Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

O que duas liminares de Marco Aurélio não conseguiram, a internet foi lá e fez

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), derrotado à reeleição para a Presidência do Senado (Foto: )

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), tentou derrubar o senador Renan Calheiros (MDB-AL) duas vezes. Falhou em ambas. Quem conseguiu a proeza de dobrar o maior sobrevivente da República foi a internet. O caso é uma lição de política e de por que o Judiciário e seus juízes deveriam ser mais prudentes no exercício de seus poderes.

A primeira das tentativas do ministro, em dezembro de 2016, passou pelo que talvez seja o caso mais grave de desmoralização do Supremo desde a redemocratização. Em maio daquele ano, a Rede Sustentabilidade protocolou uma ação no Supremo, perguntando se réus em processo penal poderiam figurar na linha de sucessão da Presidência da República. O ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) ainda ocupava a Presidência da Câmara e era o principal alvo da ação.

Cunha (MDB-RJ) acabou afastado da cadeira (viria a ser cassado em setembro) por liminar do finado Teori Zavascki, que depois seria referendada pelo plenário, mas por outro fundamento, e em outra ação, movida pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot: o então todo-poderoso presidente da Câmara teria montado um esquema de poder inédito no Legislativo para melar a Lava Jato.

O Supremo, porém, afastou Cunha sem responder a questão da Rede, que só voltaria a ser discutida em novembro de 2016, quando Renan Calheiros já era (novamente) a bola da vez, por sua oposição às operações contra a corrupção e ao que via como avanço do Judiciário sobre o Legislativo. Marco Aurélio, relator do pedido da Rede, votou para que réus não pudessem ocupar cargos que tenham como atribuição ocupar, mesmo eventualmente, a linha sucessória da presidência da República. O ministro Dias Toffoli pediu vista, mas o decano Celso de Mello adiantou seu voto e o tribunal formou maioria. O julgamento foi suspenso.

Em dezembro, com o clima mais quente – embora o mandato de Renan como presidente do Senado acabasse logo mais em 2017 –, Marco Aurélio, ressentido com a obstrução de Toffoli, resolveu afastar o senador da Presidência com uma canetada. Renan e a Mesa do Senado trucaram: não receberam o oficial de Justiça e se recusaram a cumprir a decisão solitária. O ministro Gilmar Mendes, em entrevista ao Globo, chegou a dizer que a decisão de Marco Aurélio era caso de “inimputabilidade” – loucura, em bom português – ou de “impeachment”.

O STF reuniu-se dois dias depois para resolver o impasse. A então presidente, Cármen Lúcia, estava convencida de que a política brasileira entraria em colapso se Renan Calheiros fosse peitado (estava certa?). Por maioria, o tribunal desautorizou a liminar de Marco Aurélio e manteve o senador no cargo, apenas afastando-o da linha sucessória da Presidência, caso precisasse assumir a cadeira. Com o Supremo dividido, era melhor não pagar para ver.

Dois anos depois, Marco Aurélio fez novamente. Na undécima hora do último dia antes do plantão judicial, no mesmo dia em que tentou soltar o ex-presidente Lula da Silva da cadeia, o ministro deu outra liminar, atendendo a um pedido do senador Lasier Martins (PSD-RS), determinando que fosse aberta a eleição para a Mesa do Senado, dali a menos de dois messes.

O clima esquentou, a Mesa do Senado recorreu, e o presidente do Supremo, Dias Toffoli, tratou de botar panos quentes, revogando a liminar de Marco Aurélio, da mesma forma que havia feito com a decisão pela soltura de Lula. Nova vitória de Renan Calheiros, em cuja vitória a maioria dos analistas apostava se o voto fosse fechado.

Ao resto do show, com todos os detalhes sórdidos e erudições regimentais, o país assistiu mesmerizado entre a última sexta-feira (1) e o último sábado (2). Renan Calheiros tentou, de todas as maneiras, manter a votação secreta, recorrendo ainda a mais uma liminar de Toffoli na calada da noite, mas os senadores opositores e a articulação da Casa Civil pelo nome de Davi Alcolumbre (DEM-AP), turbinadas pela pressão das redes sociais, venceu todos os expedientes de Renan, que acabou retirando sua candidatura, perdendo de lavada, e ainda chateando os aliados no processo.

Aquilo que Marco Aurélio tentou garantir na marra, por duas vezes, colocando o Supremo à beira da desmoralização completa, a internet conseguiu fazer. Primeiro, porque foi componente fundamental da renovação do Senado a taxas inéditas. Segundo, porque foi elemento de pressão em tempo real durante a eleição. Desde outubro, e ainda mais agora, a internet foi incorporada à política.

Uma das grandes dúvidas em Brasília é se realmente Renan Calheiros terá sido definitivamente derrotado. Uma certeza, no entanto, já existe: as questões da política, a própria política é capaz de resolver – e muito melhor que o Judiciário.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.