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Ano do Dragão
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Ni hao,

Imagino que todos estão esperando eu contar sobre nossa maravilhosa experiência durante o tão falado Ano Novo Chinês.

O básico, todos vocês já sabem pelo fato da China estar tão em evidência no lado ocidental do planeta: este é o ano do dragão, as pessoas limpam suas casas à espera do novo ano, há comemorações nas ruas… é só dar uma lida na matéria que a Gazeta publicou.

O que eu vou contar para vocês é o que nós vimos durante o Chinese New Year. Aliás, esta é a essência deste blog: vida real.

Nosso Chinese New Year foi bem morninho, com cara de quem passou o Carnaval na fazenda dos avós. Cidade vazia – porque todos vão visitar as famílias, lojas fechadas e obras paradas (OBRAS PARADAS!!!!! nunca vimos isso por aqui). A cidade estava toda decorada de lanternas vermelhas, árvores floridas, dragões estilizados e pés de tangerina.

Chris Dumont

Explicação 1 : o Chinese New Year também é conhecido como Spring Festival pois, de acordo com o calendário chinês, estamos no fim do inverno e início da primavera (apesar de estar fazendo 6 graus!).

Este é o motivo das lojas, shoppings, portarias de prédio estarem decorados com árvores artificiais cheias de flores.

A explicação para os pés de tangerina é outra: além de ter a cor dourada e alegre do sol, a pronúncia também lembra a da palavra ouro: tangerina = JU ZI / ouro = JIN ZI.

Como vocês já devem ter ouvido, aqui na China outras palavras também possuem significados implícitos como, por exemplo, o oito e o quatro.

= oito
GONG XI FA CÁI = Desejo muito dinheiro para você (FA soa como BA, sendo que em alguns dialetos, as palavras com b são pronunciadas com f.

Os números de telefone em que o 8 aparece várias vezes são muito mais caros do que os outros. Lembram das Olimpíadas que teviram início às 8 horas e 8 minutos do dia 8 de agosto de 2008?

SI = 4 ou morte.

Os números de telefone em que o 4 aparece várias vezes são muito mais baratos. Além do que, em alguns elevadores ou condomínios, o andar ou o edifício número 4 simplesmente não existem.

Enfim, o ser humano precisa ou não acreditar em algo não material para poder sobreviver? Santos, anjos, espíritos, números, palavras… estamos todos à procura de ajuda para levar a vida por aqui.

Chris Dumont

Voltando à vida real, dia 22 à noite, liguei a televisão no CCTV1 (canal 1 da Chinese Central Television) para assistir ao tradicional programa de gala que começa às 20 horas e termina depois da virada do ano. Uma espécie de Roberto Carlos ou Show da Virada que todos os chineses param para assistir.

Para minha surpresa (surpresa mesmo!), quem apareceu na tela da TV assim que a liguei foi a Dilma (!), desejando aos chineses um feliz ano novo em mandarim “xin nian kuai le”. Por um segundo, já não saiba mais onde eu estava!

Explicação 2: “xin nian kuai le” é o que desejamos a todos durante esta semana do Spring Festival. Como não é muito difícil de pronunciar, a gente vai soltando “xin nian kuai le” para todo mundo: atendentes das lojas, taxitas, porteiros…. numa falsa e gostosa sensação de que finalmente dominamos o mandarim e estamos conseguindo nos comunicar. E é tão bom quando eles respondem de volta!!!

Xin = novo
Niàn = ano
Kuai le = feliz

Além do significado atual, há muitos anos atrás, contava-se uma história na qual “niàn” era o nome de um monstro malvado que tinha muito medo da cor vermelha e de fogos de artifício. Por isso, até hoje, os chineses se vestem de vermelho no ano novo e soltam bombinhas e fogos durante toda a semana do feriado para espantar o “niàn”.

E, posso dizer, como soltam! Em alguns locais, é impossível dormir à noite. Ainda bem que moramos longe o suficiente para ouvir muito pouco do barulho, mas perto o suficiente para assistir a queima de fogos que vai acontecendo ao longo da noite.

