A menos de 10 dias de vencer a licença federal que permite a caça de javalis, o produtor rural André Correa está apreensivo com prejuízos nas lavouras da serra catarinense. As plantações, conta ele, são atacadas e destruídas pelo animal: foi o que aconteceu há um mês com a lavoura de milho que mantém em Capão Alto (SC). A esperança, ressalta o produtor, é que o governo de Santa Catarina sancione o projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa do estado que libera a caça de javalis.
O animal é classificado como uma das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo pela União Internacional de Conservação da Natureza e, além de destruir lavouras, transmite doenças a animais e seres humanos.
De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente e Economia Verde de Santa Catarina (Semae), a caça é necessária para conter o avanço dos javalis, “mas não é a solução do problema, tendo em vista seu potencial de proliferação”. Outras formas de controle, aponta o órgão, seriam a proteção das propriedades com cercas que evitem o acesso dos animais e até mesmo a mudança na cultura de plantio. A pasta ressalta que a caça de animais silvestres é proibida por lei, mas autorizada “diante de condições especiais” em casos de controle de espécies invasoras.
Em julho, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) suspendeu a emissão de novas autorizações para caça de javali. A medida é válida até que o órgão faça adequações das normas do decreto 11.615, que restringe a liberação de armas para a população civil e define que as autorizações para caça dos animais ou para armadilhas devem ser emitidas pelo Comando do Exército. As licenças emitidas antes do decreto seguem valendo até a data do vencimento do documento. É o caso de Correa, que tem autorização ativa até 21 de dezembro.
Com a mudança, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) aprovou, no fim de novembro, um projeto que autoriza o controle populacional e manejo sustentável do javali europeu no estado. O texto de autoria do deputado Lucas Neves (Podemos) aguarda sanção do governador Jorginho Mello (PL) que, segundo o parlamentar, provavelmente consultará as secretarias de Agricultura e Meio Ambiente sobre o tema. Para a reportagem Gazeta do Povo, as pastas confirmaram que apoiam a medida.
Segundo Neves, o projeto de lei tem respaldo no artigo 24 da Constituição Federal, que diz que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre determinados assuntos, entre eles, “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”. Sem a legislação estadual, avalia Neves, “corremos o risco de não ter mais controle, e (ocorrer) o aumento exponencial da população de javali”.
Segundo a Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), 57% dos municípios do estado relataram a presença da espécie em 2022. A quantidade de animais em Santa Catarina é desconhecida, assim como não há contabilização de estragos causados por eles em lavouras, diz a Cidasc. O boletim informativo do Sistema de Informação de Manejo de Fauna (Simaf), por outro lado, contabilizou 1.316 javalis registrados em ocorrências no território catarinense entre abril de 2019 e setembro de 2021. Santa Catarina lidera o ranking, seguido por São Paulo (1.287), Mato Grosso do Sul (899), Rio Grande do Sul (838) e Paraná (603). Em todo o país, o total chegou a 6.858 no período. A Gazeta do Povo entrou em contato com o Ibama para solicitar dados atualizados, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Javali é considerado invasor e controle da espécie começou em 1995
O javali (Sus scrofa) é uma espécie nativa da Europa, Ásia e norte da África. De acordo com o Ibama, foi introduzido no Brasil a partir da década de 1960, principalmente para o consumo de carne na região Sul do país. “Sua agressividade e facilidade de adaptação são características que, associadas à reprodução descontrolada e à ausência de predadores naturais, resultam em uma série de impactos ambientais e socioeconômicos, principalmente para pequenos agricultores”, diz o site do Ibama.
É um animal generalista, se alimenta de frutos, sementes, folhas, raízes, brotos, bulbos, outros animais, fungos e carniça. Esta lista inclui a predação de pequenos animais e ovos de animais silvestres e domésticos, várias plantas de culturas agrícolas (principalmente milho) e destruição de pastagem. Além dos prejuízos causados pela destruição de lavouras, danos à flora e a fauna, podem transmitir doenças aos suínos e seres humanos, como a peste suína clássica e africana, a doença de Aujeszky (virose que afeta suínos) e a febre aftosa.
