra, desde a burocracia governamental até a validação do próprio negócio. Até por isso o nome de investimento anjo, que os americanos criaram, porque ele protege, coloca as asas sobre o neócio e te ajuda a seguir.

Qual é o valor de um cheque de um investidor-anjo? 

A área amadureceu e acabou criando fases e cada fase tem seu desafio a cumprir e um valor médio de investimento que mais ou menos se aplica. O anjo está investindo no negócio no momento de criação de produtos e validação no mercado. Estamos entre o protótipo e as primeiras vendas, fase em que a gente costuma investir entre R$ 400 mil e R$ 600 mil.

O que percebemos nesse caminho é que esses valores podem ser um cheque muito pesado para algumas pessoas físicas que teriam muito para contribuir, então, a gente se juntou em rede. O investimento hoje é feito muito em rede, ou seja, além de dividir o valor com mais pessoas, divide também o conhecimento. Em rede, o ticket médio por pessoa está em R$ 30 mil.

Além do dinheiro, o que é preciso para ser um bom investidor-anjo?

Eu acho que o primeiro ponto é entender o ciclo de investimento, entender, por exemplo, o que é o desenvolvimento de uma companhia de alto impacto, de uma startup. O segundo ponto é entender qual a sua contribuição, no que você é bom. E, em terceiro lugar, ter uma organização de tempo e dinheiro. Se você colocar só dinheiro você não é um investidor-anjo. Você vai ser um micro investidor, vai ser uma pessoa que investe em tecnologia, mas para ser um anjo é preciso colocar tempo junto com o dinheiro.

Ainda tem gente que só quer aportar o dinheiro?

Muito. Tem muita gente fazendo besteira achando que está fazendo investimento anjo. Quando falo sobre o assunto e menciono um caso de sucesso de um investimento anjo, as pessoas se empolgam. A gente se sentiu um pouco responsável por isso. Vimos pessoas fazendo besteiras monumentais, desde pagar caro até investir mal, perder dinheiro, achando que estava fazendo direito. Dá até um frio na espinha quando alguém vem falar que fez investimento anjo

Em ordem de prioridade, o que o interessado deve avaliar antes de escolher um negócio para investir? 

O primeiro seria afinidade com o negócio. Isso significa gostar,  entender e poder contribuir com o negócio. O segundo é disponibilidade de dinheiro e tempo, ou seja, não adianta investir e toda vez que a empresa ligar não conseguir atender para ajudar. É um combinado, eu me proponho a falar com ele uma vez por semana para dar essa contribuição.  Se você falou para ele que ia chegar com R$100 mil é importante que esses R$100 mil estejam disponíveis. Por último. eu colocaria essa diversidade. Se reunir com pessoas que pensam ou diferente porque já me deparei com situações em que eu tinha certeza que o negócio era bom, mas a rede de anjos entendeu que não.

O que é um bom negócio para investir?

Eu nem falo do negócio, mas do empreendedor. Nesse mercado de investimento anjo, a gente investe mais no jóquei do que no cavalo. Eu tenho hoje 11 negócios investidos, talvez metade deles não é aquilo que eu investi no começo. Eles se transformaram, pivotaram de alguma forma que a ideia inicial já não existe mais. Então, o que dá valor a esse projeto? O valor é o empreendedor, ou seja, entre um excelente negócio e um péssimo empreendedor eu prefiro um péssimo negócio com um bom empreendedor, porque ele vai encontrar saídas no meio do caminho.

Então, o primeiro ponto para mim é um bom empreendedor. O segundo, o poder de tração que o negócio está me mostrando. E o que a gente entende como tração? Ritmo de vendas, tamanho do mercado que vai atender, quanto as pessoas estão dispostas a comprar isso, isso é validação de mercado. Um produto que tem valor, que tem um problema a resolver e as pessoas estão dispostas a pagar por ele.  Então, se o empreendedor é bom e o negócio tem uma tração mínima, para mim 90% do caminho está andado. O restante eu colocaria num grupo de coisas que podemos fazer juntos.

Você é um investidor-anjo. O que lhe fisgou nos negócios em que decidiu investir?

Uma coisa que sempre me impressiona é a evolução comercial. Eu me lembro de um caso em que o empreendedor me procurou com sete clientes dizendo que tinha um bom negócio. Dez dias depois ele voltava e tinha 30 clientes e isso foi crescendo. Lembro também de outro negócio que em menos de um mês dobrou de tamanho. Quando olhei pra isso pensei “não estou entendo bem esse negócio” e o empreendedor me respondeu “essas três mil pessoas estão”. Isso me assustou muito, positivamente falando, precisava entender que fenômeno era esse. Quando isso aconteceu eu pensei que precisava criar formas de entender tração.  Eu me lembro de um indicador forte do James Delivery, uma startup investida por nós, que era a recorrência. Instintivamente você pensa  que se as pessoas estão recomprando é porque o negócio é bom.

Essa postura ativa do empreendedor é imprescindível?

Exato. Uma empresa é sempre o empreendedor fazendo as regras do jogo. Eu só estou orientando, tentando direcionar aquela energia que é muito forte. Eu prefiro assim, ter que segurar e controlar,  no bom sentido,  muita energia do que ficar dando energia para quem não tem direção.

Como é o seu portfólio hoje? 