Detalhe: quem nasceu no ano do dragão precisa se proteger mais do que as outras pessoas, por isso, as calcinhas e cuecas devem ser da cor vermelha.

A “Véspera do Ano Novo” também tem um nome, mas é totalmente diferente de “xin niàn”. Eles chamam de “chù xi”.

Chù = se livrar de algo
Xi = novamente, contava-se que um monstro muito malvado, chamado “xi” precisava ser expulso de casa para que o ano começasse bem.

Voltando ao programa de gala, assistimos apenas à primeira parte para entender do que se tratava e, confesso, valeu muito a pena!

Os anfitriões são sempre meio cafonas, do nosso ponto de vista ocidental, com suas roupas cheia de adereços e extremamente coloridas e cabelos penteados para cima, fixados com laquê.

Luiz Rotstein

As músicas falam todas do mesmo assunto “wo yao hui já” ou “eu tenho que voltar para casa”, que é o que os chineses fazem nesta época do ano (inclusive os trabalhadores das obras – ai, não me conformo com as obras paradas!).

Luiz Rotstein

Mas, quando o assunto é espetáculo, os chineses são in-su-pe-rá-veis!

O palco era formado de diversos degraus cobertos de telas de led, que subiam e desciam, e projetavam imagens diversas, tomando formas diferentes de acordo com o tema da música.

Ideia simples, mas que causa um efeito maravilhoso!

Luiz Rotstein
Luiz Rotstein

O número dos pavões foi de uma beleza sem fim!

Luiz Rotstein
Luiz Rotstein

No entanto, apesar de não ser o mais bonito, o número que mais me surpreendeu foi uma dança coreografada por robôs! Sim, robôs.

Luiz Rotstein

Quem estiver interessado em assistir todo o show, que leva só 4 horas, pode acessar http://english.cntv.cn/special/2012springfestival/live/index.shtml.

Enfim, lá pelas 21h30min, fomos jantar em um dos pouquíssimos restaurantes abertos e depois aguardar a queima de fogos. No entanto, como cada um compra e queima seus próprios fogos para espantar o “niàn”, o resultado final é bem fraquinho.

Vocês devem estar se perguntando sobre os presentes. Não é nesta época do ano em que os chineses trocam presentes, como nós fazemos no Natal?

Sim e não. Sim, eles trocam, mas não presentes, e sim dinheiro!

Explicação 3
: Os “hong bao” (envelopes vermelhos), onde o dinheiro é colocado, são uma tradição. Eu sabia que precisava dar um hong bao com dinheiro para a Liu, mas não sabia quanto. Nossa amiga Clair me instruiu a dar 1000 RBM separados em 2 envelopes: um com 800RMB (vocês já sabem o motivo) e outro com 200 RMB.

Fiz exatamente isso: comprei os envelopinhos, arrumei o dinheiro certinho e dei para a Liu com um grande abraço fraternal que ela não retribuiu: braços encostados no corpo, visivelmente sem jeito.

E, para minha surpresa, ela abriu o envelope e tirou 300 RMB: 100 para cada uma das crianças. Eu disse para ela não fazer isso, para gastar o dinheiro com si mesmo, mas ela disse que PRECISAVA. Afinal de contas, ela já era casada e não tinha mais criança em casa. Senti que a coisa era mais séria do que parecia e a deixei dar o dinheiro.

Chris Dumont

Na quinta-feira, minha professora de chinês chegou aqui em casa com 4 envelopes com 100 RMB cada para as crianças (incluindo um para o Fernando que tem 22 anos, pode?).

Ela disse que não era casada e não precisava dar dinheiro nenhum para ninguém, mas como gostava muito de mim, decidiu presentear meus filhos.

O que eu fiz? Sai correndo, peguei minha carteira, raspei os 300 RMB que tinham lá dentro, “roubei” os envelopes das crianças com o dinheiro que ela tinha dado e meti tudo dentro de outro envelope. Ela riu, agradeceu e, mais tarde, disse que eu fiz certo em dar mais do que ela tinha me dado. Ufa!

