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Darwin atormentado

Criação passou voando pelos cinemas de Curitiba. Se não me engano, durou apenas uma semana no Crystal e saiu de cartaz justamente quando eu poderia assistir ao filme, já que no fim de semana de estreia eu não estava na cidade. Parece que em metrópoles como São Paulo e Rio não foi muito diferente. Então a solução foi esperar sair em DVD.

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Charles Darwin (Paul Bettany) faz suas pesquisas em casa: evolução é apenas coadjuvante no filme.

O filme, que tem Paul Bettany no papel de Charles Darwin, demorou para achar distribuidor nos Estados Unidos. Parece que temiam a reação negativa do público cristão fundamentalista. Depois de ver o filme, acho que foi um medo um tanto infundado. Embora o enredo se passe na época em que Darwin escreveu A origem das espécies, a teoria da evolução propriamente dita é um coadjuvante. Embora tenha inúmeros flashbacks da viagem de Darwin, Criação não é sobre como ele chegou às suas conclusões, ou pelo menos não é principalmente sobre isso.

O grande eixo do filme (baseado no livro Annie’s box, de Randal Keynes, tataraneto de Darwin) é o relacionamento do naturalista inglês com Annie, a mais velha entre as filhas de Charles e Emma Darwin. Entre todos os filhos, Annie era a preferida de Charles, mas morreu aos dez anos de idade. A perda da filha abalou a fé de Darwin muito mais que seus estudos sobre a evolução das espécies, como se pode perceber pelo filme.

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Annie (Martha West) é quase uma co-protagonista, já que a relação dela com o pai é o centro em torno do qual o filme gira.

O conflito entre ciência e fé no filme é apenas aparente. O que vemos é um Charles Darwin que, além de atormentado e deprimido pela morte de Annie, ainda vive pressionado por extremistas: Thomas Huxley, que depois ficaria conhecido como “buldogue de Darwin”, insiste para que o naturalista publique logo seu livro porque a obra vai “matar Deus”, algo que Huxley espera ansiosamente (e Darwin procura manter distância dessa ideia, mostrando ao colega que não é bem assim); e Emma (Jennifer Connelly) se mostra receosa quanto à perda de fé do marido, que ainda por cima vive ouvindo indiretas do reverendo Innes. Prensado entre dois extremos, o Darwin do filme, ainda que não tenha fé, rejeita a noção de que a ciência (e mesmo sua teoria) se oponha à religião. A evolução pode até se opor a respostas simplistas sobre o mundo como as que vemos colocadas na boca do reverendo, mas não “mata Deus”, e o próprio Darwin sabe disso, pois se expressou nesses termos em cartas a outros colegas.

Antes de ver Criação, assisti a Invictus, outro ótimo filme em que Nelson Mandela (Morgan Freeman) usa a Copa do Mundo de rugby para unir um país até então dividido. A certa altura do filme, um dos personagens diz que estamos acostumados a ver Mandela como uma daquelas pessoas que os americanos chamam de “larger than life” e nos esquecemos de que elas também têm seus problemas. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a Darwin. Gênio, mas ainda assim humano. Já vi muitos cristãos criticarem a evolução porque “Darwin era ateu”. Não tenho como dizer que impacto a perda de um filho tem sobre uma pessoa, e acho precipitado julgar quem perdeu a fé após uma tragédia. Ainda que muitos episódiso tenham sido romanceados na tela, Criação joga uma luz sobre esse episódio triste da vida de Darwin e deveria ser visto especialmente por quem gosta de usar a falta de fé do cientista como argumento antievolução.

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