Uma visita a Angkor Wat levou Daniel Sarewitz, ateu, a fazer alguns paralelos entre a ciência e a religião. (Foto: Bjorn Christian Torrissen/Wikimedia Commons)
A polêmica começou com um artigo na Nature. Inspirado por uma visita a Angkor Wat, no Camboja, Daniel Sarewitz se atreveu a traçar alguns paralelos entre ciência e religião em um artigo chamado Sometimes science must give way to religion e publicado na famosa revista científica. Sarewitz tinha em mente, adivinhem, toda a repercussão da descoberta do bóson de Higgs.
Os templos que Sarewitz visitou no Camboja, conta, foram projetados com a preocupação de refletir simbolicamente, como numa “miniatura”, toda a ordem do universo. É exatamente a pretensão de alguns cientistas (o itálico é necessário aqui), a de que a ciência explica, ou explicará, tudo. E, quando Sarewitz lembra a maneira como o bóson de Higgs foi explicado ao público leitor comum, sem conhecimento científico, por meio de metáforas como o “melaço cósmico” do New York Times, afirma que o indivíduo leigo no assunto precisa, e o verbo é esse mesmo, acreditar no cientista que oferece a explicação. Não da mesma forma como ele acredita no líder religioso que prega sobre realidades espirituais, mas não deixa de acreditar, já que ele nunca poderá fazer os testes por conta própria.
E o articulista ainda se atreve a dizer que a religião proporciona um “encontro com o desconhecido” de uma maneira muito mais intensa do que qualquer ciência poderia oferecer. “Em Angkor, o gênio de uma civilização desaparecida há muito tempo, manifestada pelos séculos por seus monumentos, permite aos visitantes se conectar com coisas além do seu conhecimento de forma que nenhum relato científico ou jornalístico do bóson de Higgs poderia fazer. Em outras palavras, se, daqui a mil anos, alguém visitar as ruínas do Grande Colisor de Hádrons, onde as experiências do bóson de Higgs foram realizadas, é improvável que ele obteria, nas ruínas dos detectores e ímãs supercondutores, uma noção do mundo subatômico que que os cientistas dizer ter sido revelado ali.” Sarewitz, que é ateu, encerra dizendo que sempre será necessário ter outros modos de compreender o mundo que estejam além do que é cientificamente racional.
A reação foi intensa, especialmente por parte daqueles que veem na ciência a única ferramenta capaz de explicar tudo o que existe. Já conhecemos essa turma: são os cientificistas. E, então, o editor-chefe da versão on-line da Nature, Ananyo Bhattacharya, resolveu dar sua opinião, escrevendo como convidado no blog The Crux, da revista Discover. Em Os limites da ciência — e dos cientistas, Bhattacharya oferece sua crítica a alguns dos pontos levantados pelos que atacaram Sarewitz, iniciando com uma anedota sobre o filósofo Ludwig Wittgenstein, que alegou ter sido mal interpretado pelo Círculo de Viena, grupo que descartava como bobagem qualquer coisa que não fosse empiricamente comprovável.
O editor da Nature começa discutindo a reação à afirmação de que o leigo “acredita” na ciência e nos cientistas, e afirma que precisamos diferenciar o conhecimento científico que já está amplamente solidificado das novas descobertas, que correm um risco maior de serem falíveis (lembram dos neutrinos mais rápidos que a luz?). Neste último caso, diz, Sarewitz tem razão: pesquisas novas exigem não uma fé cega, mas um certo tipo de “crença”.
Trecho da minha sinfonia favorita. Para um cientificista, música se resumiria a isso, ou a uma representação gráfica da frequência das notas, captada por algum aparelho. Mas, bem sabemos, música é bem mais que sua representação… (Imagem: Reprodução)
O que Bhattacharya considera mais preocupante, no entanto, não reside aí. Ele se mostra especialmente alarmado com a quantidade de pessoas para quem a ciência é o único modo de entendermos a realidade. Na tentativa de defender a razão da barbárie, afirma, os cientificistas acabam como os camaradas da anedota de Wittgenstein. “É como, dada a existência de uma chave Philips excelente, alguém concluísse que só parafusos com fendas em cruz tivessem utilidade. Ou, pior ainda, que fossem o único tipo existente de parafuso”, compara. O cientificista, conclui o editor da Nature, estaria pronto para reduzir a experiência de assistir a uma peça de teatro ou um filme ao resultado à atividade cerebral registrada por um aparelho de ressonância magnética. O que, como sabemos, não faz o menor sentido.
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