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Os sudários do History Channel
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Resolvi adiar a hora de ir pra cama ontem e fiquei vendo dois dos episódios da série Em busca do tesouro sagrado, que o History Channel está passando nesta Semana Santa (veja no post anterior os horários). Os dois, produzidos em 2009, eram sobre panos que teriam envolvido o corpo de Cristo no sepulcro.

Turim
O primeiro era sobre o sudário de Turim, do qual muito já se falou aqui no blog. A primeira metade do episódio é uma tentativa de reconstituir o trajeto feito pelo sudário desde Jerusalém até Turim. Parece que os responsáveis pela série endossam a tese de Ian Wilson de que o Mandylion de Edessa, um pano que se conhece desde o primeiro milênio e que traria impresso o rosto de Jesus, era o próprio sudário de Turim, mas dobrado algumas vezes para que só o rosto fosse visto. Desta primeira metade, o mais interessante, pelo menos para nós, é o trecho que menciona o bispo Pierre d’Arcis, aquele que teria denunciado o sudário como uma fraude, em 1389, e dizia que seu antecessor, Henri de Poitiers, tinha conhecido o pintor. Mas existe a parte menos conhecida da história: nenhum dos bispos chegou a dar o nome do pintor, coisa que o antipapa Clemente VII, a quem d’Arcis recorreu, queria saber. Além disso, Lirey havia se tornado um grande centro de peregrinação, criando uma rivalidade com Troyes, a sede episcopal, que, para os bispos, não podia ser ofuscada por uma paróquia em outra cidade, especialmente porque o dinheiro dos peregrinos acabava em Lirey, não em Troyes. No fim, o antipapa não deu razão a d’Arcis e permitiu a veneração do sudário.

Na segunda metade do programa é que se conhece mais sobre as pesquisas científicas feitas no sudário, desde a famosa fotografia de Secondo Pia, passando pelo estudo de Pierre Barbet sobre a crucifixão, pela bateria de testes do Sturp e chegando ao carbono 14, que domina boa parte do tempo dedicado às pesquisas no documentário. Os produtores entrevistaram tanto críticos do resultado do carbono 14 quanto seus defensores. A tese da “costura invisível”, que mencionei no post anterior, não é citada no programa; em vez disso, os debates se concentram na possibilidade de contaminação do pano original. O Sudário pegou fogo, foi remendado, molhado, manipulado inúmeras vezes, dizem uns; outros rebatem que, para a contaminação alterar tão significativamente o resultado da datação, a proporção de contaminante precisaria ser enorme. Por fim, ainda há críticas à maneira como o exame foi conduzido (aquelas mesmas que já vimos no link da Wikipedia sobre a datação). Comentando outros resultados de exames, Bruno Barberis explica que a presença de óxido de ferro no pano poderia ser explicada pela prática de colocar objetos em contato com uma relíquia, o que os tornava relíquias também (é o que tecnicamente se chama de “relíquia de terceira classe”).

Exposição do Sudário “à moda antiga”, registrada em gravura do século 17: intensa manipulação do pano é usada como argumento por críticos da datação por carbono 14. (Imagem: Reprodução)

 

Enfim, o programa tem fontes interessantes: um padre responsável pela exposição do Homem do Sudário em Jerusalém (igual à que passou por Curitiba e está no Rio), engenheiros, estatísticos, sindonologistas, gente de Oxford (um dos laboratórios que fez a datação). Mas, para quem está interessado nas descobertas científicas sobre o sudário, este não é o melhor documentário. Eu recomendaria A verdadeira face de Jesus, de 2010, que o mesmo History Channel exibiu no ano passado (e que eu comentei na ocasião e está disponível em DVD)

Oviedo
O programa seguinte foi sobre o bem menos conhecido sudário de Oviedo, o pano que teria coberto o rosto de Cristo e que está descrito no Evangelho de São João (20,7: [Pedro] Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte.). Até por ele ser bem menos pesquisado que o de Turim, a produção encontrou problemas para encher uma hora de programa apenas com informações sobre este pano: boa parte do programa foi usada para debates sobre a existência histórica de Jesus.

A catedral de Oviedo, na Espanha, guarda o pano que teria coberto o rosto de Jesus. O sudário, no entanto, não tem nenhuma imagem, apenas manchas de sangue. (Foto: Labé/Wikimedia Commons)

O que o programa efetivamente conta sobre o sudário de Oviedo é seu trajeto histórico (de Jerusalém a Alexandria, de lá para o sul da Espanha, e de lá para Oviedo, após a ocupação muçulmana da Península Ibérica), e as poucas pesquisas que foram feitas sobre o pano, que não mostra imagem nenhuma. O que se sabe é que as manchas de sangue são do tipo AB, o mesmo encontrado no sudário de Turim e que é bem comum no Oriente Médio, mas raro entre os europeus medievais. E também se descobriu que o perfil das manchas nos dois sudários é compatível (confiram um paper sobre o tema). A Wikipedia diz que, segundo uma datação de carbono 14, o sudário de Oviedo seria do século 7.º, mas que há controvérsias sobre o processo (suponho que sejam de natureza parecida às contestações à datação do sudário de Turim), mas isso não é mencionado no programa, que aliás usa muitos dos entrevistados que já apareciam no documentário anterior. Enfim, como eu nunca tinha visto nada na televisão sobre esta relíquia, parece uma introdução decente, embora ache que pudesse haver um aprofundamento.

Corre, que dá tempo!
O programa sobre o sudário de Turim ainda tem quatro reapresentações: hoje, às 13 horas; no sábado, às 19 horas; e no domingo, às 7 e 11 horas. Já o documentário sobre o sudário de Oviedo vai passar só mais uma vez, hoje, às 14 horas.

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