Ao menos 16 estados registraram a presença de javalis, segundo o boletim Simaf: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal, Roraima, Tocantins, Maranhão, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Pará.
O controle dessa espécie foi autorizado pelo Ibama, inicialmente, no Rio Grande do Sul, no ano de 1995, em caráter experimental. Posteriormente, alguns órgãos estaduais regulamentaram o manejo em outras unidades da federação. Em razão do aumento de sua distribuição pelo território nacional e da crescente ameaça ao ecossistema, o Ibama autorizou o manejo em todo território nacional em 2013. Em Santa Catarina, a Secretaria de Estado de Agricultura e a Polícia Militar Ambiental publicaram a primeira portaria de controle dos animais em 2017. No mesmo ano, foi criado o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali no Brasil. As medidas perderam a vigência em janeiro de 2022, e o governo avalia uma nova versão, sem data definida.
O que não é permitido na caça de javalis
De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente e Economia Verde de Santa Catarina (Semae), apesar de ser um método legal de controlar javalis, a caça deve seguir algumas regras e não é permitido:
- Uso de armadilhas letais ou capazes de ferir o animal, pois além de causar maus tratos aos javalis, o que é expressamente proibido, pode atingir e ferir outras pessoas ou outros animais.
- Emprego de veneno, uma vez que pode intoxicar e até mesmo matar pessoas, animais nativos e domésticos, além de contaminar o meio ambiente.
- Uso de óleo queimado para atrair javalis, porque pode ocorrer contaminação ambiental, do solo, da água, afetando as pessoas, os animais e plantas do local.
- Uso de cercas para proteger a criação de animais, os plantios e áreas sensíveis, como as nascentes. Impedir o acesso dos javalis é uma forma bastante eficiente de minimizar os prejuízos causados.
Como foi a votação do projeto de lei na Alesc
O projeto de lei (PL) 393/2023 foi aprovado, em 28 de novembro, por 25 votos a favor, quatro contrários e uma abstenção. O texto considera controle populacional e manejo sustentável a perseguição, o abate e a captura do javali (Sus scrofa), seguida de sua eliminação. O controle poderá ser feito por meio de caça, armadilhas ou outros métodos aprovados por órgão ambiental competente.
Durante a discussão do texto, o deputado Marcius Machado (PL) apresentou uma emenda que exige a autorização do proprietário, arrendatário ou possuidor do imóvel para a realização do controle do animal na propriedade rural. A sugestão foi aprovada por 20 votos favoráveis, sete contrários e uma abstenção.
Na tribuna, Machado afirmou que sempre defendeu a caça do javali e apresentou a emenda com base em reclamações que recebeu de agricultores que flagraram caçadores em suas propriedades sem a devida autorização. Além disso, de acordo o parlamentar, há relatos de caça de animais silvestres, o que é proibido pela legislação. O deputado relatou que foi ameaçado de morte por ter apresentado a emenda e criticou o fato de o PL 393/2023 não ter passado pela análise da Comissão de Proteção, Defesa e Bem-Estar Animal, da qual é presidente.
Antídio Lunelli (MDB) também reconheceu que há casos de caçadores que entram nas propriedades sem autorização e abatem o que veem pela frente. “O correto é que cada proprietário faça o controle em sua propriedade”, defende o deputado.
O texto enfrentou resistências na Alesc. O deputado Marquito (PSol) se manifestou contra o projeto. “Não é sobre votar o controle ou manejo de uma espécie, estamos votando a liberação da matança”, disse Marquito, complementando: “Para manejo e controle, temos outros meios.”
Delegado Egídio (PTB) também criticou o fato do projeto não ter sido discutido na Comissão de Proteção dos Animais do Legislativo. “Sou contrário à caça de animais”, afirmou. “A Constituição Federal protege os animais da caça e, ao meu ver, não há comprovação de que a caça vai controlar o número de javalis.”
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