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As Flores da Guerra
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Ni hao
你好

Antes de vir para China, já tinha ouvido falar que os chineses odiavam os japoneses, mas nunca tinha dado muita atenção ao fato. Nós também não “odiamos” argentinos?

Abre parênteses: A primeira guerra entre os dois países aconteceu no fim de 1800 e, a segunda, antes e durante a segunda guerra mundial.

Se você quiser entender melhor o bafafá entre os dois países, acesse http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Sino-Japonesa Fecha parênteses.

Chegando aqui, combinando de ir a um restaurante japonês com minha professora de mandarim, ela acabou demonstrando profundo desdém pelos japoneses. Comecei, então, a perceber que o buraco era um pouco mais embaixo.

Ainda assim, eu como boa brasileira, do alto da minha ignorância histórica, mandei aquele papo de “deixa disso”, “todo mundo é igual perante a Deus” e outras frases feitas que, versadas para o inglês, ficaram ainda pior.

Conversando com o Fernando, ele também comentou que passou pela mesma situação na sua roda de amigos chineses, na casa dos 20, que disseram, explicitamente, não querer falar do assunto.

Foi aí que, por sugestão de meu amigo Hera, fui assistir ao filme chinês Flowers of War (Jin Lín Shí San Chai), dirigido por Zhang Yimou, o mesmo de Adagas Voadoras e Lanternas Vermelhas e protagonizado por Christian Bale (aquele ator do filme Batman).

Divulgação

Essa é a sinopse do filme que tirei do site http://cinema10.com.br/filme/the-flowers-of-war:

“O roteiro, baseado no romance The 13 Women of Nanjing reconta a história do massacre de Nanjing, quando tropas militares japonesas, em 1937, invadiram a cidade chinesa e estupraram e mataram milhares de mulheres. A batalha ficou conhecida como o Massacre de Nanquim ou, ainda, o Estupro de Nanquim”.

Divulgação

Eu e Luiz não estávamos levando a menor fé num filme falado em chinês de duas horas e meia de duração, sobre um assunto que pouco tinha a ver conosco. No entanto, ambos saímos do cinema calados, assim como todos os chineses que assistiram a sessão.

Havia caído uma ficha importante e a gente passou a entender a razão de tanto ódio, de tanto rancor.

E eu arriscaria dizer até mais.

Acho que, depois daquele filme, percebemos que um pedacinho pequeninho de nós estava virando chinês, por conta de todo o carinho que temos recebido por aqui. E este pedacinho pequeninho, empaticamente, também se entristeceu com o que viu.

É só fazer as contas para entender que muitas dessas mulheres que foram prostituídas e/ou estupradas durante a segunda guerra, ainda estão vivas. E, se já morreram, seus filhos e netos provavelmente estão e carregam esta tristeza, para não falar de outros sentimentos, em suas costas.

Isso explica, mas não justifica, algo muito estranho que vi semana passada.

Mais uma vez, meu amigo Hera, que me abre todos os dias novas portas na China, me convidou para assistir a festinha de fim de ano do Maternal chinês.

Estava tudo uma gracinha, e super ultra bem organizado, com crianças vestidas de bichinhos ou de flores ou de outros personagens que fazem parte das tradições chinesas.

Até que lá pelas tantas, um dos professores sobe ao palco e fala da guerra entre a China e o Japão e das estratégias usadas pelos chineses que, em total desvantagem, tiveram que inovar.

Uma delas era a formação de uma fila indiana que corria em direção ao tanque inimigo numa ação suicida para que o último da fila, já muito perto do tanque, depois que todos os outros que estavam a sua frente já tivessem morrido, pudesse jogar uma bomba bem em cima dele, antes de também cair baleado.

Como se não bastasse o discurso, as crianças tiveram que encenar a guerra entre os dois países com direito a chinesinhos fantasiados de soldados japoneses.

Chris Dumont

A pergunta é: lembrar para não repetir o erro ou esquecer para não estimular o ódio?

Tudo isso me fez pensar o quão boba é nossa rixa com os argentinos diante de tantos judeus mortos por alemães, chineses mortos por japoneses, e tantos outros conflitos que nossa ignorância nem sabe que existem.

E indo ainda mais longe, e talvez num delírio momentâneo, fiquei pensando que a tristeza e o rancor do brasileiro tem outro tipo de origem, mas nem por isso de menor proporção.

É a tristeza de ver o filho da sua empregada morrer de bala perdida. De saber que o cunhado da sua amiga foi baleado e morto em um assalto. De ler nos jornais que uma criança foi arrastada por um assaltante, durante metros, preso ao cinto de segurança do carro.

Aposto que se minha professora chinesa, que vive num país altamente seguro, me visse mal dizendo um desses traficantes, assaltantes, pivetes, “maiores abandonados” também diria, do alto da sua ignorância, “deixa disso”.

Até semana que vem!
下周见

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