Atualmente tenho 11 negócios, nove deles posso chamar de investimento anjo profissionais. Eu vendi dois deles e dois não deram certo, confesso, e as outras estão em processo de desenvolvimento, passando de fase. É um portfólio bem saudável. Hoje ser investidor-anjo é minha profissão. Eu virei conselheiro de empresas, então eu levo [esses novos negócios] para empresas tradicionais para elas se modernizarem. No dia a dia, a rotina também é procurar novos negócios para investir.

Que empresas já passaram pelas suas mãos?

Os casos mais emblemáticos aqui de Curitiba é o da Contabilizei, uma companhia que está indo para a série B, que é uma fase de amadurecimento. Teve o James Delivery também, que foi um caso interessante num mercado de concorrência brutal e que a gente conseguiu construir uma saída junto com o Grupo Pão de Açúcar. Foi um aprendizado de bons empreendedores. A gente tem a Troco Simples, uma startup que está indo para a série A, ela oferece opção de troco digital no varejo. A Troco me deu um aprendizado de pivotagens, ela começou de um jeito e hoje é outra empresa que cresce aceleradamente. Tem também a Transfira, uma empresa facilitadora de TED’s e Doc’s e pagamentos pulverizados.

São todos locais?

Todos locais. Mas invariavelmente elas acabam tendo sedes em São Paulo.

Ao buscar oportunidades, que áreas costumam te interessam mais?

Como eu faço parte de uma rede de investidores, confesso que estou aberto a tudo. Eu sou o que eles chamam de agnóstico do investimento, mas tenho afinidades. Eu acabo ficando muito próximo de finanças e fintech, gosto muito de plataformas, gosto de mercado imobiliário. Mas estou aberto a tudo, inclusive e-commerce, que era algo que eu não tenho tanta afinidade, mas na rede tem muita gente que tem. Então, eu acabo confiando nas pessoas, afinal, investir em rede é assim.  Mas fintechs e plataformas são as minhas preferidas.

Nos últimos anos, surgiram outras modalidades de investimento em startups e novos negócios. O investimento anjo perdeu espaço ou segue como a principal alavanca para quem está começando?

Ele compõe um universo de multifacetas. Antigamente você tinha aceleradora, anjo e fundo. Eram três coisas só. Hoje você tem aceleradora, investimento anjo, super angel, série A, série A1 e série B, está mais fatiado, então o apoio fica um pouco mais completo, mas hoje acho que o anjo ta perdendo porque tem muito do smart money.  Então, acho que o anjo teve que se modernizar. Em que sentido? Hoje, ter dinheiro e estar disponível não é suficiente, você tem que ter a melhor contribuição. Só vamos continuar sendo bons anjos se nosso telefone for o primeiro a tocar. Seja pelo empreendedor que está com dificuldade, seja por aquele empreendedor quer receber o investimento anjo. Tem tantos anjos já que você tem que se diferenciar, então eu fico muito feliz de em algum momento ter encontrado minha contribuição.

Por que é importante se preparar para ser um investidor-anjo?

Está todo mundo aprendendo. As mudanças são tão rápidas e tão radicais que estamos em constante aprendizado. Acho que o primeiro ponto é esse, um negócio muito novo que ainda estamos construindo. Desde a parte jurídica até análises econômicas, tudo isso ainda é empírico.

O segundo ponto, é que acho que devemos nos preparar para não deixar as pessoas errarem onde pessoas já erraram. Acho que a gente vai errar, a gente tem que errar, investir faz parte de tentativa e erro, mas que erremos em coisas novas, não em coisas que outros já erraram. Esse é o meu principal objetivo, mostrar para as pessoas onde acertei e onde errei para que pelo menos a gente erre em algo novo. São tantas coisas novas, o universo é tão surpreendente nesse mercado que em cinco anos a gente vai estar falando de coisas completamente diferentes do que estamos falando hoje.

É uma área muito dinâmica…

O foco que temos hoje em investimento pode não ter nada a ver daqui há cinco anos e faz pensar que, por exemplo, hoje eu já contrario muitas daquelas premissas da ciência da avaliação de empresas, onde eu era expert.

A teoria e prática do investimento anjo são diferentes?

São. Primeiro porque ela se relaciona com a teoria econômica do investimento. Quando ela faz essa correlação a quebra já é brutal. Quando ela se relaciona com a própria ciência do investimento anjo, com a própria teoria que está tentando se construir, ela ainda não é uma teoria que eu possa cravar e falar ‘esse é o modelo’. Porque se pode chegar ao sucesso de diferentes maneiras. É diferente de uma análise econômica tradicional que fala o seguinte: “Se tiver A, B e C, a sua chance de sucesso é 90%”.

No investimento anjo a gente trabalha com 30 metas, 28 delas podem dar errado, mas essas duas que deram certo podem gerar um sucesso estrondoso. Então, a gente não tem uma teoria que embase completamente o investimento anjo ainda.

Acho que vale a pena reforçar é que o investimento anjo é para quem quiser fazer. É claro que tem que estar disposto. Aquilo que eu comentei da afinidade, disponibilidade e diversidade é fundamental, mas não é um grupo seleto, inalcançável, longe disso.

Era assim lá no começo?

Se você olhar de fora, ainda é uma grande panela, mas a gente precisa quebrar isso porque efetivamente não pode ser uma panela. Quanto mais aberto melhor.

 

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