Ni hao,
Venho recebendo alguns e-mails de brasileiros que estão se mudando para a China a trabalho e que estão muito preocupados com a adaptação dos filhos a uma cultura tão diferente. Eu tento acalmá-los dizendo que as crianças nasceram com capacidade de mimetismo, ou seja, mudar seu aspecto de acordo com o meio ambiente. Bicho-pau, camaleão e criança, dá tudo na mesma!
Vamos pegar o Dudu como exemplo. Ele chegou aqui com oito anos (caramba, até eu me surpreendi agora!) sem falar nada de inglês. Três meses antes de vir para cá, contratei professor particular, assistia a filme sem legenda, lia livros em inglês com ele, mas nada disso adiantou muito.
Um dia antes de fazer o teste para entrar na escola internacional aqui na China, a QSI, Eduardo ainda trocava as bolas. Eu perguntava: Dudu, “How old are you?”. Ele respondia de bate-pronto, “Brazil!”. Não, Dudu! Então, “Where are you from?” “Eight years old, ué?”.
Felizmente, a QSI tem como principal objetivo promover a integração dos alunos cuja língua materna não é o inglês, ou seja, não só o Dudu foi aceito na escola, como seis meses mais tarde já estava dominando a língua inglesa por completo.
Hoje, Eduardo sente dificuldades para me contar histórias em português e faz traduções do tipo: eu “sei” ele, em vez de eu “conheço” ele, usando o verbo “to know” para as duas situações, como se faz no inglês.
E chinês? Ele não aprende?
Aprende na escola, mas infelizmente o ensino do chinês na escola internacional equivale ao ensino do inglês na maioria das escolas do Brasil. É aquela coisa meia boca, café-com-leite, não prioritário. Como há poucas crianças chinesas na escola, os expatriadinhos não têm oportunidade de usar a língua no dia-a-dia. Por isso, a maioria dos estrangeiros, mesmo aqueles que vivem aqui há cinco anos ou mais, não falam chinês.
Eu acho isso um absurdo, uma perda de tempo, mas, pelo visto, meus filhos estão indo pelo mesmo caminho. Ou melhor, ano que vem vou colocar todo mundo em aula particular!
Aprendendo ou não chinês, o que nossas crianças ganham vindo para cá é uma nova perspectiva de vida; para a vida inteira.
Antigamente, eu já sabia que a Mariana, terminado o Ensino Médio, iria fazer Vestibular/Enem e, se fosse bem, passaria para uma universidade pública economizando alguns milhares de reais dos nossos bolsos. Todos os dias ela iria para universidade e voltaria para casa, até completar os quatro ou cinco anos de estudo e partir para o mercado de trabalho.
Agora, a coisa mudou completamente. A Mariana tem o mundo a sua frente. Qualquer universidade de qualquer país é uma opção. Nossa filha, daqui a dois anos, deve morar em outro continente, muito longe de nós e, pela primeira vez, a família se dividirá. Eu, como mãe latino-americana, não sei se já estou preparada para isso.
De qualquer forma, “independência” é o que estou tentando ensinar para nossos filhos desde já. Assim, quando chegar a hora de viverem sozinhos, dividindo um quarto num campus, sem comidinha da mamãe, sem caminha arrumada e roupinha lavada, talvez eles não sintam tanta diferença.
Hoje, por exemplo, pedi para a Mari tirar dinheiro no caixa eletrônico e ela, fazendo jus à sua cabeça adolescente, esqueceu o cartão dentro da máquina! Eu quis matá-la só um pouquinho, mas consegui me acalmar e aproveitei o ocorrido para adestrá-la (às vezes acho que estou mais para adestradora do que educadora).
Felizmente, na China eu não preciso me preocupar muito com o cartão. Apesar de todos os rolos que provavelmente vamos ter por conta da língua, é quase certo de que não seremos roubados.
Trabalhar também é algo que tento estimular nas crianças. Essa coisa de baby sitting, passear com o cachorro dos outros, ajudar em festinhas para ganhar uma graninha é muito comum por aqui. Por isso, alguns meses atrás, convenci a Mariana de que ela podia fazer uma boa grana vendendo brigadeiros para estrangeiros. Só para estrangeiros, pois os chineses não gostam de coisa muito doce. Até o sorvete do Mcdonalds na China é menos doce do que de outros países do mundo.
Pois bem, preparamos 100 brigadeiros, levamos para um bazar na casa de uma amiga francesa e conseguimos vender a enorme quantidade de 10 unidades, das quais 4 para a dona da casa. A solução foi fazer um acordo com o Dudu: “50% do que você conseguir vender são seus!”. Duas horas mais tarde, ele já tinha conseguido vender quase tudo para os amiguinhos, amiguinhos dos amiguinhos, pais dos amiguinhos, vizinhos dos amiguinhos…
Marquinhos, de garoto tímido, passou a fazer o tipo “agregador”. Os professores elogiam seu senso de humor e ele é convidado a fazer parte de todos os times da escola, jogando fora de Shenzhen e se hospedando na casa de gente que nunca viu antes.
Já compôs uma música em inglês que coloquei no Youtube. Mas, seu eu divulgar o link por aqui, Marquinhos vai ao consulado pedir emancipação precoce.
Outro dia, o amigo boliviano, Marcel, cortou o dedo num poste e Marquinhos, “habitué” do Shenzhen Hospital, levou-o para tomar pontos antes mesmo dos pais do garoto saberem o que tinha acontecido.
Enfim, Marcos amadureceu.
Voltando para o Dudu, ele está levando a sério essa coisa de ganhar dinheiro e ser independente. Hoje, ele me apareceu com umas carteiras de papel que aprendeu a fazer pela Internet, e já está aceitando até encomendas. O preço? 30RMB ou R$ 10,00 cada.
Além disso, toda segunda-feira ele tem aula de futebol com um professor brasileiro que veio tentar a vida aqui com a família. O “coach”, como todo mundo o chama (seu nome, Dejair, é complicado de mais para os estrangeiros pronunciarem), volta e meia precisava da ajuda do Dudu para explicar uma jogada, ou traduzir termos como “embaixadinha”. A boa vontade dele para ajudar o coach foi tanta, que acabou ganhando as aulas de quarta-feira de graça. Ou seja, Eduardo foi o primeiro da família a conseguir bolsa de estudos!
Semana retrasada, Dudu surpreendeu de novo. Ele disse que ia participar de um campeonato de skate organizado pelos chineses donos da pista onde brinca com os amigos. No fim de tarde, Dudu voltou para a casa com um skate novo! Tirou segundo lugar no campeonato, atrás apenas do amiguinho americano.
Eu e Luiz, ao vermos o vídeo que os chineses fizeram para divulgar o campeonato, ficamos nos olhando com cara de “de onde saíram esses chineses?”. Apesar de já estarmos há quase dois anos vivendo aqui, às vezes nos esquecemos da globalização e de que os hábitos e códigos ocidentais também fazem parte da juventude de olhinhos puxados.
Este é o link do vídeo que está rolando no Youku (site chinês de compartilhamento de vídeos cujo nome é bastante sugestivo), uma vez que o Youtube é proibido na China. O Dudu está de camisa vermelha.
http://v.youku.com/v_show/id_XNTU4MjUyMTAw.html
Enfim, meu conselho aos brasileiros que virão morar aqui é: não tenham medo de trazer seus filhos para China. Na realidade, não é para China que vocês os estarão trazendo, mas sim, para o mundo!
Zai Jian
再见
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