Mariano Asla pesquisa o transumanismo e afirma que a ciência tem de levar em conta as perguntas levantadas pela filosofia e pela teologia. (Foto: Chulit films)
Que riscos se pode observar?
A razão técnica que nos lança adiante nos proporcionou muitos benefícios, mas também é capaz de produzir males terríveis. Nesse sentido, há muitos riscos que esses tipos de projetos podem trazer; em concreto, penso nos riscos da manipulação do genoma humano, que tem dimensões ainda desconhecidas e são riscos qualitativamente diferentes de qualquer outra coisa que já tenhamos visto antes, por sua dimensão planetária e pelo caráter irreversível. Neste caso, com questões tão importantes em jogo, o diálogo entre as disciplinas é indispensável.
O cientista e o homem de negócios, por sua estrutura mental, vivem no futuro, e com uma atitude otimista, que precisam ter, devido à maneira como trabalham. Ninguém pode pesquisar um tema se acredita de antemão que não vai encontrar nada. Mas esse tipo de atitude otimista também tem de ser contrabalançada com uma boa capacidade de análise crítica, e ver que não existe lógica alguma em supor que toda mudança seja boa. Talvez no âmbito da estética isso se veja com maior claridade, pois nem tudo o que é novo representa uma superação das obras e das técnicas passadas.
Pouco mais de 70 anos atrás, em seu livro Uma força medonha, C.S. Lewis imaginou um mundo em que os cientistas tinham poder ilimitado e sem freios éticos, na busca de um “novo ser humano”.
Quando se especula sobre o futuro, é comum projetar essa ambivalência moral humana, essa capacidade que temos de fazer mal. E, quando se multiplicam as possíveis técnicas, os riscos também são maiores. O certo é que, se um processo técnico não vem acompanhado de um suficiente progresso moral, isso é perigosíssimo. O desafio da humanidade é complementar duas formas de racionalidade que são distintas, mas não excludentes: a razão técnica/instrumental/científica e a razão mais sapiencial, filosófica, inclusive teológica. Neste jogo há de se ouvir muitas vozes para que o resultado seja positivo.
Arte: Robson Vilalba/Thapcom
Em um mundo em que a técnica está cada vez mais forte, fica mais difícil chamar a atenção para esses temas mais filosóficos ou teológicos?
Nossa posição não é muito fácil, porque a ciência tem a seu favor o fato de oferecer esse “espetáculo de mudanças” inimagináveis, progressos reais, curas espetaculares. É um tipo de conhecimento que se valora de imediato. Por outro lado, a filosofia e a teologia exigem hábitos internos, disposições e expectativas distintas daquelas que são mais comuns no mundo de hoje. Mesmo assim, não temos como escapar delas, porque as decisões existenciais estão lá no mais íntimo do ser humano. Quando alguém escolhe que carreira vai seguir, se constituirá família, se será honesto ou tomará atalhos, todas essas decisões têm a ver com convicções profundas cujas raízes são filosóficas e teológicas.
Daniel Dennett, que é cientista e não crente, diz que não há ciência que não carregue consigo uma bagagem filosófica, consciente ou inconscientemente. Chegou a hora de deixar clara essa linguagem filosófica e discutir essas razões em um diálogo aberto, sincero e respeitoso – é difícil que o diálogo seja respeitoso, mas é o desafio.
Você é mais otimista ou pessimista quanto ao futuro?
Fico um pouco surpreso diante do otimismo muito ingênuo de alguns amigos. Tendo a ser mais cético, alguém diria pessimista. Mas ao mesmo tempo não sou como algumas pessoas que carregam as tintas na negatividade. É impossível não lembrar de tudo de positivo e maravilhoso que o conhecimento nos traz, do poder de desvendar os mistérios da natureza. O momento em que vivemos é de oportunidade imensa, abre-se diante de nós um panorama desconhecido, mas também por isso arriscado. Eu me vejo no meio do turbilhão da consciência do risco que estamos correndo: as coisas podem terminar bem, ou podem terminar mal. Por isso, a atitude mais inteligente é tentar analisar as questões em profundidade.
(Aviso: a Fundação John Templeton e o Centro Ian Ramsey para Ciência e Religião da Universidade de Oxford bancaram a viagem e a hospedagem do jornalista em Santiago)
Pequeno merchan
Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também sou colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio desde 2010. A editora vinculada à revista lançou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.