Dos butiazais que contornam o litoral sul de Santa Catarina são feitas cachaças artesanais que se popularizaram. Os produtos receberam aprovação da vice-cônsul de Portugal, de um ex-jogador do Flamengo e do cantor e compositor Neguinho da Beija-Flor. O produto, inicialmente desenvolvido em Imbituba (SC), se espalhou por outras cidades de tradição açoriana e pode ser o próximo patrimônio cultural e imaterial do estado, por meio de um projeto que está em análise na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
A fruta é colhida dos butiazais, principalmente na região da praia da Ribanceira, em Imbituba, onde tem cerca de 10 hectares de Mata Atlântica, e enviada para uma cachaçaria de alambique, conta Célio de Oliveira, presidente da Associação Cultural e Carnavalesca Mariscão da Zimba e coordenador dos projetos Rota Açoriana e Caminhos dos Butiazais. A colheita é feita entre dezembro e março por cerca de 10 coletores. Como a época do butiá fica restrita a quatro meses, uma parte da colheita é congelada para ser utilizada no restante do ano.
Mas por que transformar cachaça de butiá em patrimônio cultural e imaterial do estado? "Seu Célio" tem a resposta na ponta da língua: “Porque vem dos nossos antepassados. Tem uma história da cachaça de butiá aqui em Imbituba: as pessoas tinham essa tradição de colher o butiá, misturar com a cachaça e enterrar os garrafões na terra, para depois trocar por alimentos com os navios mercantes do porto de Imbituba e também por peixe com os barcos pesqueiros. Era uma troca, [que] então virou uma tradição muito grande e isso se espalhou pelo litoral catarinense que é formado pela base açoriana”.
A produção da cachaça de butiá começou em uma parceria com o Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A ideia era criar um produto que representasse o litoral catarinense. “Após estudos, resolvemos criar a cachaça de butiá”, explica Oliveira. A partir daí, começou uma peregrinação para encontrar uma cachaça que realçasse o sabor do butiá.
Há oito anos, a associação fechou uma parceria com a Cachaçaria do Conde e tem levado o produto a festas de cultura açoriana. Desde então, conta o produtor, a cachaça foi aprovada pela vice-cônsul de Portugal e Curitiba, Susana Pereira; pelo representante do governo autônomo dos Açores, em Portugal, Paulo Tevês; pelo cantor e compositor Neguinho da Beija-Flor; e por Lico, ex-jogador do Flamengo, campeão da Copa Libertadores da América e da Copa Intercontinental de 1981.
A cachaça de butiá de Imbituba recebeu apoio da Rota Açoriana, que reúne 46 municípios do litoral catarinense que têm origem portuguesa: de Passo de Torres, no sul, a Itapoá, no norte do estado. Se tornou tão popular que passou a ser uma cachaça açoriana.
Em Laguna, cidade próxima de Imbituba, o funcionário público aposentado José Paulo Duarte começou a fazer cachaça de butiá há cerca de três anos. A produção começou como forma de curiosidade, com cerca de seis garrafas por semana. Os clientes gostaram e pediram mais. Hoje, a esposa e o filho também estão envolvidos no negócio e a produção saltou para 100 garrafas por semana e 400 quilos da fruta por ano. “Todos que saboreiam minha cachaça não esquecem”, garante. E a receita? “Essa é segredo de justiça, ninguém pode saber”, brinca.
No Legislativo catarinense, o projeto de lei 169/2023 que pretende transformar o produto em Patrimônio Cultural Imaterial do Estado foi apresentado pelo deputado Emerson Stein (MDB). O texto passou pela Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural com apoio unânime dos deputados e está em análise na Comissão de Economia, Ciência, Tecnologia e Inovação, para depois seguir para votação no plenário.
Procurada, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), que realiza registros de patrimônios do estado, preferiu não se manifestar sobre o assunto, já que a iniciativa de reconhecimento da cachaça de butiá partiu da Alesc.
Roteiro dos butiazais
A cachaça de butiá despertou o interesse da comunidade pela fruta e, consequentemente, pela preservação da palmeira, que não ultrapassa os 2 metros de altura e tem como característica um butiá pequeno, diferente do existente no Rio Grande do Sul e no Uruguai. A fruta começou a ser utilizada também em sucos e sorvetes. Já a palha da árvore se transformou em artesanato, que pode ser encontrado no litoral de Santa Catarina.
Além disso, a associação decidiu criar um roteiro turístico há quatro anos. São 14 polos, que vão desde a Barra de Ibiraquera até a Barra do Porto, onde no mirante se encontra o monumento de Anita Garibaldi, revolucionária nascida em Laguna, no sul catarinense, e que lutou na Revolução Farroupilha (RS), na Batalha dos Curitibanos (SC) e na Batalha de Gianicolo, na Itália.
“Esse reconhecimento pela Assembleia Legislativa será um grande prêmio por essa luta na preservação do butiá e da referência da nossa cachaça como produto cultural”, resume Oliveira.
