Ni Hao,
Acabei de ler um livro chamado “O que a China pensa” de Mark Leonard. http://en.wikipedia.org/wiki/Mark_Leonard_(writer) A orelha, numa tradução mais do que livre de minha parte, diz mais ou menos o seguinte:
“Muito poucos eventos históricos em nossa vida serão lembrados depois que já estivermos mortos. Mas assim como a queda do Império Romano ou da União Soviética, a ascensão da China e suas consequências vão reverberar por gerações e gerações. Como pode, então, que não saibamos quase nada sobre o que os pensadores chineses sonham para o seu país e como eles estão construindo seu futuro? Metade das roupas e sapatos do mundo possui a etiqueta “made in China” e a economia do mundo está intimamente ligada à dela. E o que sabemos sobre os experimentos deste país com a democracia, ou seu movimento antiglobalização ou seus planos de como lidar com sua crescente influência pelo mundo a fora?”.
Semana passada, meu pai me enviou uma matéria da revista Exame chamada “A China do Futuro. E o futuro do Brasil” e eu, que há tempos vinha resistindo a escrever neste blog sobre “democracia”, resolvi jogar o assunto no ventilador e ver no que vai dar.
Seguem abaixo, leitores, alguns pensamentos do professor Pan Wei da Universidade de Beijing sobre democracia, retirados do livro “O que a China pensa?”.
Lembrem-se de que viver aqui é um exercício diário de quebra de paradigmas, portanto, mantenham mentes e corações abertos para novos pontos de vista.
ABRE ASPAS
Vocês falam de democracia como se fosse uma religião que precisasse ser espalhada pelo mundo inteiro. Mas eleições não vão resolver nenhum dos problemas que a China tem hoje, tais como o aumento dos protestos, a diferença entre ricos e pobres, a falência da área rural, o baixo consumo interno ou a perversa corrupção da elite política.
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A questão premente para a maioria das pessoas não é quem deveria dirigir o governo, mas como o governo deveria ser dirigido. A reforma política deve fluir a partir de problemas sociais, em vez de princípios universais ou ocidentais (regime democrático).
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Quanto mais eleitores os políticos querem atingir, mais dinheiro eles precisam. Sempre haverá pessoas ricas que querem fornecer dinheiro em troca de suporte do governo. Portanto, uma vez eleitos, os funcionários públicos terão que servir aos eleitores assim como aos provedores de dinheiro.
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Os ocidentais entendem mal o próprio sistema. Eles assumem que seus países são estáveis e prósperos por causa da democracia. Só que confundem os benefícios da democracia com aqueles do estado de direito (no qual os políticos assim como os cidadãos estão submissos às leis promulgadas).
Assim como Ying e Yang, democracia e estado de direito estão em eterno conflito. Democracia é dar o poder ao povo. Estado de direito é colocar limites neste poder. Democracia é fazer as leis. Estado de direito é o cumprir as leis. A base da democracia está nos ministros, primeiros ministros ou presidentes eleitos pelo povo (maioria). Mas o poder do estado de direito vem de juízes e auditores deliberadamente escolhidos através de exames e de suas performances (mérito).
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No ocidente, vocês podem se beneficiar dos dois sistemas, porque já atingiram um nível de riqueza e modernidade que permite que os dois convivam, em equilíbrio e tensão permanentes. Por outro lado, países em desenvolvimento, não podem se dar a este luxo.
Eles precisam escolher entre um e outro. Muitos países em desenvolvimento, da Iugoslávia à Angola, escolheram democracia sem estado de direito. O resultado é o caos, com regimes populistas explorando tensões étnicas para ter o poder nas mãos.
A introdução precoce da democracia tem prejudicado o estado de direito e a modernização, forçando os líderes a agradar o sentimento popular ao invés de fazer reformas dolorosas de longo prazo.
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Por outro lado, países como Singapura e Hong Kong adotaram o estado de direito sem democracia. Estes países não conhecem nada a não ser o sucesso: suas economias crescem constantemente e atraem investimentos, eles conseguiram eliminar a corrupção e desenvolveram identidades nacionais fortes.
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FECHA ASPAS
A democracia chinesa (se é que existe alguma outra forma de democracia se não aquela que conhecemos) vem sendo testada de outra forma. Conheçam agora o experimento realizado na cidade de Chongqing, que está virando um laboratório para as ideias de Pan Wei, de fortalecer o estado de direito e de consultar o povo sobre decisões importantes.
Em Chongqing vêm sendo organizadas audiências públicas (já foram 600 até 2008 – quando o livro foi publicado) envolvendo 100.000 cidadãos, sobre assuntos tais como compensações para camponeses cujas terras foram confiscadas, valor do salário mínimo, preço da água, gás, educação e outros serviços públicos.
Para evitar que apenas os formadores de opinião se manifestem e votem a favor de seus próprios interesses, as audiências são desenhadas da seguinte forma.
Uma amostra da população é convidada a participar do “Papo Democrático de Coração para Coração” (nome altamente emocional dado pelos chineses) em troca do ticket de transporte e de 50 RBM (mesmo método usado no Brasil para realização de grupos de pesquisa de mercado).
Os convidados passam o dia recebendo informações sobre os prós e contras de 30 projetos (de construção de esgotos e rodovias até uma nova praça para a cidade) e, no fim do dia, eles escolhem os 12 que gostariam que o governo realizasse.
Segundo Pan, isso mostra como Governos, sem competições partidárias ou outros métodos convencionais usados na democracia ocidental, podem se utilizar de dois valores democráticos fundamentais para tomar decisões: igualde política e deliberação.
Enfim, leitores, esta é apenas uma parte ridiculamente pequena de um dos temas abordados pelo livro de Mark Leonard.
Eu, que sempre, sempre, sempre acreditei que não se poderia viver num país não democrático, fico pensando, diante do que o Brasil vem passando há anos, se Pan Wei não teria razão no que diz.
Por outro lado, como viver sem liberdade de imprensa, tendo que usar um VPN (Virtual Private Network) para saber o que efetivamente está acontecendo no nosso país?
No entanto, com democracia ou sem ela, a verdade é que hoje a China é o país da vez enquanto nós permanecemos o “país do futuro”.
Para quem tiver mais interesse sobre a China de Xi Jinping e Pan Wei, descobri no Youtube uma entrevista com ele legendada em português. Lembrando que o Youtube é proibido na China e que, para acessá-lo, precisei usar o VPN.
zaijian
再见