A cerveja faz parte da vida do brasileiro. Sob o sol dos trópicos, aprendemos a tomar a “loira gelada” para refrescar e descontrair ao fim do dia. Mas esta concepção tem mudado, o consumidor brasileiro passou a descobrir as cervejas gourmet, feitas artesanalmente, com ingredientes selecionados e em uma infindável gama de estilos, já tradicionais no Velho Mundo.
“O consumidor está cansando da cerveja comercial e procura alternativas nas cervejas especiais. Eu comparo com o que aconteceu com o vinho há alguns anos. É uma cultura que tem crescido e se refinado cada vez mais”, afirma Iron Mendes, membro da Associação de Cervejeiros Artesanais do Paraná (AcervA-Pr). Segundo ele, o mercado das cervejas gourmet tem crescido tanto no consumo quanto na produção. Estima-se que a produção nacional de cerveja gourmet represente 4,5% do total de 10,34 bilhões de litros anuais, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja.
Para um dos mais renomados especialistas em cervejas do Brasil, Edu Passarelli, o país está passando por profundas mudanças no modo de pensar a bebida. “O Brasil vive uma revolução gastronômica. Temos procura por bons cafés, queijos e azeites. A cerveja não ficou fora e a que domina o mercado é muito neutra para agradar paladares mais refinados”, diz.
Muito prazer, cerveja
O universo da cerveja se divide em famílias, dentro das quais se destacam diversos estilos, definidos pelos ingredientes utilizados e pelos processos de fabricação. A separação mais usual é feita em três famílias: as Lager, as Ale e as Lambic. A diferença fundamental é o grau fermentação.
As Lagers (diz-se “láguers”) são cervejas de baixa fermentação, mais leves. São desta família a Pilsen (estilo mais consumido no Brasil), a Munich, a Oktoberfest, a Bock e a Rauchbier. “As Lagers variam mais na quantidade e qualidade de matéria-prima utilizada, como o lúpulo, mas não tem notas tão complexas”, diz Alexandre Willerding, da Cervejaria da Villa, casa em Curitiba especializada em cerveja gourmet, com mais de 80 rótulos no balcão.
As Ales (lê-se “êils”) são cervejas de alta fermentação, é uma família das grandes que inclui as cervejas de trigo, as Weiss, as Porter, as Pale Ale, as Stout e as Trapistas. “As Ales já trazem características destacadas na fermentação, como os toques frutados, condimentados. São bastante aromáticas”, diz Passarelli.
As Lambic (lê-se lambiquis) são cervejas belgas de fermentação espontânea. Algumas têm a adição de frutas, como a cereja (conhecidas por Kriek) e a framboesa (chamadas de Framboise). Diz a lenda que os porões onde a cerveja é armazenada para fermentar nunca são limpos, para manter uma quantidade boa de fermento natural no ar.
Como se serve
Para apreciar uma cerveja por completo, alguns fatores precisam ser observados. A temperatura ideal – nem sempre vale o nosso “estupidamente gelada” –, o modo de servir e o copo são fundamentais. A maioria das cervejarias produzem também os copos adequados para cada estilo de sua linha.
O chef e especialista em cervejas do Carocha Bar, Luiz Fernando Pacheco, explica a regra básica. As Ales necessitam de copos mais abertos (às vezes, lembram taças de sorvete), como os usados para a degustação de Strong Golden Ale, Trapistas e Abadias, enquanto as Lagers podem ser servidas em copos mais simples, de boca estreita, as conhecidas tulipas. “As Ales têm notas mais complexas que só se apresentam quando a cerveja é servida na temperatura e copo ideais”, afirma.
Os canecos (também chamados de steins) têm efeito decorativo, produzidos especialmente para cervejas festivas, como a Mäzen, estilo alemão fabricado apenas para as Oktoberfest, tradicionais festas alemãs. Os populares pints ingleses – copos bojudos de 568 ml e com boca larga – são indicadas para Stouts e cervejas de malte torrado, ricas em espuma, como a irlandesa Guinness.
A variedade de copos impressiona: estreitos e curtos, ao estilo Kölsch (de baixa fermentação) para degustação rápida e gelada, ou altos e abaulados, como os das cervejas de trigo. A parte côncava próxima à boca faz com que a cada virada do copo, o líquido e os sedimentos se misturem. “O ideal para servir a Weiss é primeiro colocar lentamente o líquido e ao final agitar a garrafa para misturar o corpo de fundo, já que não são filtradas”, comenta Juliana Stavnetchei, também do Carocha. Os copos para Weiss em geral são grandes, com meio litro, para que caiba todo conteúdo da garrafa.
Espuma
A espuma depende do modo como a cerveja é servida no copo. Juliana indica que o apreciador, se for consumir em casa, procure saber um pouco mais sobre o rótulo e o estilo da cerveja. Algumas, como as Porter, requerem que se faça espuma, sem inclinar o copo. Outras como a Guiness (que vem com um mecanismo dentro da lata, que libera nitrogênio quando aberta) devem ser colocadas delicadamente. Já a Dry Hoper Eisenbahn 5, edição comemorativa que virou série, requer o mínimo de espuma ou se torna muito amarga. “É interessante saber mais sobre a cerveja que você comprou, como é servida e o que acompanha bem”, diz.