Por onde passa o roteiro dos butiazais:
- 1. Barra de Ibiraquera
- 2. Dunas da Ribanceira
- 3. Praia da Ribanceira
- 4. Praia dos Amores
- 5. Costão da Ribanceira
- 6. Praia D'água
- 7. Trilha Pontal do Catalão
- 8. Pico da Diva
- 9. Mirante da Praia do Porto Imbituba
- 10. Centro Cultural e Turístico Mariscāo da Zimba
- 11. Museu Baleia Franca
- 12. Ranchos de Pescadores Artesanais Praia do Porto Imbituba
- 13. Capelinha de São Pedro
- 14. Trilha do Farol Praia da Vila Centro
Festas, dança e queijo: os patrimônios imateriais de Santa Catarina
A Fundação Catarinense de Cultura (FCC) tem registradas, até o momento, sete manifestações como Patrimônio Imaterial do Estado de Santa Catarina. São elas:
Procissão do Senhor Jesus dos Passos
Mais antiga manifestação religiosa de Santa Catarina, a Procissão do Senhor Jesus dos Passos, de Florianópolis, teve o seu registro de Patrimônio Imaterial de Santa Catarina renovado em 2017. Realizada desde 1766 pela Irmandade do Senhor Jesus dos Passos, é composta por rituais simbólicos que atravessaram o tempo e muitas gerações: a Lavação da Imagem do Senhor Jesus dos Passos, três dias antes da procissão; a Missa e a Procissão do Carregador; a Transladação das Imagens e a Procissão do Encontro, quando as imagens do Senhor dos Passos, o Filho e Nossa Senhora das Dores, a Mãe se encontram em frente à Catedral, onde é realizado o Sermão do Encontro. As duas procissões, então, se unificam e seguem em direção à Capela do Menino Deus, no Morro da Boa Vista, junto ao Imperial Hospital de Caridade, onde permanece até o ano seguinte.
Pesca artesanal com auxílio de botos (Conselho Pastoral dos Pescadores da Diocese de Tubarão - Laguna)
A pesca tradicional com o auxílio do boto faz parte da história da pesca no Brasil. A atividade é considerada uma manifestação cultural tradicional, secular e de ocorrência extremamente rara. A prática da pesca com botos define uma cultura própria relacionada a códigos com valor histórico.
Festa do Divino Espírito Santo do Centro de Florianópolis (Irmandade do Divino Espírito Santo - Florianópolis)
Criada em 1775 e realizada anualmente, a festa reflete as tradições culturais dos açorianos que povoaram a Ilha de Santa Catarina e em todo o litoral catarinense. A manifestação atravessou dois séculos por meio da Irmandade do Divino Espírito Santo e é considerada um dos eventos religiosos cristãos mais importantes, dentre muitos praticados no estado. A Irmandade sempre manteve o período de ocorrência da Festa durante o Pentecostes, cuja data mais relevante se dá exatamente 50 dias depois do domingo de Páscoa e a sete dias do ato litúrgico da Ascensão de Jesus; é o domingo de Pentecostes. Neste dia, ocorre a coroação do Imperador, figura onipresente em todas as festas do Divino, e a missa solene da coroação.
Queijo artesanal serrano
Produzido desde meados do século XVII, o queijo artesanal é um produto que tem tradição mantida pelos pequenos produtores catarinenses da serra, passando de geração para geração. Ao longo do tempo, tornou-se parte da identidade cultural da região serrana. Mesmo com mudanças tecnológicas e sociais, a produção do queijo serrano foi uma atividade que permaneceu no cotidiano do campo da serra catarinense. É um alimento feito em pequena escala que busca suprir as necessidades cotidianas dos moradores da região e que, portanto, não possui fim exclusivamente mercadológico.
A fabricação artesanal é outra característica: mesmo que tenham existido apelos à mecanização ou adaptações às legislações criadas no decorrer da história, a maneira de fazer o queijo continua intacta. Por mais que seja uma cultura disseminada no estado, as etapas de fabricação (produção, armazenagem, consumo) são seguidas por todos os produtores. No entanto, algumas particularidades são observadas no produto final: aroma, textura, tamanho, coloração, sabor, que pode variar de uma unidade produtora para outra.
Dança do Catumbi (Grupo Folclórico Catumbi da Irmandade Nossa Senhora do Rosário - Araquari)
A Dança do Catumbi é uma celebração com dança, música e trajes coloridos que exaltam elementos da cultura africana, em sincretismo religioso. Trata-se de uma manifestação cultural única, cujo surgimento remete a meados do século XIX. É o primeiro patrimônio formalmente reconhecido pela legislação de proteção em Santa Catarina que diz respeito à cultura negra.
Pesca artesanal da tainha
Duas comunidades pesqueiras do litoral catarinense que praticam a pesca artesanal de tainha receberam o registro de patrimônio imaterial catarinense. A primeira delas foi a Praia do Campeche, em Florianópolis. Depois, o município de Bombinhas recebeu a certificação de reconhecimento da "Pesca Artesanal da Tainha com Canoas de um Pau Só".
Festa de Nossa Senhora dos Navegantes
Realizada no município de Navegantes, é uma celebração centenária, organizada pela comunidade católica local desde fins do século XIX, com ápice na procissão fluvial que ocorre em 2 de fevereiro. A programação se estende para além dos cultos católicos, com shows, exposições, desfiles, almoços e jantares, ampliando, assim, o público participante. A festa organizada pela Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes recebeu a certificação em 26 de agosto de 2022.
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