Ni Hao,
Semana passada, um amigão chinês do Luiz, aproveitou a hora do cafezinho para dar a notícia de que a mulher estava grávida. Luiz já havia começado com aquelas coisas de brasileiro “cara, que delícia, parabéns” e coisa e tal, quando o amigo complementou: “_ É, mas tem uma coisa”.
Pela cara do amigo, Luiz achou que o filho fosse do japonês da lavanderia. Mas não era bem isso. Seu colega, como se estivesse falando de um celular quebrado, apenas complementou: _ “Ela fez um aborto ontem”.
Ops! Choque Cultural de novo!
Todo mundo sabe que a China tem mais de 1 bilhão de habitantes e que, se a taxa de natalidade continuasse alta como nas décadas anteriores, o mundo inteiro acabaria tendo que trabalhar para alimentar, abrigar e vestir os chineses.
Segundo a Wikipedia, “as políticas demográficas implementadas na China desde 1979 ajudaram a evitar 400 milhões de nascimentos extras” ou seja, dois Brasis em 30 anos.
No entanto, quando ficamos cara a cara com a “política do filho único”, como no caso do amigo do Luiz que já tem um menino de 3 anos, a coisa muda de “aula de história” para “vida real”.
Como assim? Abortou? E o cara conta para todo mundo com a maior cara lavada? E ele não está nem triste! E nem a mulher! Que mundo é este, meu Deus? Que mundo é este?
Respondo: Este mundo, ou melhor, este país não é católico apostólico romano. Este país aprendeu a colocar a razão acima da emoção por uma simples questão de sobrevivência.
Chamei o amigo do Luiz para um café e conversamos um pouco sobre o assunto. Ele nos explicou que há 20 anos, era terminantemente vedado às famílias terem mais de um filho. Hoje em dia, você pode desde que pague ao Governo a quantia de 250.000 RMB ou R$ 60.000,00.
Então rico pode ter filho e pobre não? Desde quando dinheiro é aval de cuidado, carinho, amor?
Deixem-me explicar melhor esta lógica filial-financeira.
Se você quiser ter um segundo filho e esconder do Governo, dá para fazer. Há casais que dizem que o caçula é filho do primo, do irmão ou de algum parente e que eles estão, apenas, tomando conta.
O problema começa quando a criança precisa ir à escola ou de cuidados médicos. Se você não pagou os 250.000 RMB adiantados, vai ter que começar a desembolsar parceladamente, pois ao contrário dos cidadãos “obedientes”, você vai ter que pagar pelo estudo e pela saúde da criança.
O Governo diz que os pais gastam por volta de 2 milhões de RMB entre educação e saúde dos filhos e que, portanto, 250.000 RMB seria uma pechincha!
Que absurdo!!! Pagar para ter filho!!!
É um absurdo mesmo! Mas vamos tentar pensar de outra forma.
Na China, você pode ter o primeiro filho independente da sua condição financeira. No entanto, para ter o segundo, você precisa provar que tem condições de sustentá-lo. O depósito adiantando de 250.000 RMB significa que você não vai transformar seu filho num menor abandonado.
Então, se por acidente você engravidar e não tiver como sustentar seu filho, é só ir a um hospital e fazer um aborto. Para as mulheres casadas, o procedimento sai de graça, e para as solteiras, custam 2.000 RMB (R$ 500,00) independentemente de ser o primeiro ou segundo filho.
Além de desestimular o nascimento do segundo filho, o Governo ainda concede benefícios adicionais aos que se mantém apenas no primeiro. Outro dia mesmo, a Liu pediu para sair mais cedo porque tinha que provar que só tinha tido um filho. Estranhei um pouco, porque ela já está com 47 anos, mas agora entendo. Um filho = mais benefícios.
Quando começa a vida? Na concepção, no nascimento, depois do cérebro formado? Os chineses aconselham que o aborto seja feito antes de 3 meses quando a criança não vai sofrer nada.
Nosso amigo, que já tinha o dinheiro para pagar pelo segundo filho, achou que esta não seria a melhor hora para tê-lo e abortou. Antes dos 3 meses, pronto, nada demais, fim de história.
Aí eu me pergunto: será que ele vai para o inferno, purgatório ou qualquer outro lugar onde pagará por seu pecado? Mas se ele não acha que é pecado, muito pelo contrário, é estimulado a fazer isso, então ainda assim ele é um pecador?
Ai, chega! Essas reflexões não vão levar a lugar nenhum. Na China é assim, no Brasil não e pronto.
Daqui a 30 anos, a gente volta a se falar para ver quem tinha razão.
Razão?
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