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MattWilson/Wines of Chile
Carlos Coelho
MattWilson/Wines of Chile

Há uma década, um precipício mais extenso e profundo que o Oceano Atlântico parecia tornar intransponíveis as barreiras entre os vinhos do Velho e do Novo Mundo – o primeiro, representado por países europeus tradicionais, como França, Itália, Portugal e Espanha; o segundo, pelos que estão fora deste eixo, entre eles os sul-americanos. Enquanto um era um brilhante sutil, charmoso e sem arestas a lapidar, o outro era um vulcão em pleno início de erupção, mas ainda rústico e arredio ao paladar.

Foi a passos largos e muita ousadia que o mais promissor dos representantes destes novos produtores, o vinho chileno, construiu pilares de uma ponte invisível que encurtou esta distância. Impulsionado por técnicas modernas, novos terrenos (ou terroirs, na linguagem dos enófilos), pesquisas e trabalho intenso de enólogos locais, os vinhedos do Chile querem provar que o Novo Mundo também é terra de Baco.

Pelas terras do vulcão

Talvez o grande segredo para esta evolução, cogitam especialistas, tenha sido a produção espalhar-se pelo longo e estreito país. O que antes ficava restrito às proximidades da capital, Santiago, no Vale Central – aposta certa de quem planta as corpulentas cabernets sauvignon –, ganhou novos horizontes. Os produtores enxergaram nos inúmeros vales que formam o território chileno, cada um com seu microclima particular, mais do que lindas paisagens em cartões-postais. Viram uma grande oportunidade de dar personalidade e complexidade às suas bebidas.

E o resultado está sendo colhido. E vendido. “O vinho chileno já não pode – nem deve – ser enxergado como uma sombra dos franceses”, define Rafael Urrejola, enólogo da Viña Undurraga. Segundo os enólogos, os vinhos estão mais consistentes, complexos (cheio de notas e nuances) e com características próprias – o sabor e o aroma remetem ao solo chileno em que a uva utilizada foi plantada. “É principalmente esta identidade (ou personalidade, como se diz no mundo dos vinhos) que faz com que eles não sejam mais uma cópia dos vinhos franceses, como muitos costumavam apontar no passado, mas sim um produto com autonomia”, define o enólogo John Duval, mestre da vinificação australiana que faz as vezes de consultor e empresta seus conhecimentos a vinícolas do país sul-americano, como a Viña Ventisquero.

Da região central do país, as plantações se alastraram para o norte. O Vale do Elqui é quase fronteiriço ao insípido Deserto do Atacama. Por lá, desafiadores das leis naturais resolveram aproveitar a fria altitude dos dois mil metros acima do nível do mar para desenvolver syrahs que hoje são a maior promessa do Novo Mundo.

A casta nunca foi uma novidade no país, é verdade. Porém, o seu cultivo em regiões geladas, sim. O resultado são rótulos mais frutosos, aromáticos e elegantes – uma marca que o diferencia de outros tantos syrahs produzidos no mundo. “Essa é a próxima grande uva chilena. A forma como é produzida no país a deixa com uma personalidade inigualável”, aposta John Duval.

Os vinhedos também caminharam no sentido sul. Nos vales de Bío Bío e Malleco – quase no extremo do país – pinot noir, chardonnay e sauvignon blanc estão sendo plantadas. Uma busca evidente para estabelecer ali um novo terroir para as castas.

Da mesma forma, a produção vinícola tem feito descobertas em regiões litorâneas. O clima frio proporciona justamente a característica mais marcantes desta nova produção no país. De vales, como Casablanca, e mais recentemente Leyda e San Antônio, saem alguns dos rótulos mais surpreendentes do Chile. Lá, estão novamente os syrahs de clima frio. Mas são os brancos que mais têm se mostrado fenomenais. A região fria concentra o sabor da fruta e permite a sua retirada em um processo controlado. Com isso, o resultado são bebidas refrescantes e com aroma que explode ao nariz. E o mais impressionante: muitas delas com estrutura para envelhecer de cinco a oito anos, sem perder qualidade – algo bem incomum no mundo dos vinhos brancos.

Novas técnicas e resultados

Além de expandir sua produção por novos terroirs, o Chile se profissionalizou. Mais do que isso: se modernizou. As vinícolas têm investido em equipamentos e estudos. Uma feliz evidência disso é a carmenere. A uva francesa sempre foi símbolo no Chile – ao lado da cabernet sauvignon, é claro –, mas nunca havia caído realmente no gosto dos enófilos locais e das proximidades. Uma nova técnica de produção aplicada elevou seu status. Passou-se a colhê-la no momento em que ela rende mais: madura.

Como é de ciclo longo, precisa de seu tempo para maturar. O que não acontecia anteriormente. Adiantava-se a sua colheita para livrá-la das ações naturais ou dos predadores – isso lhe dava um caráter demasiadamente verde.

Casa Lapostolle/Divulgação

Com a nova colheita, os carmeneres chilenos passaram a esbanjar boa fruta. Madura, acima de tudo – o que reflete em seu aroma, mais agradável, com taninos bem mais pegados e polidos e sabor elegante. Exemplo disso é o espetacular Purple Angel, da vinícola Montes, que colocou a casta definitivamente no hall das melhores do país em concursos nacionais e internacionais. Um vinho bem chileno, que assim como vários outros desta nova leva “não cabe apenas em um copo”, como definia o poeta Pablo Neruda – filho mais ilustre da terra dos vulcões.

* O jornalista viajou ao Chile a convite da Wines of Chile

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