Pesquisador, Atala abusa da criatividade na cozinha de seus dois restaurantes em São Paulo, o recém-inaugurado Dito e Dalva e o já consagrado D.O.M. No último, tem desenhado uma trajetória que ultrapassa as fronteiras tupiniquins. No mês passado, ele foi eleito pela Restaurant Magazine, uma das publicações de gastronomia mais importantes do planeta, o 24° melhor restaurante do mundo. É a quarta vez consecutiva que integra a lista dos 50 melhores da revista.
Para mostrar um pouco mais deste chef paulista, o Bom Gourmet convidou quatro chefs de Curitiba para que fizessem as suas perguntas a Atala. Confira os questionamentos feitos pelos chefs Alexandre Bressanelli, que também é professor do Centro Europeu e consultor de gastronomia; Celso Freire, do restaurante Boulevard; Flávio Frenkel, do Anis Gastronomia e Kika Marder, do Sel Et Sucre Boutique Gourmet.
Veja a entrevista exclusiva com o chef Alex Atala, do restaurantes D.O.M. e Dalva e Dita, em São Paulo feita a partir de questões de chefs curitibanos:
Kika Marder: Você é um grande difusor da utilização dos produtos brasileiros. Qual ingrediente é o mais desafiador e qual o que mais agrada os estrangeiros?
Alex Atala: Os mais desafiadores são sempre os que têm caráter extremamente forte. O pequi, do cerrado brasileiro, é assim. Ou se ama ou se odeia. Mas quase tudo no Brasil agrada. É um país extremamente carismático. Seus ingredientes são de altíssima categoria e as frutas já permeiam o imaginário dos estrangeiros.
Kika: As técnicas da cozinha espanhola contemporânea, que revolucionaram a culinária, são mais do que um modismo ou vieram para ser incorporadas permanentemente?
Atala: Eu acho que, como todas as técnicas, elas são alavancas para o sabor. Se bem usadas sem dúvida serão incorporadas. É importante lembrar que a inovação na cozinha significa criatividade com utilidade.
Alexandre Bressanelli: Qual é a sua expectativa para a contratação da equipe nas cozinhas. Só a longo prazo iremos admitir os jovens que agora se formam nas escolas de chef?
Atala: Nós temos no Brasil uma grande geração de chefs formados nos anos 1980, que não saíram de cursos, mas sim de restaurantes e cozinhas. Eu tenho por eles muito respeito. De qualquer forma, o diploma vai ser um diferencial no momento da contratação, principalmente quando o chef for selecionado por um profissional de recursos humanos. Mas todo o segmento precisa se profissionalizar, inclusive os donos de restaurantes.
Celso Freire: Como está sendo a aceitação de seus clientes do processo de preparo e cocção (cozinha à vácuo, que visa segurar os nutrientes e o sabor dos alimentos) que você implantou em um de seus restaurantes, o Dalva e Dito?
Atala: A aceitação está sendo muito boa, pois o processo é um grande diferencial. É importante conhecer o procedimento e ter total domínio dele antes de torná-lo público. Isso porque o processo a vácuo pode ser bastante perigoso no que tange a segurança alimentar.
Celso Freire: Como anda sua vida fora dos restaurantes? Consegue almoçar em casa? E para praticar esporte, sobra um tempinho?
Alex Atala: A vida familiar e social muitas vezes é sacrificada em favor da profissional. Nunca consigo almoçar em casa. Costumo levantar um pouco mais cedo para fazer um pouco de esporte.
Celso Freire: O D.O.M está passando por reformas. Será apenas uma remodelada ou as mudanças trarão novidades em todos os setores?
Alex Atala: Será uma reforma grande de sala e cozinha. Nós prevemos uma reforma para o fim deste ano, começo do ano que vem, que é quando o D.O.M. completa dez anos. Mas eu acho que a essência dele. vai ser a mesma: sofisticado, casual, cozinha brasileira e técnica em favor do sabor.
Flávio Frenkel: Novos métodos de cozinha têm servido para encobrir a incapacidade de alguns chefs brasileiros. Hoje é só colocar espuma ou gelatina, riscar o prato e jogar alguns brotos e o novo chef está no mercado. Os profissionais que estão na mídia e influenciam recém-formados não deveriam impor um respeito maior ao que realmente é a gastronomia?
Atala: Eu acho que uma boa formação é fundamental. Mas acredito que jovens poucos habilidosos serão, em pouco tempo, desacreditados ou vão se conscientizar das suas incapacidades. Eu não acho que este seja o problema de um profissional docente ou dos profissionais atuantes no ramo.
Frenkel: Surge nas cozinhas brasileiras o discurso da nacionalização dos ingredientes. Será que essa preocupação excessiva com os ingredientes não pode suplantar a técnica?
Atala: Não há uma grande cozinha sem um grande ingrediente, independentemente da técnica aplicada. A técnica, seja na cozinha clássica ou na moderna, serve somente de alavanca para o sabor e para o resultado final: um prato saboroso e harmônico.
Frenkel:Ainda falando da nacionalização dos ingredientes. Você não acha perigosa essa xenofobia gastronômica?
Atala: Existe um jargão da profissão que é “fundo de cozinha”. Ou seja, ingredientes presentes em todo o mundo, que é utilizado quase obrigatoriamente por todas as cozinhas, como a manteiga, o azeite de oliva, a farinha de trigo. Não há brigas com os ingredientes estrangeiros, mas sim uma renúncia, algumas vezes. Mas brigar é diferente de renunciar.
Frenkel: Slow food ou químicos?
Alex Atala: Bastante conhecedor do Carlo Petrini, tenho certeza que ele não tem nada contra o uso de químicos e sim de produtos não corretos para a indústria de alimentação. Um conselho que eu posso te dar, é ler a embalagem dos panetones, que você come desde criança, e ver que existe ali goma xantana, desde sempre. Esses produtos hoje acusados de vilões de químicos, sempre estiveram presentes e entram na alta cozinha pela porta da indústria de alimentação, um intercâmbio excepcional entre profissionais de nutrição, engenheiros de alimentos e profissionais de ponta. Acho uma bobagem nós brasileiros repetirmos um erro acontecido na Espanha, que abriga de Santi Santa Maria e Ferran Adrià. Acredito que devemos nos juntar em favor da cozinha brasileira e o tempo trará as grandes respostas para estas questões. É importante lembrar que quando a gente fala da nouvelle cuisine — moda passageira na França dos anos 80, ela durou 15 anos.