Harmonização
Com as cervejas figurando nas cartas de restaurantes de alta gastronomia, a harmonização se torna um prazer à parte. Além de ser consumida sozinha, a cerveja acompanha pratos requintados e complexos.
Algumas cervejarias têm investido em cervejas específicas para esse fim. A catalã Estrella Inedit, da cervejaria Damm, foi produzida em parceria com o renomado chef Ferran Adrià, especialmente para acompanhar pratos da alta gastronomia. A catarinense Eisenbahn também traz a Lust, uma cerveja produzida pelo método champenoise. Ambas tem apresentação em garrafas semelhantes as de champanhe, servidas em taças do tipo flauta ou para vinho branco.
A regra da harmonização, segundo o chef Gui Barán, professor do Espaço Gourmet, escola que dá cursos de gastronomia em Curitiba, é a mesma adotada para os vinhos: os sabores podem se complementar ou sobressair, para valorizar os aromas. “A cerveja é bem versátil, consegue acompanhar diferentes pratos”, comenta.
Ele explica que, quanto mais complexo o prato, mais complexa a cerveja que o acompanha. Pratos leves de verão, como o camarão, harmonizam com cervejas refrescantes, como Pilsen ou Weiss, ao passo que as Bock e as Trapistas – tradicionais cervejas belgas produzidas por monges há mais de cinco séculos – exigem pratos mais requintados.
Barán sugere três harmonizações: a primeira é bem brasileira, feijoada com a Colorado Demoisele, uma porter adicionada de café. A Eisehbahn Kölsch, da família das Ales germânicas, acompanha camarão e fava de ervilha abraçadinhos. As sobremesas também podem ganhar o acompanhamento. “Algumas são excelentes para serem degustadas com doces”, diz o chef, que indica a belga Urthel Tripel com um abacaxi flambado com crema de aceto balsâmico.
Cerveja em casa
Para alguns, a paixão da cerveja vai além de tombar o copo rumo à boca. Trata-se de um complexo processo químico que exige muita paciência, critério e estudo: o home brewing, a arte de fazer cerveja em casa.
O químico Samuel Cavalcanti, recifense, há 18 anos em Curitiba, conta que a paixão por fazer cerveja surgiu como um hobby e já está quase virando profissão. Após compor uma biblioteca sobre o tema, ele montou uma microcervejaria, a Artesam. Alguns estilos saem em pequena escala, apenas para degustação, mas ele prepara a comercialização de uma exótica Brown Ale com pinhão. “Percebi que, como o pinhão é rico em açúcar, poderia usá-lo, torrando-o e extraindo seu flavor”, comenta.
Cavalcanti, que já viajou dos Estados Unidos a Mongólia provando cerveja, diz que a Angustifolia Brown Ale tem lançamento previsto para o meio do ano. “Existem alguns trâmites de documentação e registro que demoram a ficar prontos, mas creio que para o inverno já teremos a produção”, conta.
A montagem de uma microcervejaria para produção em larga escala pode sair caro, segundo Iron Mendes, membro da Associação dos Cervejeiros Artesanais do Paraná (AcervA-PR). Mas existem alternativas bem mais baratas e práticas, uma delas é um kit em pó da Muntons, pronto para fazer cerveja. São vários estilos da bebida, basta misturar o pó e o fermento com água em um garrafão de 20 litros e deixar em repouso de quatro a seis dias. O kit custa de R$ 62 a R$ 102, dependendo do estilo, e rende 23 litros.
Da terra
Do interior do Paraná para o topo. Foi assim com a De Bora Bier, cerveja artesanal produzida em Imbituva, nos Campos Gerais. Em 2008, a cervejaria recebeu o prêmio de melhor cerveja artesanal em um concurso em Minas Gerais, disputando com as bebidas de todo o país e até da Argentina. No fim do mesmo ano, foi finalista no concurso da cervejaria Eisenbahn.
O cervejeiro Edigyl Pupo, que é engenheiro agrônomo por formação, conta que começou a produzir cerveja por brincadeira, há um ano e meio. “Sempre gostei da bebida. O interesse em produzir começou quando conheci uma grande cervejaria, em Curitiba, aí, há dois anos, comecei a pesquisar por conta própria”, conta.
Hoje ele produz três estilos: India Pale Ale (A Poderosa, premiada em Minas Gerais), Pale Ale, Amber Ale e Robust Porter (finalista em Santa Catarina).
Serviço:
Carocha Bar. Avenida Manoel Ribas, 1.005, Mercês – (41) 3029-3689.
Armazém da Serra. Mercado Municipal – Avenida Sete de Setembro, 1.865 – box 288/289. Não abre na segunda.
Espaço Gourmet, cursos de gastronomia – (41) 3019-0437.
Bergerson Presentes – (41) 3304-4423.
Tienda –(41) 3027-5251.
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