Um colega de trabalho do Luiz também deu 4 envelopinhos com 10 RMB em cada um para as crianças (e lá está o Fernando faturando uma graninha de novo!).

Essa relação do chinês com dinheiro é muito curiosa.

Vocês se lembram do casamento que fomos? Os noivos recebem dinheiro como presente e, ao fim da festa, distribuem “hong baos” com 10 RMB para todos os convidados como agradecimento.

O Fernando, mais de uma vez, já teve algum colega chinês de balada se oferecendo para pagar a conta dele dizendo “eu quero ser seu amigo”.

O Hera, meu amigo brasileiro que mora aqui, foi no fim do ano a um culto religioso no qual o monge proferiu as seguintes palavras : “2011 acabou, queira ou não queira; goste ou não goste, triste ou feliz (e foi com esta lenga lenga) e no final concluiu: Desejo a todos muito dinheiro no próximo ano, que alcancem as promoções desejadas dentro do governo e cheguem ao topo de suas carreiras e também tenham saúde.”.

Vale a pena acessar o blog dele para ler mais sobre o evento e ver as fotos.

Lembram-se o que as pessoas dizem umas para as outras no ano novo: GONG XI FA CÁI (muito dinheiro para você).

Gente, como assim? Este não é um país comunista? Como é que o dinheiro pode ter um papel tão importante em suas vidas a ponto de servir como medida para as relações afetivas?

Uma amiga brasileira deu 300 RMB para sua empregada, de Chinese New Year, e teve que ouvir “se a senhora gostasse mesmo de mim, teria me dado mais”.

Uma amiga chinesa não foi visitar a mãe numa cidade distante, mas depositou não sei quanto na conta dela, o que deixou mãe e filha muito felizes e orgulhosas de si mesmas.

No Brasil, país capitalista, dar um presente significa que você pensou na pessoa, saiu para comprar, achou algo que a pessoa ia gostar e comprou. A gente valoriza o ato em si e não o valor do presente. Dar dinheiro remete a uma certa preguiça, desconsideração.

Aqui é ao contrário. Se você gosta de mim de verdade, me dê muito dinheiro para que eu acredite.

Mas isso aqui não é um país comunista? Por que o dinheiro tem tanto valor? Por que as pessoas ricas são mais respeitadas do que as pobres? Pelo menos, é esta explicação que sempre ouço quando pergunto o porquê de nós estrangeiros sermos tão bem tratados. “Ah, porque vocês são ricos”.

E não adianta eu tentar explicar que não sou rica, que uso o aluguel do Brasil para pagar a casa da China blá, blá, blá, que eles dizem que a gente não sabe o que é pobreza. Eu digo, “sei sim, o Brasil é pobre, mas até os pobres brasileiros preferem passar o natal com a família a trocar este momento especial por dinheiro”.

Será? Estou ficando meio Poliana? Sonhadora? Fora da realidade?

Uma coisa me parece clara. Nós somos capitalistas, nos forçam a comprar presentes no natal, no dia das mães, pais, crianças, periquito, papagaio, mas somos muito religiosos! E a nossa religião diz que é “mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Dinheiro demais nunca é bom sinal.

Aqui, onde não se vê uma igreja ou templo a cada esquina, querer, ter e dar dinheiro não é vergonha. Muito pelo contrário. Hong baos, tangerinas douradas, desejos de “muito dinheiro” no lugar de “muita paz, amor e saúde” são muito bem-vindos.

Mas, quando os chineses descobrirem que dinheiro pode ser guardado e que dinheiro guardado não gera vendas e não faz rodar a economia, pode ser que este ritual mude. O que eu, sinceramente, duvido muito.

Chris Dumont

Chega, dei uma de antropóloga e economista sem ter o menor cacife para isso!

Vamos passar logo para o…


ISSO É A CHINA

Os chineses se consideram culturalmente como o “Império do Meio” ou “o país que está no centro do planeta Terra”.

China em mandarim é zhong guo. Zhong é centro e Guo é país.

E não é que é verdade? Os mapas por aqui são todos assim.

Chris Dumont
Chris Dumont

Xin nian kuai le e muito dinheiro para todos nós!

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